Um corvo, um cobre

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sábado, 13 de setembro de 2008

ECOLÓGICOS



SEM BRINCADEIRA

Urutau
[1] pousado no pau!
Todo empertigado, para o céu aponta o bico
Pássaro sério!
Pássaro feio!
Arredio urutau
pousado no pau.


***

EHE, EHE...FUMACÊ, AHA, AHA... FUMAÇÁ

Ah, essa fumaça que me rodeia, me chateia, deixa-me sem ar!
Tudo nublado... Sem vida, nem fado...
Eterno emaranhado que por enquanto é verde
mais tarde, quem sabe, marrom ou preto carvão,
de onde brota a fumaça, mas o verde não!


[1] Urutau: (Nictíbius grandis) Ave noturna, cujo canto, de tão triste, é considerado de mau agouro.

DEZ MOTIVOS



O sol nasce
O sol se põe
O homem impõe
Deus dispõe
Dois pra cá
Dois pra lá
Dois patinhos na lagoa
Duas gaivotas no ar
Dois pássaros na mão
Um pássaro voando livre no céu
Um amor
Uma paixão
Um pote de mel
Um pote de fel
Três casas em uma rua pacata
Três versos em uma linha exata

Direita, volver...

Os quatro cantos do mundo
Quatro velhinhos sentados
Quatro estrelas piscando no escuro
Quatro rosários rezados
Cinco crianças jogando bola
Cinco pessoas à mesa
Seis tocadores de viola
Seis indiozinhos na canoa
Seis jacarés de cartola
Sete cores do arco-íris
Sete dias da semana
Sete frutas madurinhas
Sete anos de lembranças

Esquerda, volver...

Oito amigos brindando a esperança
Oito elefantes na roda gigante
Oito carros passando na estrada
Oito noites encantadas
Nove contos de fadas
Nove duendes na floresta
Nove canções decoradas
Dez pasteis com recheio
Dez anos de solidão
Dez dias buscando abrigo
Dez pedaços de pão

Destino desfaço desordem...
A única ordem é: Descansar
...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A FORMIGUINHA, UM CONTO SEM FIM DO FOLCLORE POPULAR



por Virgínia Allan


Foi um dia, depois do inverno a formiguinha saiu a passear...
Mas, a neve ainda era tanta que a formiguinha não pode andar,
e, ao se perceber aprisionada ao lado da parede de uma casa,
pensou então em quem poderia lhe ajudar...

Pensou e pensou, e para a neve assim falou:
“Ó neve, tu que és tão macia e formosa deixa que me vá....
por favor desprende meus pezinhos pra eu poder passar,
olê, lê, olá, lá”...

A neve respondeu: “Ó, pobre formiguinha, sinto não poder te ajudar,
mais forte do que eu é o sol que me derrete, espera um segundo,
ele nunca esquece, já já aparece”.

Não demorou, o sol apareceu: “Ó sol” disse-lhe a aflita formiguinha,
“que derrete a neve, desprende meus pezinhos pra eu poder caminhar,
olê, lê, olá, olá”...

O sol respondeu: “Ah, formiguinha, sinto te desapontar...
mas a parede desta casa está a me empatar, por isso ela é mais forte,
pois impede de eu te alcançar”.

“Ó parede que impede o sol que derrete a neve se és mesmo tão poderosa
desprende agora meus pezinhos pra eu poder ir-me embora,
olê, lê, olá, lá...”

“Hummm, formiguinha, mais forte do que eu, é o rato que me rói
e não me deixa descansar. Lá vem ele, apressado,
com seus dentinhos afiados pronto a fazer seu trabalho”.


“Ó rato de dentes afiados que rói a parede que empata o sol que derrete a neve,
desprende os meus pezinhos pra eu poder passar,
olê, lê, olá, lá...”

O rato respondeu: “Saiba amiguinha, que mais forte do que eu é o gato,
que sem piedade me caça por todo lugar. Dentro da parede me escondo,
pois pelo buraco o gato não pode passar. Espera um pouco e antes que seja tarde
verás que falo a verdade”.

Não demorou apareceu o gato atrás do rato, remexendo os longos e finos bigodes sem parar.

“Ó gato que pega o rato que rói a parede que impede o sol que derrete a neve
se és tão grande e majestoso prova tua coragem e desprende os meus pezinhos
pra eu poder caminhar,
olé, lê, olá, lá”...

O gato respondeu: “Posso ser grande e majestoso, mas o cachorro é mais corajoso
e ele corre muito pra me pegar.... Sinto não poder te ajudar...
Espera um instante, ele não vai demorar”.

Não demorou e apareceu o cachorro, latindo sem parar...
“Ó cachorro que pega o gato, que pega o rato, que rói a parede que impede o sol
que derrete a neve, és capaz de me ajudar?
Olé, lê, olá, lá....”

Fonte: http//www.jangadabrasil.com.brInformante: Maria da Salete, Recife, PE (Em Lima, Jackson da Silva Lima. "Achegas ao romanceiro tradicional em Sergipe". Revista Sergipana de Folclore, ano 2, nº 3, outubro de 1979, p.69-71)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O LIMITE DA ETERNIDADE




Para Clarice



Poderá ser verdade Clarice, humanamente possível a suspensão do tempo? Será que podemos limitar, tocar, saborear a eternidade? O que posso eu te dizer sobre ela a partir de minhas experiências e indagações?...O sabor mesmo, palatável da eternidade, assim como tu sentiste, deste jeito, não, nunca a experimentei, há não ser apenas, de forma abstrata, a sensação, como por exemplo, da primeira vez que me apaixonei e achei que seria para sempre. Existirá algo mais “doce” do que esses primeiros enganos da juventude? Alguns desses primeiros encantos são como o teu “chiclete”, a princípio doce, ou nem tanto, mas que você vai levando, “chupando” depois “mastigando’, tomada de curiosidade e espanto. Entretanto, “chupar”, “mastigar”, embora tentemos guardar, “ pregar em algum canto”, para voltarmos depois, no dia seguinte, a “chupar e a “mastigar” começa a cansar, e, contrafeita você não sabe o que fazer com aquela sensação que agora não tem mais gosto algum e que, contudo, era para durar a vida inteira, ser eterna, para sempre..Aí, o medo de magoar faz você carregar o desgosto e a culpa, mas saber que isso pode se arrastar ad infinitum só lhe causa aflição. Todavia um dia, não suportando mais, você toma coragem e se escondendo sob o manto protetor da mentira sincera, dá um jeito de soltar a mão da mão que te segura com tanta força, como o chicle caído da tua boca “sem querer”. A mão “doída”, “suada”, “machucada”... não volta nunca mais a segurar a outra, que, ainda estendida, espera...Porém (de novo a bendita frase) como tudo na vida, felizmente, a “eternidade” também se cansa de esperar...
A sensação, e até o medo da eternidade, veio-me de várias formas. Certa vez, assistindo a um filme antigo, vi uma ponte que, não sei por que, deu-me a sensação de infinito. Era uma pequena ponte por onde um casal caminhava, mas para mim, ficou a impressão de que a ponte nunca acabava...sendo engolida afinal por um denso nevoeiro. Os viadutos e pontes dão-me a impressão de que sempre nos conduzirão a um lugar melhor, mas, ao mesmo tempo parece-me que percorrê-los é bastante assustador...Uma de minhas vidas, das muitas que tive e que terminou não faz muito tempo, foi como a cena desse filme, do qual não lembro sequer o nome. Sabe, vou mais a fundo, Clarice e posso te dizer que a eternidade está sempre presente e sob as mais diversas formas. Vamos contando a nós mesmos a mesma história permeada de infinitos, que, como as rosas, se entreabrem a outros vários infinitos.
A eternidade, e o medo que sesente dela, se repete até nas pequenas coisas do dia a dia, tal como o abrir e fechar de portas e a preocupação de realizar uma tarefa que parece nunca acabar ou fazer-nos sair do lugar. Talvez não estejamos mesmo, Clarice, à altura da Eternidade, não falo da eternidade que te sufoca, que te condena a uma vida repetitiva, mas, falo sim, daquela Eternidade que se abre para o vasto espaço, num aprendizado cheio de glórias infindas que nos elevam a sabedoria dos anjos. Não seremos desse tipo de eternidade merecedores enquanto nos fizermos de tolos, egoístas e senhores de tudo.
Essa sensação de eternidade que nos é dada viver e reviver agora, cotidianamente, como que condenados, só nos aflige, se e quando, relacionadas a fatos desagradáveis achamos que não podemos, ou não temos, capacidade de impor-lhe um limite e seria ousadia em demasia de nossa parte dizer que A ETERNIDADE ACABA AQUI...Impor limites à eternidade em nosso viver diário não só é humanamente possível como totalmente plausível e não é necessário para isso ser um fanático religioso, um profundo estudioso, um intelectual exaltado ou um grande mago, basta que aprendamos a reconhecer e a respeitar, com humildade, nos detalhes que nos escapam, os princípios básicos da Lei Imutável, que rege a vida como um todo, nesse Universo incomparável, em constante expansão. Palatável foi a tua crônica, Clarice, cujo gosto de chiclete não poderei jamais esquecer. Veja quantas reflexões me proporcionou! Arrastar a eternidade com todo o peso e ignorância de nossa mortalidade, é mesmo muito desalentador, embora, no começo, ela pareça-nos “doce, cor-de-rosa, inocente, tornando possível o mundo impossível do qual mal começamos a dar-nos conta”. O peso da eternidade de cada um é incomunicável e livrar-se dele, quando o conseguimos, é deveras um alivio, um alivio divino.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

SE...



