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sexta-feira, 6 de junho de 2008

MESTRE TATÁ E UMA HISTÓRIA DA FLORESTA

Conversa fiada, todos sabiam que era, mas não tinha um que não largasse, fosse lá o que estivesse fazendo, para ouvir o que mestre Tatá tinha a contar. Era só dar o ar de sua graça no antigo armazém, que logo aparecia diante dele como num passe de mágica, o copo de café com leite e um pratinho com tapioca salgada, pupunha e tucumã. Tudo muito limpo e arrumado, somente para contentar o velho contador de histórias.

Manhãzinha, sob o sol fresquinho, de paletó branco, chapéu e sapato fechado, vinha ele, muito elegante, apoiando sua bengala de marfim (resquício precioso de um passado de venturas) na rua sem calçamento. Chegava, recostava-se na cadeira, tirava o chapéu e calmamente fazia o desjejum.

O povo, atento a cada gesto, esperava, esperava... Todavia, se acaso ele se demorava na apreciação do repasto, alguém mais ansioso danava a falar e a fazer perguntas: “E aí, mestre Tatá? Tudo bem com o senhor? E dona Aurora? Os filhos, como é que vão? Com a misericórdia do Homem lá de cima hão de estar todos bem, não! Assim Ele queira. E, é claro que Ele quer, pois, gente boa igual ao senhor e dona Aurora não se encontra fácil, não. Mas, Mestre Tatá como é mesmo aquela história do encontro com o Curupira? Já forcei o pensamento, mas não teve jeito... Sabe como é, né?!... O tempo passa, põe prata nos cabelos e tudo fica escuro, confuso. Quero me alembrar para poder contar pros netos. O senhor nem imagina como aqueles guris gostam de ouvir uma história, e quanto mais atrevida, melhor”.

“Olhe, amigo Tonho, nem Curupira, nem Saci-Pererê”. Disse mestre Tatá, sorvendo uns goles do café com leite e tratando de descascar o tucumã. "Atrevido foi o Caipora com quem topei na última caçada que fiz, ainda nos meus tempos de moço, quando tinha forças nos braços e nas pernas e coragem para me embrenhar por dentro da floresta que conhecia como a palma de minha mão, melhor que muito mateiro... Passava dias e dias, caçando, colhendo frutos sem sentir falta de gente e sem temer assombração. 

Foi por essa época, que perdi o gosto de matar bicho; não por medo daquela coisinha ruim, é que acho covardia mesmo, mas nem sempre pensara assim e daquela vez, matei um macaco. O coitado parece que sabia que ia morrer. O bicho mexia as mãos; tapava os olhos, num gesto misto de defesa e pedido de comiseração. Daquela vez, fato do qual me arrependo até hoje; cedi aos maus instintos; mirei e atirei, ele caiu duro, estatelado no chão. Então, me aproximei e virei o bicho... Para minha surpresa, era uma macaca, que, ao pressentir o perigo; escondera a cria entre os arbustos que havia aos pés da árvore de samaúma. Não tivera tempo, a coitada, de subir e fugir com seu filhote para os galhos mais altos. 

Ao dar-me conta da insensatez de meu ato, afirmo e reafirmo, e não sinto vergonha disso, pus-me a chorar. O animalzinho indefeso pulou para cima de sua mãe, procurando animá-la a levantar-se, era de dar dó no coração e nó na garaganta. Porém percebendo que de nada adiantava, olhou-me, com uns olhos assim, graúdos e tristes, e, sem que eu esperasse, subiu para o meu colo. 

Penalizado, prometi diante do cadáver de sua mãe, cuja vida havia tirado sem quê nem pra quê, cuidar e amar o bichinho com o máximo de atenção e carinho. Não comi sua carne; enterrei-a como se enterrasse gente, como se enterrasse um amigo, com direito à oração e tudo. Podem até pensar que foi um despropósito, mas vocês hão de convir, que precisava aliviar a dor que me roía o coração.

Depois, segui com o macaquinho para acampar em outro rincão. Entretanto, o besta do Caipora não levou em consideração o meu arrependimento e naquela mesma noite o danado veio no meu rasto. Esse gênio da floresta é feio de doer, é um ser escuro, bem escurinho, rápido como uma onça, têm cabelo espetado, olhos em brasa e na boca, um pito...”

“Mas, aí, mestre Tatá, pelo que o senhor descreveu, era um Saci!”.

“E quem tem cabeleira hirta, é o Curupira”.

“Já falei que nem Saci nem Curupira! O Caipora é algo assim entre os dois... Como estava dizendo antes de ser interrompido...” (e nessas horas mestre Tatá fazia cara de muxoxo), “uma coisa que espanta Caipora é a claridade. Vixe...! quer ver ele correr? É só o caboco acender uma tocha ou fazer uma fogueira, que o 'corajoso' perde a coragem e não chega junto, não. Porém, azar o meu... desdenhara das artes dos índios de fazer fogo porque sempre carregava comigo, aonde quer que fosse, o meu lampião, mas, naquele fatídico dia, do qual, fique claro, me arrependo até hoje, esqueci-o ao pé da samaúma. Não tinha fumo e nem pinga, pois a sacola que carregava com todos os meus pertences, desaparecera como que por encanto. Acho que todos os seres da floresta haviam se juntado aquela noite só a fim de me punir. Assim, pensei eu, lá com os meus botões: ‘E agora? Caso perdido! O Caipora vai acabar comigo. Se eu sair daqui vivo, vou ficar panema1 até o fim de meus dias”.