Se eu não tivesse me apaixonado, talvez nem ligasse se o telefone não tocasse.
Se eu não tivesse me apaixonado, não faria questão de ouvir a tua voz.
Se eu não tivesse me apaixonado, não me importaria com o pouco caso que fazes de minhas necessidades.
Se eu não tivesse me apaixonado, te deixaria adormecer em paz, sem cobranças; sem o tom impaciente de minha voz.
Se eu não tivesse me apaixonado, não me preocuparia com tuas preocupações, nem me entristeceria com os dias tristes.
Se eu não tivesse me apaixonado poderia manter a calma e assim olhar com serenidade tudo o que acontece a minha volta.
Se eu não tivesse me apaixonado, não seria agressiva, nem diria palavras ofensivas, pois não me sentiria rejeitada, nem preterida.
Se eu não tivesse me apaixonado, não ansiaria novamente por teus beijos, nem pelo calor do teu corpo e me deitaria calmamente em minha cama, usufruindo o sossego solitário de uma boa e longa noite de sono.
Se eu não tivesse me apaixonado não contaria cada segundo dos minutos das horas, dos dias das semanas dos meses que constroem os anos, e que sob o nome de “tempo”, passa por nós tão rapidamente.
Se eu não tivesse me apaixonado, o silêncio não me atormentaria, a dor não me atingiria e não me seria fatal a tua indiferença.
Se eu não tivesse me apaixonado, minha alegria seria menos alegre, mas, certamente, seria mais tranqüila.
Tudo isso seria possível se eu não tivesse me apaixonado... Se eu não tivesse me apaixonado... Se eu não tivesse me apaixonado... Se... Se... Se...


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O SONHO DE MARIA



Sobre a cama antiga e tosca
Maria estende uma colcha de rede
feia e remendada...

Um suspiro profundo, um acalanto...
um sonho ainda não realizado...

Pronta a cama
Deita-se Maria
e sonha
um sonho quente e delicado...

Maria sonha
Sonha Maria
mas não com amores impossíveis
jóias e outras coisas caras

Maria sonha mesmo é com uma colcha
de um reluzente cetim dourado.

domingo, 7 de setembro de 2008

FANTASMA DE MIM


Sombrio céu dentro de mim
Onde chove todo o tempo
Pequeninas flores desabrocham
mas logo morrem afogadas em mágoas
dor lancinante do viver descontente

Refugio-me no sonho
Trago para dentro da teia de maya
Imaginária, o retorno à nossa casa
E o meu vagar pelos quartos
Silenciosos, à tua procura, sem descanso

DISTANTES




Por que meu amigo
Não podemos mais simplesmente sentar e conversar
Como fazíamos antes?
O que mudou nesta longa história?
Não aprecias mais minhas indagações?
Não aprecias mais minhas observações?
Não aprecias mais a música que ainda escuto?
Ainda te resta algo de Songs From The Wood?
Por que meu amigo
Não podemos mais rir de tuas piadas sem graça?
E hoje mal se escuta a tua gargalhada?
O que mudou nessa longa estrada?
Certamente mudou a expressão de meu rosto
A calma nele é tristeza disfarçada
E como “os olhos são a janela da alma”
Deve te incomodar a verdade do que vês
Por que meu amigo
Não podemos mais contar velhas histórias?
Ou falar pequenas e grandes bobagens
Divagar sobre a vida, a evolução do homem ou a expansão do Universo?
Por que não podemos mais aprender, beber direto da fonte
da sabedoria dos antigos, comentar e meditar sobre os grandes livros
Compartilhar um bom copo de vinho como fazíamos antes?
Para onde foi nossa amizade?
Ou será que talvez ela nunca tenha existido?
Nossos cantos não nos contentam sabemos disso
Não espantam nossos males escondidos
Sinto muito meu amigo que as coisas tenham caminhado dessa forma
Não posso mais contar com teu ombro...amigo...
Ainda vamos juntos na mesma jornada afora
Companheiros de viagem na travessia dourada, na caravana de sonhos,
da coragem irmanada e do esforço sobre si
Caminhada dura caminhada
Mas não podes mais segurar minha mão
E por mais que eu queira não consigo mais segurar a tua...

sábado, 6 de setembro de 2008

PARAISO PERDIDO



Constrange-me o lento/veloz passar das horas
e em meu espírito instala-se o desejo impossível do retorno ao paraíso.
Mas pregado à porta deste céu almejado eis um recado: “Paraíso fechado pra balanço. Período de retorno, indeterminado”.

A VIDA É...

para Daise

A vida é uma viagem
Por vezes longa por vezes breve...
O tempo exato e leve de um sopro
Um suspiro um espirro um cochilo...
Mas que importa o tempo gasto
se foi bem empregado?
O fim da viagem? Uma incógnita...Importa?
Importa é seguir adiante
Não perdido entre brumas
brancas espumas
atolado nos mangues
afogado em lamas
tragado por areias movediças
envolto em frias
doces
cruéis
sublimes
torturantes
armadilhas...
O ideal é deixar-se levar
nas asas do vento voar
que bem conhece o rumo certo a tomar
Voemos então..bem alto...pra longe...além dos montes
lá para aonde vivem os anjos
Antes de virarmos poeira tomemos de empréstimo
o brilho das estrelas...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008


Para Anninha

Lá vem a menina
Tocando a cornetinha
Perturbando toda a gente
Da sala à cozinha

Fi-fi-fi
Fi-fon-fá
Fi-fi-fi
Fi-fon-fá

Iaiá ó Iaiá
Ensina-me a cantar?
Como pra quê ó Iaiá?
Quero fazer par com a menininha
Que toca a cornetinha sem parar

Ela faz fi - fi- fi- fi- fon-fá....
Faço eu lá-lá-ri-lá-ra-lá...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

TRÊS BREVES POEMAS PARA ANA C.

Ana Cristina Cesar

A mulher com a sombrinha azul
Passeia num lugar distante
Sombra errante séria
Nem liga se está em Paris
ou Londres
E “A teus pés” desiste dos sonhos
***
Paz para a alma ferida
Perdida por entre soluços
Lá onde vagueia a tristeza
solene, chorosa, magoada
vestida de luto
***
Um floco de neve
Uma gota de chuva
Uma manhã de orvalho
Tudo se desfaz
Ao toque do sol



quarta-feira, 3 de setembro de 2008

PIPA NO CÉU



Rodopia no céu
A pipa de papel
Rabiola enrola
Pega, corta e apara
Menino corre atrás
Pula cerca, pula muro
Engole vento
Come tempo
E a pipa de papel
Ponto colorido
No céu
Cai...cai...cai...Lentamente...
Passa nuvem...passa fio...passa passarinho...
Tinha uma árvore no meio do caminho...


terça-feira, 2 de setembro de 2008

LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO...

Para Clarice

Confesso-te, Clarice. Eu já roubei...Tenho experiência no assunto. Sou uma ladra de corações. Tenho muito deles em minha caixa e sem falsa modéstia, alguns estão partidos até hoje. É uma pena... Coração remendado, assim como as flores, não duram, então eu posso te entender Clarice, muito bem, embora as flores, as rosas principalmente, nunca tenham me apetecido...tinha pena de colhê-las, doía-me quebrar-lhes o talo, pois, sabia que, se isso fizesse, elas não durariam, mesmo com minha redobrada atenção e carinho, tão efêmero se lhe afiguram os seus dias, gostava mesmo era de colher corações...! Como te disse, embora as flores não tenham sido os objetos preferidos de meus anseios sei o que é ficar completamente perdida, embevecida, encantada diante de algo que está anos luz de qualquer explicação, e, que, por um estranho e impertinente sentimento, você se julga no direito de pegá-lo, de tomá-lo para si, simplesmente porque, por obra e graça de Deus, este objeto é, ou deve ser, seu, somente seu; estava destinado a você, só a você e a mais ninguém. E, para acalmar o espírito e o absurdo da situação, você arranja todo tipo de desculpas para si mesmo, que vão desde as mais esfarrapadas às mais justas, desculpas estas que agem no espírito, apaziguando-o, e que, acabam por te convencer de que você não fez realmente nada de errado e, aí, a partir desse teu convencimento, tenta convencer aos outros de que agiu guiado pelas mais íntegras, nobres e sinceras intenções. Quando criança, roubei uma boneca e uns anos depois um berloque de Papai Noel de uma exposição que fizemos no colégio. O berloque era tão insignificante e a dona dele tão descuidada, que com a ajuda de uma amiga, me achei no direito de pegá-lo; pensei que ninguém daria falta, mas, deram... Resultado...Tive que devolver o brinquedo, pedir desculpas, engolir o vexame, agüentar pacientemente a bronca de minha mãe e ouvir um interminável discurso sobre os Dez Mandamentos, dando-se sempre maior ênfase ao “Não roubarás”. O discurso, Clarice querida, fez efeito e a culpa e o medo me fizeram recuar diante de várias situações "interessantes", digamos assim, e, durante algum tempo me contentei com aquela brincadeira de criança de “esse lado é teu, esse é meu”...que fazíamos em todo lugar, fosse em casa ou nas ruas, a caminho da escola, até mesmo quando folheávamos revistas, “essa página é minha essa é tua”...numa disputa tola, porém divertida. Contudo, não perdi totalmente a mania de “dar conta do alheio”. Continuei roubando coisinhas sem qualquer importância, como um ou outro bombonzinho, folhas de árvores, uma fruta...Só um pouco mais tarde é que fiquei saliente outra vez e roubei alguns corações. Todavia Clarice, numa dessas curvas do caminho, depois de tanto roubar, eu é que fui roubada, despojada de meu coração, do meu amor e por pouco de minha vida. Deparei-me um dia com um jovem ladrão que surrupiou meu coração num momento de distração. O ladrãozinho era mais jovem do que eu e não tinha muito a oferecer, mas ofertou-me uma flor; uma flor que de tão rubra e perfumada metia medo, dado o brilho intenso de suas pétalas aveludadas, e, quando o sol incidia sobre ela, era como se fosse inflamada por um fogo divino. Sim, Clarice, uma rosa, não uma bela “rosa cor-de-rosa apenas entreaberta”, mas uma rosa, com alguns espinhos, de um vermelho vivo, resplandecente, puro ardor, louca paixão. Porém, mesmo fascinada e boba pelo objeto ofertado e pelo gesto ousado do jovem ladrão, recusei a rosa vermelha e com a recusa o amor tornou-se ainda mais violento / sedento / tormento. Ah, como eu queria Clarice, aceitar aquela flor...a linda flor que me ofertava o ladrão, “que nem homem feito era ainda”, não passava de um menino. Eu queria do fundo do meu coração aceitar a flor. Eu queria, mas não podia...Ele não se contentou com a recusa. Perseguia-me. Não desistia, confrontando-me nas horas mais silenciosas, pegando-me desprevenida, justamente naqueles momentos em que a paixão acaba se sobrepondo a razão. E em atos de exagero ao extremo, jogava-se aos meus pés, lamentava-se de sua dor e prometia-me amor, amor, infinito amor...Foi em um momento de total fragilidade/fatalidade, ele se aproveitou e me pegou, roubando de vez meu coração. Cedi, enfim, a tentação e cai nos braços do ladrão. Emocionada pela insistência, pela querência, pela carência, desafiei os fados que desde o inicio me foram desalentadores e prometiam-me inconstâncias, sofrimentos e ressentimentos, mas sem pensar duas vezes aceitei o jovem ladrão tresloucado. Todos nos vigiavam e com olhares reprovadores se forçaram a aceitar nossa união. Para nós pouco importava. Tínhamos “nossa” casa, canteiros de rosas, músicas, crianças, sol e chuva e o mais importante, tínhamos um ao outro e por alguns anos muita felicidade com pouquíssimas nuvens ameaçadoras, chegava a ficar tonta de tanta alegria. Tive esperança, perdão e vontade de perdoar. Meu coração se engrandeceu, a alma se aqueceu e o espírito se aquietou. Mas, para nossa desdita, ele já conhecia, antes mesmo de me conhecer um ladrão maior, mais hábil e mais forte, já que tinha o dom de farsante e sabia iludir, que o tiranizava, sem compaixão, pairando, como uma sombra sobre sua / nossas cabeças. E este ladrão audaz roubou-lhe de todas as maneiras, tanto material quanto espiritual. Roubou-lhe a paz, a vontade, até, por fim, levá-lo por inteiro, mas não de livre e espontânea vontade, pois muito ele resistira. O meu jovem ladrão, cujo amor era como uma rosa de um vermelho vivo, vermelho paixão, foi-se, misturando-se à poeira do infinito, voltando a fazer parte da grande rosa que é o Universo. Agora está por aí, alma encantada, tocando a música das esferas. Falo Clarice, em inconstância, sofrimento e ressentimento, mas não passam de palavras, pois a inconstância não foi tanta, o sofrimento não foi tanto e os ressentimentos dissiparam-se com o tempo. Tudo se dissipou com o tempo. Tudo passa, não? O que me restou? Restou o amor; as lembranças, a saudade, as duas crianças e uma solidão desmedida...Mas, ainda roubo corações, acreditas!? Ah...E alguns livros...Eu já tive pressa, muita pressa de viver, pois sentia que logo tudo iria terminar e estabanada, fazia como tu, que, ao meter a mão na sebe com o propósito de recolher as pitangas que se escondiam, na pressa de apanhá-las, sem querer, acabava por esmagar alguma, amadurecida demais. Eu, nessa pressa de viver, passei por alto alguns momentos, me esquivando, nunca percebendo a real importância das coisas e o que poderia fazer a diferença. Eu, ladra que fui talvez tenha, do meu “pequeno príncipe”, lhe roubado algo também, quem sabe a juventude, a energia e o juízo. Ele roubou-me, eu o roubei, mas no que diz respeito a minha vida com ele ou a vida em si, como um todo, o certo e o errado, o justo e o injusto, ainda não sou capaz de separar. Entretanto, não tenho do que me queixar. Ele só queria amar e ser amado. Eu só queria amar e ser amada. O amor, como uma flor ou um fruto, como disseste, pedia para ser colhido. Não queria crescer; amadurecer e depois morrer num galho seco qualquer, velho, virgem e solitário, não é este o destino do amor. Ganhei uma rosa de um vermelho vivo, intenso, vermelho paixão, que de tão forte o brilho iluminou tudo ao redor, rosa em vaso de cristal, singela, mas, ao mesmo tempo, tão preciosa, da qual cuidei e amei, até que um dia, como tudo na vida, ressecou e morreu. Mas, a essência das coisas nobres Clarice, esta sim sabemos que nunca morre e no mistério profundo onde repousa a verdade absoluta há sempre lugar para o perdão, perdão para todas as fraquezas, leviandades e misérias, há perdão, inclusive para o amor demais, há perdão para sempre, há perdão para tudo e todas as coisas, há perdão, enfim, Clarice, até para o “ladrão que rouba ladrão...”

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

UM SOM DE CLARINETA



Um som de clarineta
Que não sai de minha cabeça
Por onde andará a pequena Julieta?

Foi em um fim de tarde
Um passeio no parque

Julieta dançava
E a clarineta tocava
E minha cabeça...
ai minha cabeça...Rodava...

O vento quis bailar também
E soprou por todo o parque...
Arrepiou e tanto se empolgou
Que pela pequena Julieta se apaixonou

Era um lindo dia...
E Julieta deixou-se em suas asas levar
Ponto colorido no céu pairando livre no ar
Feito pipa de papel
até lentamente por entre as nuvens desaparecer
Tocando a clarineta sem parar

Toca toca toca clarineta
Martela tuas notas em minha cabeça
Já que eu perdi a pequena Julieta...

Foi um dia um sonho uma ousadia pura magia...
Acho que Julieta e a melodia da clarineta
Só existem em minha cabeça...

Enlouqueci?

domingo, 31 de agosto de 2008

MULHER À JANELA

Mulher à janela -Salvador Dali


Mulher à janela
Olha ela
Vive sem graça
A olhar a gente que passa
Ela espera
O amor que tem
e que a contêm
Horas de puro desassossego
contadas nas pontas dos dedos
rosário improvisado no oratório ao pé da janela
desajeitado como ela
Agonia espelhada em cada canto
da casa solitária despida do brilho
falso enganador mas radiante de dona esperança

sábado, 30 de agosto de 2008



As imperceptibly as grief 

The summer lapsed away, 

Too imperceptible at last, 

To seem like perfidy. 

 A quietness distilled,

 As twilight long begun 

Or Nature, spending with herself 

Sequestered afternoon. 

 The dusk drew earlier in, 

The morning foreign shone, 

- A courteous, yet harrowing grace, 

As Guest, who would be gone. 

 And thus, without a wing. 

Or service of a keel, 

Our summer made her ligth escape 

Into the beautiful. 

(1865) 

Tão despercebido quanto a aflição,

Passou o verão... 

Tão despercebido, enfim, 

Que de traição deixou a sensação. 

 A isolada quietude 

Estendeu-se ao anoitecer 

Aonde a Natureza, presenteou a si mesma 

O que roubou do entardecer. 

 O anoitecer prematuramente 

Arrancou de si uma estranha e luminosa manhã 

Que se dobrou graciosa em reverência dolorosa, 

Ao ingrato visitante que se foi. 

 Embora em desamparo, 

O divino oficio se refez, 

Nosso verão se fez luz 

E dentro da beleza foi se esconder.

(Um poema de Emily Dickinson por Virgínia Allan)

LADAINHA



Sou um grão de areia girando no ar
Sou um átomo dançando em torno do sol
Sou uma estrela que cai devagar
Sou a lua que ama o sol
Sou
Cometa que passa errante em solitária jornada rumo ao mar inconstante
Sou
Sou a senhora dos segredos
Sou a eleita dos deuses
Sou a dona das minas de prata e de ouro
Sou a favorita de todos
Sou
Jovem velha jovem senhora senhorita fênix bendita das cinzas renascidas
Sou
Sou o amante abandonado
Sou o amante que abandonou
Sou a tristeza que paira na tarde
Sou o silêncio que nunca calou
Sou
Um inábil tradutor de poucas palavras e mudas falas
Sou
Sou a brisa que logo se faz ventania
Sou a fugaz beleza de um dia
Sou noite fria e tardia
Sou alegria colorida e vazia
Sou
Alma resignada pela dor aniquilada
Sou
Sou a prece do moribundo murmurada
Sou a paz doce e solidária
Sou o remédio das horas amargas
Sou a fé que nunca falha
Sou
Pobre miserável enriquecido um tolo sabido uma espécie de rei mendigo
Sou
Sou o refúgio do fraco
Sou o escudo do forte
Sou o tormentoso vento norte
Sou aquele que lida com a sorte
Sou
Odioso mensageiro da guerra inabalável senhor da morte cavaleiro negro que toda a terra percorre
Sou
Sou a lágrima furtiva do pranto contido
Sou o poeta apaixonado embriagado entontecido
Sou o ombro amigo consolo dos desvalidos
Sou o homem novo renascido vivo
Sou
O perdão abençoado dado ao infeliz abandonado
Sou
Sou a canção de acalanto aprendida
Sou um conto uma historia esquecida
Sou o alivio da mão estendida
Sou a esperança que ilumina a vida
Sou
Resto de nada poeira assentada da esquecida estrada
Sou
Sou o amor que promete e nunca vem
Sou o amor de ninguém
Sou o rico que nada tem
Sou o mal que vem pra bem
Sou
O corpo sobrecarregado sina de um viver aprisionado semente pelo vento levada no campo espalhada
Sou
Sou um sonho uma quimera
Sou a ferida da fera
Sou a ânsia contida de uma longa espera
Sou em verdade a verdade que tudo encerra
Sou
Nada e nada sei que sou alma penada que por piedade implora e escondida do sol lamenta e chora por sobre as campas dos envelhecidos túmulos.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A CRIAÇÃO


Da palavra “Seja”, pronunciada por Deus, surgiram todas as coisas; todas as coisas surgiram a partir da palavra “Seja”, pronunciada por Deus em sua nebulosa solidão.
Metade desta palavra saída da boca do Criador era feita de luz; metade desta palavra saída da boca do Criador era feita de escuridão.
Luz e escuridão permearam todas as coisas que existiam no Universo; todas as coisas que existiam no Universo foram permeadas por luz e escuridão, inclusive o barro do qual foi criado Adão. Portanto, o homem será aquilo que deve ser; aquilo que sua essência determinar. Se sua essência for de luz, esta então prevalecerá sobre a sua essência de escuridão, porém, se sua essência for de escuridão, esta prevalecerá sobre a sua essência de luz.
Do barro e da água, Deus criou o homem a sua imagem e semelhança; a sua imagem e semelhança, do barro e da água, Ele o criou e nele, insuflou Seu espírito, pleno de sabedoria.
Quando a criatura de barro e água ficou pronta, Deus passou a mão por suas costas e separou o bem do mal; ao passar a mão por suas costas, o mal do bem Deus separou.
Das costas do homem feito do barro e da água, Deus fez sair os companheiros da mão direita, que se dirigiram para o lado direito; das costas do homem feito do barro e da água Deus fez sair os companheiros da mão esquerda, que se dirigiram para o lado esquerdo.
Assim é desde o princípio dos tempos. Não me perguntem o porquê, pois a isto não saberei responder e peca aquele que perguntar.
Cala-te!
A sabedoria está em toda a criação e ela se refletirá na nobreza de coração daquele que foi criado do barro e da água; sobre aquele a quem Deus estender a Sua paz e coroar com Suas benções.
O conhecimento e a compreensão de Deus, frutos da confiança e da fé, só nos são possíveis por causa de Sua imensa generosidade, já que somente por Sua infinita graça e misericórdia é que nos é dada a capacidade de alcançar, de ter e reter, enfim, de Seu rosto uma clara, mas, perturbadora, visão.


(Inspirado em Ibn el Arabi, El Árbol Del Universo)

ESPARSOS


Fuga
Fugaz
Sonho
Azul/Lilás
Mordaz
Ferida
Antiga
Cicatriz
Por um triz

***

Sombrio céu dentro de mim
Onde chove todo o tempo
Pequeninas flores desabrocham
mas logo morrem afogadas em mágoas
dor lancinante do viver descontente

***

Refugio-me no sonho
Trago para dentro da teia de maya
Imaginária, o retorno à nossa casa
E o meu vagar pelos quartos
Silenciosos, à tua procura, sem descanso


quinta-feira, 28 de agosto de 2008

ENTARDECER



O entardecer me entristece
Não cabe a prece em meu peito
Mas a voz não sai, emudece

Silêncio...silêncio profundo!

A fresta aberta entre os dois mundos
Ferida antiga logo se fecha...
Refaz-se então a fria e pálida paisagem
E eu inerte distante de tudo

Ando por entre escombros
De uma cidade em ruínas
Que na realidade sou

Sob a cortina de neblina
Espírito contrariado
Se esconde a saudade
Que o pranto, inutilmente derramado, não levou

O VELHO DA BARCA


Bom barqueiro bom barqueiro...
Dá licença de eu passar...?
Carregado de lembranças
Para casa vou voltar...
Vivo estou à margem do Aqueronte
Nem sei como aqui vim parar
Perdido por entre clamores e prantos das almas condenadas...
Barqueiro bom barqueiro
Dá licença de eu passar...?
Salvo conduto possuo
Para escapar desse mundo escuro
O precioso raminho de ouro
Dado pela Sibila esperança
Velho Caronte barqueiro amigo
Do rio Aqueronte quero distância
Barqueiro ó bom barqueiro
Dá licença de eu passar?
Carregado de lembranças
Para casa além do mar quero voltar
Barqueiro ó bom barqueiro
É pra lá onde hás de me levar

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

BRINCADEIRA DE CRIANÇA



Lembro-me de um dia...Num instante o sol brilhava e no outro a brisa fria fininha, transformou-se em densa, desvairada ventania e, com violência, encrespou as ondas do rio-mar, afundou barcos, destelhou casas, derrubou barracos, desfolhou árvores, jogando longe, flores e frutos. Dançou com as roupas do varal um rock’n’roll amalucado e quando cansou deixou irem-se pra além das nuvens vestir os anjos, e, invejosa, a doida ventania levou embora a moça linda que passeava com o namorado que, coitado, mal teve tempo de despedir-se. Só as crianças que sem medo de nada, acompanhavam-lhe, rindo, deliciadas, a loucura desavisada e subiam em suas asas, pegavam carona no seu pé...
Após a sua passagem, o choro e o lamento que a sucedeu, faziam contraste com a estranha alegria da meninada, que acorreu, descabelada, ao chamado do repórter a posar para uma foto...e entre as ruínas de uma casa desolada, destruída pela passagem da vil ventania, eternizou-se um momento feliz estampado nos sorrisos e olhos infantis.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

SEMPRE O MAR



para Clarice


Eu, Clarice, em minha infância nunca morei perto do mar, nem mesmo perto de rio, embora tenha nascido e viva ainda em uma cidade banhada pela água doce. Apenas no começo da idade adulta foi que, enfim, cheguei perto de água salgada, o mar. Minha irmã mais nova estava com problemas e meu pai resolveu que seria melhor para todos mudarmos para o Rio de Janeiro e o que era para ser definitivo, acabou durando apenas três meses; três meses, diga-se de passagem, muito bem aproveitados.
Para mim, os dias passados na Cidade Maravilhosa, querida Clarice, que te foi tão familiar, foram dias inesquecíveis, em que pude conhecer melhor a cidade, (já estivera lá uma vez antes) e mais ainda a mim mesma. Como morávamos em Copacabana, o mar estava logo ali, praticamente batendo à porta de nosso apartamento, ao alcance da mão, ou dos pés, ou do pensamento...
Pela praia, costumava passear, à tarde, fizesse tempo claro ou cinzento, raras vezes indo de manhã. De manhãzinha, ainda escuro, só levantei em São Pedro da Serra, aonde fui com Vitória, uma amiga querida, e lá vi o sol nascer, quentinho, espantando o frio da noite anterior para longe. O coração, naquele tempo, sempre estava palpitante, batendo, ansioso pelas novas amizades e belos lugares, mas aos saltos mesmo só ficou ao conhecer o Marcos; mas a história com ele nem começou então... deixemos pra lá...
Eu também, como o teu pai Clarice, acredito em curas de banho de mar, mas, como não sabia nadar (ainda não sei) temia me aproximar muito da água e assim ficava, na segurança da praia, sentada na areia, lendo algum livro, olhando as pessoas ou apreciando o vaivém das ondas, vez por outra, molhando apenas os pés ou as mãos.
Entretanto, uma vez, fiquei tão hipnotizada, apreciando uma onda elevar-se que não consegui sair do lugar e levei um tremendo banho...e foi assim que tomei meu primeiro e único banho de mar.
Ao chegar ao apartamento não me lavei de imediato, pois ainda sentia o impacto da onda sobre mim e não queria tirar aquela sensação. Tinha sido bom...Acho que me curei de alguma coisa, o quê, precisamente, não o sei te dizer.
Minha irmã, o pivô da mudança, tomou muitos banhos de mar, mas, creio que o efeito ela só está sentindo agora, depois de tantos anos...Bem, "antes tarde do que nunca"...curar-se é sempre recomendável, seja lá do que for...
Adorava o pôr do sol. Tem quem não goste, acreditas? Hora mágica em que “abre-se a fresta entre os mundos”, como dizia o escritor Carlos Castañeda; ainda acredito nisso, piamente.
Por esse tempo andava muito a pé, chegando a ir, sozinha, até o Arpoador. Copacabana, para mim, era um mundo aparte, cheio de coisas e pessoas interessantes. Andava de ônibus também, mas só até o Flamengo, porém, a viagem era sempre "a viagem".
Minha vida, nesses três meses, girou em torno de uns três ou quatro bairros da Zona sul, do mar e de São Pedro da Serra. De deslumbramento me ficou somente o sonho do qual não queria acordar. O apartamento, as tardes, as viagens até São Pedro, o rock ‘n’roll e o cheiro do mar. Saiba Clarice que eu, ao contrário de você, forço a exaustão, a minha capacidade de ser feliz, que em realidade, nunca se me revelou por inteira...
Nessa aventura familiar não demoramos o bastante. Por fim, tomamos o avião e voltamos para casa. Desde então, minha casa, minha rua, minha cidade, minha vida adquiriram vários tons; tons que, em alguns contornos desse desenho que vou traçando da vida, estão tão coloridos que chegam a ferir os olhos tal a vivacidade mas, em outras partes, já se encontram desbotados ou quase apagados, lentamente desaparecendo como as pessoas, que, como tu, aqui na terra, já cumpriram o seu tempo e a sua missão.
Poucos anos depois de nosso retorno, meu pai morreu, e, agora, mais recentemente, o amor de minha vida e quase ao mesmo tempo a amiga querida , Vitória, que naqueles dias de deliciosa embriaguez recebeu-me e cuidou-me com desvelo. Ela, tão gentil, morreu num acidente de carro, na descida da mesma Serra que percorrera tantas vezes de cima abaixo.
E eu...Ainda ouço o mar. Ele está sempre aqui e não há banho de rio, de chuva ou de chuveiro que o tire de dentro de mim.
Clarice, também não sei a quem devo pedir para que em minha vida se repita a felicidade, a quem devo pedir bis? Talvez o Grande Regente dessa orquestra maravilhosa chamada vida tenha decidido que eu já recebi, servida em uma taça de prata, a minha devida dosagem e que seria muita imprudência ficar embriagada, seria muita imprudência e puro egoísmo ser por demais feliz.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

COLÓQUIO AMOROSO

Layla e Majnun


Quem sou eu?
Um ponto brilhante no céu
Quem és tu?
Minha preciosa lua
Olhamo-nos
Frente a frente
Tu e eu
E nada mais pudemos dizer um ao outro
Como um só corpo
Fundimo-nos à paisagem
Claro escuro céu
De onde despenca a tristeza e a alegria
Onde nasce a poesia
E para onde retornam os seres
Formados da branca gota de espuma do mar
E de nosso colóquio silencioso
Em que as palavras temeram penetrar
Em que as estações não ousaram mudar
Surgiram histórias e lendas
Espalhadas pelo mundo por uma revoada de anjos

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

FEDELI D'AMORE



Tu que és o meu sol
derrete minhas dores
Tu que és a minha lua
devolve minha alegria

Como um sonho a vida passa
Como um sonho tudo acaba
De olhos fechados
recebo eu teu abraço

De teu formoso rosto amada
levo sempre a lembrança
Entro mudo calado saio
de um mundo de esperança

Entrego-me ao abandono
mas não me engano
sei que estás a me esperar
Rompo com o círculo do tempo
e no círculo do amor adentro

Bebo um vinho que me embriaga
Só não me deixa amada
Se a embriaguez logo não passa
cura-me com a presença de tua graça

E sobre meu peito dolorido e cansado
espalha tua longa e perfumada cabeleira
e com ela enxuga minhas lágrimas





domingo, 17 de agosto de 2008

CLARO MISTÉRIO

Jalal ud-Din Rumi


Há em tuas palavras amado poeta
O saber sutil e antigo que tanto eu persigo
Embora ainda enigmáticas, por vezes, soem-me elas aos ouvidos

Leio e repito tudo o que escreves
E no claro mistério de teu pensar deixo-me levar
E perdido, em desalento, posto que não entendo
Guardo para mim o que não ouso perguntar

Mas em horas mortas, tardias, das noites insones
Tuas palavras ao meu ser cansado retornam e lá ficam a ecoar
E como que por um raio
atingido torna-se nítido o que outrora
julgara escondido...
O conhecimento inspirado, compreensível, através de ti e de mim,
para sempre vivo...

"É DOCE MORRER NO MAR"


“É doce morrer no mar...”
E foi para o mar o último olhar...

A rede a balançar ao vento na varanda...

Discreto esse poeta...
que descansou para sempre admirando 

o vai e vem das ondas...

***

Um floco de neve
Uma gota de chuva
Uma manhã de orvalho
Tudo se desfaz
Ao toque do sol




sábado, 16 de agosto de 2008

SABER ENVELHECER?!



SABER ENVELHECER?!


Em uma foto o tempo pára. Vi hoje uma foto minha, há muito esquecida, mas que um amigo resolveu retirar do baú...Lá estava eu, aos vinte e poucos anos...entretanto, só soube que eu era eu por que reconheci o vestido colorido de mangas compridas, que passou de irmã para irmã, em ordem ascendente, da mais nova para a mais velha, no caso, eu, e durou anos...é...cheguei a usá-lo bastante no tempo de minha primeira gravidez...“antigamente”, como diria minha mãe, se faziam roupas de verdade, “boas”, duráveis, que atravessavam por vezes, gerações. Mas, sim...voltando a mim, já que sou eu o assunto, “a bola da vez”, assustei-me ao ver-me tão jovem ainda no retrato ou assim me pareceu. Minha mãe, filha, irmãs e sobrinha, a quem mostrei a foto, não sei se por gentileza e consideração, disseram que pouco ou nada mudei...bom...se pouco, nada, ou quase nada mudei isso quer dizer que sou como sempre fui? Uma jovem/velha/jovem senhora? Quem sabe...Um namorado meu me disse um dia que já capturava isso em mim... quer dizer, esse estado alternado de velhice/juventude permanente...Então, seguindo a linha de pensamento: mesmo jovem era velha...agora, mesmo não sendo totalmente velha pareço jovem? É um tanto confuso, mas não deixa de ser interessante...Realmente “a beleza está nos olhos de quem a vê”...Quando jovem, bonita no senso comum da palavra, nunca fui (tive lá meu charme que, graças a Deus, ainda tenho, vivo, passando bem e funcionando melhor que antes) e agora que passei da meia-idade é lógico que não posso estar como fora aos vinte anos; é claro que mudei...literalmente, está na cara, vejo tal mudança todo dia diante do espelho e olha que gosto de mim. Há gente que tem verdadeiro horror à velhice...o poeta Paulo Leminski nunca aspirou à envelhecer...mas há velhos lindos, como o ator britânico Sir Sean Connery...Eu, como o poeta Paulo Leminski também nunca aspirei à velhice, mas talvez eu chegue lá, dessa forma vou procurando um jeito de estar em paz comigo mesma.Tenho conseguido...acho que estou reagindo sem sustos à passagem do tempo e o tempo também tem sido generoso para comigo - afora algumas “burradas” que cometemos nestes verdes anos em que mal sabemos quem ou o quê somos (alguns de nós jamais descobrem) que, se fosse me dada a chance de consertar, certamente que faria tudo igual outra vez, posto que sabedoria, discernimento mesmo que não seja uma prerrogativa da velhice, na juventude, é quase inexistente; inconseqüentes é o que somos...não conseguimos enxergar a “um palmo diante do nariz” - não tenho do que me queixar ou arrepender... tive uma juventude boa, saudável, amante dos livros e de perseguir o impossível...não fui dada a grandes aventuras, pois não era de minha natureza, que sempre pendeu para a calma e a contemplação, porém não sou, não posso, e nem quero mais ser a jovem de vinte e poucos anos do retrato, gosto de como tenho conduzido minha vida até agora, embora, não negue, seja meio assustador esse processo de dizer adeus “aos doces e verdes anos”. Só uma coisa permanece igual, algo que pode ser definido como sentimento: a estranheza a mim mesma...mas sempre pelo lado de fora...não porque não sei quem seja, mas sim porque o espírito que habita em mim, que conheço bem, no fundo, anseia fugir pra longe...
Aos 44, mulher feita, faço ainda o que fazia aos vinte, o que fazia aos quinze: Acordo e me olho no espelho.. e, novamente pouco me reconheço...a pele não me cabe, nunca me coube...ora está apertada, ora manchada, ora frouxa, ora amarrotada...“Olá estranha”...Ontem, a juventude/velha/juventude...hoje a juventude/velha/juventude, mas a maturidade mental e física está bem à vista, está no pensar, está no falar, está no olhar, está no corpo, em todo lugar...Pelo lado de fora, apenas pelo lado de fora, me sinto como aquele vestido colorido, de mangas compridas que durante anos me acompanhou mas, que lentamente, envelheceu, perdeu a cor, descosturou, apesar dos alinhaves e do reforço à costura...

LONGE DE TI NADA SOU NADA POSSO



Nas contas gastas de um rosário
Vai minha alma em aflição
Quisera pudesse eu cumprir a promessa
De jamais desviar os olhos de Tua face...


Ai...mas, quem sou...apenas um pobre coitado
vestido de andrajos, que deixa-se vencer pelo cansaço.

Um infiel, descumpridor da palavra
Abominável adorador do fogo
Frágil e ignóbil criatura de barro e água
que mal sabe dizer as orações de cor aprendidas
dos passados dias da infância.

Perdido me encontro por entre os tormentos e as infâmias
deste mundo e assim, com o coração destroçado
volto a prometer o que não hei de cumprir
Extrema ousadia de minha parte, mas viver não quero, nem posso,
longe de Ti...

Eu sou o pó que o vento na estrada levanta por piedade
E por piedade em Tua direção me leva...
Sou eu o pó de volta ao pó
do caminho por onde passas e que por graça ou desgraça recobre a terra

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

CAIXA CHINESA



Uma poesia dentro de uma poesia
É como uma caixa dentro de uma outra caixa
É como a beleza no espelho refletida
Espelho de vidro espelho de água

Atirei uma pedra, o vidro partiu-se a água, em círculos, tremeu

Pedaços de vidro gotículas de água...
Beleza dividida em mil pedaços repartida
A caixa que contêm outra caixa abriu-se
Da caixa prisioneira salta um palhaço triste




quinta-feira, 14 de agosto de 2008

CLARICE


Clarice? O que dizer de Clarice? Mulher sábia, sensível, incrível, profunda e sucinta até naquelas questões menos, ou que assim nos parecem, relevantes, e com quê simplicidade...! Através do seu pensar, do pensar claro e original de Clarice, descobri a minha própria forma de pensar e expor tal pensamento. Clarice me ajuda bastante...continuamente ela faz dar-me conta de meu mundo interior e da necessidade, sempre, de iluminá-lo, e, às vezes, reformá-lo, da única forma de que me julgo capaz, ou seja, escrevendo.
Nós, mulheres, de um modo geral, somos um pouco Clarice, com seus mistérios, suas descobertas, seus amores, enfim...Claro, nem todas nós conseguimos dar vida aos nossos doces / amargos tormentos / encantos com a mesma classe ou habilidade, já que Clarice Lispector só houve e haverá uma, que, além de fazer obra de arte com as palavras fazia obra de arte de si mesma com a intensa perplexidade do ser humano que se descobre totalmente Humano mas que reconhece, ao mesmo tempo, com prudência e humildade, que ainda tem muito a aprender / viver. Clarice era assim. Quisera eu ter em mim a mesma capacidade de compreensão que eleva alguns seres a esferas superiores ainda em vida e que não precisam buscar nada do lado de fora, pois o Deus em que acreditam está todo Ele, em sua perfeição, contido dentro de si.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

OS SEIS PREGUIÇOSOS DA MOITA DE BAMBU



Os seis preguiçosos da moita de bambu[1]
deitam e rolam, aproveitando o dia...
Despedem-se do sol que se põe e saúdam a lua que surge...
Debaixo de um céu estrelado, embriagados pelo vinho,
lançam poesias ao vento...
Suas vidas passam como um rio tranqüilo
levando em suas águas as flores de cerejeira.


[1] Os seis preguiçosos da moita de bambu faziam parte de um grupo de poetas chineses que levavam a vida muito despreocupadamente, deixando que a audição ou recitação de suas poesias e cantos lhes trouxessem o pão incerto de cada dia. (Nossa Herança Oriental, Will Durant, Editora Record)

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O DERVIXE


No meu céu sem estrelas
Não brilha o sol
Não surge a lua
A noite é sempre escura

Eu choro o tempo todo
Por dentro de mim
Eu chovo o tempo todo
Por fora de mim
Choro e chovo
Por dentro de mim
Chovo e choro
Por fora de mim
Por fora e por dentro
Por dentro e por fora
Rio de lágrimas que se forma e
Escorre da nascente dos olhos
E passa correndo ao longo de mim

Homem/mulher/rio...
O frio me consome
Assim como as noites insones
E as saudades e os amores sem fim

Carpideira solidária
Às dores alheias
Vou entre lamentos e cantos
Misturar-me aos desabrigados
Da sorte, servir de escudo
Ao guerreiro deixado a morte

Sob o meu céu inacabado
Ao longo das eras
Lanço a sorte por terra
Num jogo de dados viciados
Ou num baralho de cartas marcadas
Serei eu rei de ouros ou de espadas, de paus ou de copas?
Rainha senhora dama louca de um mundo inventado?
Ás, “joker”, coringa, tolo, idiota
De um reino maravilhoso e distante

Vou...rumo ao desconhecido
Com a cabeça latejando...
Sem um instante de descanso
A solidão me serve de manto

Vou...em silêncio, ao abandono do tempo que não passa
Ao sabor das horas amargas
A escuridão é minha única morada
Por enquanto...
Em círculos, por esse mundo vou girando...

CREPÚSCULO


CREPÚSCULO


Na casa em frente, há muito desabitada, voltou a morar alguém. Alguém que, em todas as tardes, perturba o silêncio do crepúsculo com os acordes altos de uma guitarra. E eu, que desistira da música, vejo-me tentado a levantar, bater-lhe a porta e conhecer o estranho músico, afinal a casa fica a menos de cinco passos da minha. Mas, logo cedo a vontade de resignar-me, e sentado perto da janela, ouço até o fim a explosão majestosa de talento do desconhecido vizinho, que todas as tardes perturba o silêncio de minha alma com os altos acordes de uma guitarra.
Numa das vezes em que o escutava, sentei-me ao piano que ficava junto à janela, e desde aquele dia foi assim, todas as tardes, durante um longo tempo.
Ele, um estranho para mim, tocando sua guitarra atrás de uma porta fechada e eu, um estranho para ele, - talvez, na verdade, eu pouco lhe importasse - tocando meu piano perto da janela aberta, enquanto o crepúsculo, perturbado em seu silêncio pelo som dos instrumentos, abraçava as notas musicais que vagavam pelo ar.
Um dia, antes do entardecer, ele, o estranho, bateu-me à porta; reconheci-o prontamente, pois fizera bastante sucesso e agora andava um pouco esquecido. Ele também me reconheceu um músico promissor e desistente. Olhamo-nos sem espanto, cúmplices no abandono de velhos sonhos e na busca incessante de uma nova composição para nossas vidas, éramos um.
Estendendo-me a mão, entregou-me um disco gravado com a música tocada ao entardecer e sem nada dizer-me, já que conhecíamos o quanto em certos momentos eram as palavras totalmente irrelevantes, acenou-me um adeus e entrou de volta a casa, fechando a porta atrás de si.
No silêncio que se seguiu nas tardes calmas, descobri que ele partira, e a casa, de novo desabitada, era como que um prolongamento de nossa canção.
Por trás da porta fechada, a eternidade dançava uma canção feita de vida. De minha janela, sempre aberta, vi o crepúsculo descer suavemente. Em paz, com a alma quieta, escutei a canção do silêncio.





Do livro MORONETÁ-Crônicas Manauaras; Virgínia Allan; Editora Valer





segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O LEGADO DO MOURO



Deixarei o meu castelo
À mercê dos ignorantes
Dos destruidores da beleza
Dos dispersadores de estrelas
Aqui, onde a verdade fez morada
quase nada continuará como antes...

Parto... Mas na fonte ainda jorrará
A água cantante
No jardim sorrirão as flores
Voarão os pássaros
E a lua, branca, meditativa, silenciosa,
se refletirá nos vitrais coloridos das janelas

Por detrás do reposteiro
Do quarto que já não mais me pertence
Há uma tênue luz que não se apaga
Ela encantará os momentos
De quem agora nele há de repousar

Espero que pouco caso não façam
Do legado do estranho
Que mais que tudo almejou
A perfeição e entre tantos escombros
Lágrimas e descaminhos
Ficou só e derrotado
Posto que apegado ao que deveria deixar

Sim...Chegada é a hora de partir
Irei a passos lentos, rei destronado, deixar o meu castelo
Desabitado de mim, minha herança, sem mistérios,
Aos que logo haverão de vir...

Firme na sela de meu cavalo,
Seguirei em frente, solitário,
por uma estrada reta longa e iluminada...
De volta para casa, lá no país distante
Onde para sempre brilhará o sol






VELHO AO LUAR

Um velho sentado cismava ao luar
E os raios da lua a branca cabeça lhe afagavam.
Pernas cruzadas, mão na fronte e bengala...
Bela estátua prateada, moldada nas oficinas da noite  
 feita de sonho e mansidão...
Só silêncio e solidão...

domingo, 10 de agosto de 2008

CHEIRO BOM DE CAFÉ



Um cheiro bom de café invade o ar. Vem da cozinha onde minha mãe o prepara em silêncio.
O perfume traz de volta a imagem de meu pai, cantando, se embalando na cadeira, enquanto espera a deliciosa bebida ficar pronta.
Sem me aperceber, repito os mesmos gestos e hábitos de meu pai, e também me sento em sua macia cadeira de balanço e espero! Mas eu não canto. Apenas recordo.
Quando era criança, bem perto de nossa casa havia um moinho, de onde todas as tardes, partia o cheiro bom do café torrado. O forte aroma tomava conta do bairro, mas ninguém reclamava; antes o contrário; de todos os lados, ouviam-se expressões de louvor.
Quem sabe naquele tempo, alguém, assim como eu agora, meditasse sobre antigas recordações, sentado em alguma velha cadeira, ou, então debruçado à janela, vendo a fumaça escapar pela chaminé do moinho somente para desvanecer-se com os sonhos no crepúsculo das tardes e das idades.
Se minha filha pudesse ter visto esta tênue nuvem de fumaça e tivesse sentido o seu aroma, diria que o moinho era a caverna encantada de um dragão bonzinho.
Deixo de lado, por um momento, as reflexões e levanto-me para tomar o café que minha mãe servira à mesa. Olho para o familiar e escuro liquido como quem olha para um amigo e, nesse momento, a porta que se fecha sobre o mistério da vida, abre-se, dando passagem para que meu espírito possa entrar e sair refeito.
Sou novamente aquela garotinha que esperava ansiosamente pelo entardecer para sentar-se junto ao seu pai.
Sou ainda uma jovem mãe, que cultiva e colhe flores raras no jardim de seu coração para ofertá-las antes que murchem.
Sou meu pai, repetindo nos mesmos gestos e hábitos, a fugaz alegria de compartilhar com sua filha o prazer de um mundo único, como se há muito tempo ele tivesse chegado trazendo nas mãos um valioso presente: “Toma! Procurei por todos os lugares as maravilhas do mundo. Achei-as, escondidas dentro de pequenos grãos; querendo te ofertar uma eterna lembrança, torrei-os, transformando-os em uma bebida amarga e, apesar disso, deliciosa. Bebe e terás o mundo como herança!”
E eis que de suas mãos recebesse o mundo, não redondo e azul feito uma bola, mas dourado e preto na forma bonita e misteriosa de uma xícara de café.

sábado, 9 de agosto de 2008

A PARÁBOLA DOS FILHOS COBIÇOSOS [1]



por Virgínia Allan

Este conto de origem sufi, é bem conhecido e nas palavras de Idries Shah, enfatiza a afirmação de que é possível alguém desenvolver certas faculdades à revelia de seus próprios esforços para desenvolver outras. Tal como acontece na história acontece o mesmo ao ensinamento sobre as formas de entender o destino e o significado da vida. Vejamos: Levemos em conta que alguém mais experiente, alguém assim como um professor, ao deparar-se com a impaciência, a confusão e ansiedade de seus pupilos, sabiamente, irá direcioná-los para uma tarefa que ele bem sabe lhes será benéfica e instrutiva, mas, cuja verdadeira função e objetivo, por causa da total inexperiência deles, frequentemente lhes permanecerá oculto. Ao longo do tempo, A PARÁBOLA DOS FILHOS COBIÇOSOS foi publicada e divulgada por gente como, apenas a título de exemplo, o frade Roger Bacon, que ensinava em Oxford, de onde foi afastado por ordem do Papa, e pelo químico Boehaave (séc. XII).
A última versão conhecida desta história é atribuída a Hasan de Basra que viveu há doze séculos atrás.


**********

Da janela de sua humilde casa, o velho lavrador aspirou o doce perfume que vinha do campo. Árvores carregadas de frutos estendiam sua sombra generosamente e flores alegres e coloridas, enfeitavam o percurso de um longo caminho. O vinhedo, que era a menina de seus olhos, enchia-o de ternura e encanto. A primavera chegara cheia de novidades, como sempre, trazendo felicidade com a renovação da vida.
Cansado, soltou um profundo suspiro e voltou para sua cama. Estava muito doente. Pensou no quanto era bela aquela estação, bela para tudo; bela para viver e bela também para morrer. Sim, a morte andava por perto, perto demais...!
O velho lavrador; homem generoso e trabalhador, estava preocupado e com toda razão. Seus sete filhos, apesar de venderem saúde, eram todos, sem nenhuma exceção, preguiçosos, cobiçosos e briguentos. O velho, com toda razão, temia pelo futuro de suas crianças. Que seria deles, sem os seus conselhos e a sua presença constante? Precisava urgentemente encontrar uma solução.
Consultou o seu coração e depois de um tempo, pressentindo que finalmente havia chegado a sua hora, chamou-os ao pé de si e falou-lhes que se cavassem em certo lugar, encontrariam um maravilhoso tesouro.
Movidos pela ambição, os rapazes enterraram, às pressas o velho pai e em seguida, munidos de pás e enxadas, acorreram ansiosamente ao campo.
Entretanto, após o escavarem de ponta a ponta, nada encontraram e decepcionados, tomaram o rumo de casa.
Na manhã seguinte, os irmãos se levantaram cedo e prosseguiram nas buscas, mas o resultado foi igual ao do dia anterior, e assim aconteceu de novo no outro dia, no outro e no outro, até cansarem-se completamente. Concluíram que, por ser o pai um homem bondoso houvera repartido o dito tesouro com os mais necessitados. Porém, apesar da decepção, os rapazes habituaram-se a cuidar do campo, principalmente do vinhedo. Tanto era assim, que já nem brigavam mais. Plantaram novas sementes e continuaram em sua labuta, seguindo sempre o curso das estações. A prosperidade, então, veio bater-lhes à porta.
Um dia, ao olharem para o extenso campo cultivado, assim como o formoso vinhedo, cheio de uvas belas e maduras, foi que então os irmãos perceberam o sábio artifício usado por seu velho e generoso pai.
A história de um tesouro escondido foi uma forma de os disciplinarem e transformá-los em homens honestos e satisfeitos de sua condição. Agora possuíam riqueza suficiente e compreenderam afinal, onde se encontrava o verdadeiro tesouro.

[1] Idries Shah; História dos Dervixes; 1976; Editora Nova Fronteira.


sexta-feira, 8 de agosto de 2008



Pedaços de sol e de lua em uma janela toda azul, salpicada de estrelas...

***

A criança, no colo da mãe, tenta alcançar a lua...

***

Dentro do quarto, brilha a luz da manhã nos cabelos de Luisa.

***

Luisa, suave brisa, luz que ilumina a minha triste sina...

***

AnnaClaraLuaClaraAnnaClara...

***

Anna Clara clareou o escuro e ocupou os espaços vazios

***

Dia cinzento. Cadeiras vazias. Silêncio no jardim...

***

Verão! Canta a cigarra no tronco da seringueira...

***

Na superfície da água, um pequeno arco-íris. Desejo de paz na tarde que se aproxima.

***

O beija-flor giraosol
Girandoaosol o beija-flor
beijaflor

***Colar partido
Esparramadas pelo chão
Um punhado de pequeninas
Contas

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

BLUE IN GREEN

para Miles Davis

Paixão
Blue in greenSó em mim
Verdes clarões azulados
Acendem e apagam
Giram dançam vão e voltam
Numa dança louca e sem fim
Paixão
Blue in greenSó em mim

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O CAVALO DE JOSÉ [1]



Nos estábulos da fazenda de José, há um cavalo raro de extrema beleza! Todos tentam montá-lo, mas, quem é que pode? Marcos, o irmão de José, foi ao chão numa dessas tentativas. Apenas José consegue subjugá-lo e corre com ele, na velocidade do raio, pelos pastos e campinas.
Para as crianças das redondezas o cavalo é mágico; para elas, ele veio do espaço, trazendo em seu pêlo pedaços do dia e da noite. Uma mancha escura aqui, e ali uma luminosidade de estrelas. A cauda é tão longa e brilhante, que até parece o cabelo da menina mais bonita. Nada há no Universo, por mais belo que seja, que ouse fazer-lhe comparação. Cada pata; tem por ferradura, a dourada lua nova; e mesmo a pedra mais dura, não resiste à força de seus golpes.
Este animal extraordinário gosta de brincar saltando as barreiras do tempo. Sim, para as crianças, o cavalo é mágico, pois quando ele passa, correndo na velocidade do raio, levantando poeira, uma manada corre atrás, levando crianças em seus dorsos, cruzando os espaços, nas pegadas do cavalo de José.

[1] Baseado em Jami; El Caballo de José; Destellos de Luz; Editorial SUFI; por Virgínia Allan

terça-feira, 5 de agosto de 2008

TOCA SIM...MY BABY


Toca sim, meu bem, um blues daqueles...amargo, sofrido, emotivo...um blues antigo que pareça surgir do nada, mas que nasce do fundo da alma machucada...Um blues sentimento, puro tormento, que passeie nas ruas, invada as casas...desarrume a sala...
Toca sim, rapaz, um blues celeste que se junte às preces das mães eternamente de mãos postas, cuidadosas e das senhoras carolas, tão caridosas...Um blues matreiro, sorrateiro que deite o olhar prazeroso, para a moça festeira e à mulher de corpo escultural, sensual, fatal, cheiroso, maliciosamente gostoso...Enfim, neném, toca sim, um blues daqueles...um blues bem “blues”...que de tão triste faça rolar a lágrima do olho...Um blues azul, mágico, irmão, que de tão estranho devolva ao poeta a inspiração...Que acorde nas crianças, para sempre, a alegria e que dê ao homem comum um justo, bom e belo motivo para ainda estar vivo...
Toca, sim, meu bem...my baby...um blues daqueles...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

GATA BRANCA EM DESCANSO


Quieta ela estava, toda enrolada,
bola de pêlo, branca e sossegada
na cadeira de embalo do vovô
Quieta estava...
muito mansa...
a aproveitar o descanso...
nada a perturbava...
nem o lento, monótono, vai e vem
da cadeira de balanço...
fingia dormir, a gata manhosa...
de vez em quando, pondo os olhos a passear
pela sala silenciosa
mas, de súbito, pela janela aberta, entra,
voando, descuidada, uma jeitosa
radiante libélula
vem lá, a pobrezinha, em hora marcada,
de encontro à morte anunciada...
incauta, pousa ela ao pé da escada, depois,
voa, para o alto da porta...
nada repara em sua viagem
vai em zig-zag pelo espaço
sem dar-se conta do perigo à espreita...
o som do bater de asas
acorda quem já não dormia...estica-se, espreguiça-se...
e num salto ágil, eis a bichinha, presa,
entre as patas da gatinha, que, sem pressa
a brincar, a pega e solta e torna a pegar...

domingo, 3 de agosto de 2008

"PASSA,PASSA, GAVIÃO"...



E as belas palavras ditas ficaram em um canto...esquecidas...esmaecidas...e agora...desfeitas...amontoadas...embaralhadas...não mais significavam nada...“conversa mole pra boi dormir”..."boi...boi...boi...boi da cara preta... "viu no que deu? foi ouvir e responder ao canto da sereia que a paixão arrefeceu... num piscar de olhos...num instante...quem entendeu? Só ele...o “bicho-papão” bom de papo...que resolveu sair do armário...querendo fazer jus a fama deitou-se na cama e fingiu-se de príncipe...sapo...encantado...e que sapo?! Nem mesmo era nada...e o sentimento...?! calculado...dissimulado...frio...escorregadio...por um fio...sem definição...curtição... empolgação...nem amizade...descolorida...descabida...fugidia....sem luz do dia...ou no fim do túnel...apenas papo furado...um sintoma da falta do que fazer...dele...é claro...“oficina vazia”...simples assim...para ela tal sedução...não passou de armação...judiação...um gesto...inconseqüente...indecente...maldade premeditada...braba...de quem desejava um súbito...agitado...movimento...para o seu monótono...melancólico...tedioso...precário viver...sonambúlico...medonho...Depois de tudo... ele... pessoa nefasta...sem qualquer pretexto...respeito...voltou-se para si mesmo...nenhum assombro...mais importante que tudo junto...ele...único...umbigo do mundo...tão envolvido...apenas por seus próprios silêncios...dilemas...pensamentos...problemas... tormentos...interesses...deveres...afetos...desafetos...que tanto fez...tanto faz...nada lhe apraz...“se oriente, rapaz”...que pena...mas...tenha dó...processos mentais...superficiais...triviais..aborrecidos....mundanos...birra de menino tolo...querendo doce...total falta...de jeito...de tato...de quem aparentava ter tanto...encanto... sensibilidade...a mais...deixe estar meu bem...conta-se nos dedos...as promessas...feitas nas horas incertas...por isso...jamais cumpridas...p...da vida...esperavas o quê...guria...? Justiça se há de fazer...mas...bem que mereceste...tonta...amor de verdade...não sabes? é raro demais entre os seres...humanos(?!)...quando irás aprender....? é tarde?...“caiu na rede é...”? Fábula...um conto de fadas...? farpas...? carpas...? Era uma vez...vejam vocês...uma solitária..."pombinha branca...o que estás fazendo?"...cuidado...o laço está armado...estás com fome...avezinha...diz a grande...imponente...ave de rapina...à sofrida pombinha...que de ingênua não tem nada...mas padece de compulsão por ilusão...faminta...de amor...ardente...urgente...amigo...irmão...paixão...e calha sempre de dar ouvidos ao caçador espertalhão...que nunca pensa que é caça, não..."toma esse anelzinho, meu bem, e não digas nada a ninguém"... o que é que tens amiguinha...coitadinha...toma cá essas migalhas... não há de ser nada...diz o bonitão...indolente...insolente...gavião...toma...que hoje estou de muito bom humor...são restos...farelos de amor...de verdade...coisa fina..cara...toma...vai... e vê lá... que estou a te fazer um favor...pega e come logo minha amada...e num repente a desnutrida...distraída...impulsiva...comovida pombinha...sem aflição...é engolida...mastigada...devorada...pelo voraz...“valentão” que então voa...pra bem longe...pro alto...no cume do monte...de volta a proteção do ninho...aparente...mente...arrumado...narcisista...mente...inconstante...mente...desconcertante...mente...inacessível...mente...dormente...mente...Ó...deixemos de lado essas falas...que adianta de fato...“chorar pelo leite derramado”...? Muito chato esses desabafos...deprimentes...mentes...delírios...de carência...afetiva...? efetivo...produtivo... é viver a vida...“viva e deixe viver”...fazer o quê? a fila anda...bacana...pra mim e pra você...tudo a ver...cadê o lobogrobobo que estava aqui?...o GATO...“mágico” de botas...comeu...e se refestelou..."ciranda...cirandinha...vamos todos cirandar...vamos dar a meia volta e meia vamos dar...o anel que tu me deste era vidro e se quebrou e o desamor, graças a Deus, que tu me tinhas era pouco e se acabou..."

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...