O macaquinho também estava com medo. Assustado, se agarrava ao meu pescoço e guinchava baixinho. Foi aí, que de dentro da escuridão da mata, ouvi o barulho ensurdecedor das patas do caititu, correndo em disparada sob o estalo da vara de japecanga e eu, que sou homem de não se intimidar à toa, senti o sangue congelar nas veias ao ouvi-lo gritar: ‘Ahohó, ahohó, ahohó!...’

“Ah! Vai me desculpar outra vez mestre Tatá; mas quem monta porco do mato é Matintapirera”.

“Isso é que não! Quem monta porco do mato, grita deste jeito; agitando uma vara de japecanga 2 é o Curupira 3 e quer saber? Desde quando Caipora 4 passeia por estas bandas?”.

“Haja paciência! Ora, desde quando, desde quando? Desde sempre! Onde existe mato, existe Caipora, e já disse a vocês e vou tornar a dizer: nem Curupira nem Saci. Ca-i-po-ra, Caipora, que é algo assim entre os dois. De Matintapirera 5 não quero nem ouvir. Agora, se alguém tornar a confundir Caipora com Curupira e Saci 6; Saci com Curupira e Caipora; Curupira com Caipora e Saci; se, por causa disso, voltar a me interromper; vai levar uma sova de bengala”.

Diante das ameaças desaforadas, o povo se calava. Não porque temessem as bengaladas, mas sim porque aquela conversação era um ritual de todo dia, de toda semana, de todo mês, de todo ano. Aprendiam muito com mestre Tatá e seu jeito ranzinza. Eles o amavam, o respeitavam, davam ouvidos aos conselhos que passava em suas histórias, um jeito leve de dizer, que nesse mundo nada nem ninguém era perfeito e que mesmo assim ou apesar disso, era preciso fazer-se perfeito, era preciso anelar a perfeição. Então, sob o silêncio absoluto, onde nem as moscas ousavam fazer barulho, mestre Tatá, português com jeito de tapuio, de gestos rasgados e selvagens, próprios de quem sempre pertenceu a este chão, velho pajé abençoado, guardião dos segredos da magnífica tribo dos Manáo, dava prosseguimento ao assunto.

''A coisinha estava cada vez mais perto, a vara de japecanga, açoitando as árvores e ressuscitando os animais mortos. Num instante, a mata encheu-se de um mau cheiro terrível e, subitamente, por cima de minha cabeça, o caititu saltou com seu sinistro cavaleiro. Valei-me Deus! Arrepio-me só de lembrar! 

Invocando todos os santos assentei minha cabeça e meu coração, e pensei que o que funcionava com o Curupira podia funcionar com o Caipora. Assim, peguei um pedaço de cipó e rapidamente fiz um trançado, escondi-lhe as pontas e sem olhar, joguei-o para trás, daí gritei: ‘Caipora, Caipora se fores mesmo capaz, o trançado desfarás!' 

O desafio, não surtiu, à primeira instância, o efeito esperado. O Caipora voltou-se furioso em minha direção, disposto a me surrar. Ao estalo da vara, prontamente, pulei para trás e acoitei-me debaixo de um grosso tronco de árvore que havia tombado recentemente por causa das chuvas. O caititu, sem poder por freio à velocidade em que vinha, tropeçou no tronco, enterrando o focinho no lamaçal recente, jogando ao longe a feiosa e vingativa criatura. Ela caiu justo em cima do trançado e, curiosa, tomou-o em suas mãos. No mesmo instante esqueceu-se de mim, do macaquinho, dos seres da floresta e da sede de vingança. Enquanto se distraía, aproveitei e sumi, acertando o rumo de casa ao alvorecer. 

Sob os cuidados meus e de Aurora, o macaquinho cresceu, dócil e feliz. Mas, um dia, como de costume, fui buscá-lo para o nosso passeio matinal e ele lá, já não estava. Deixara o aconchego de sua casinha, especialmente construída, para subir nos galhos do abacateiro que havia no quintal. 

Considerávamos o abacateiro como um marco, uma divisa, que se interpunha entre nós e a floresta. Do abacateiro pra cá, havia a casa e a cidade com todos os seus afazeres e esquecimentos; do abacateiro pra lá, a floresta verde e infinita. E foi do alto da árvore que ele pode ver um mundo que ainda não conhecia. Havia vida interessante além do abacateiro...

Contemplou-me com aqueles mesmos olhos graúdos e tristes, que um dia fizeram dar-me conta do oceano de amor que carregava dentro de mim, e de como este sentimento assumia formas e atitudes diferentes; chegara o tempo de partir. Acenei-lhe um adeus e ele; como que entendendo o meu gesto, virou-se e timidamente pulou um galho adiante, logo depois pulou outro, outro, e mais outro... Esperei que seus guinchos de alegria desaparecessem nas profundezas da mata, confundindo-se a outros gritos, (quem sabe até aos do Caipora!) a outros ritmos, dando continuidade ao que fora, bruscamente, interrompido. Chegara, afinal, a minha redenção; Graças a Deus havia vida além do abacateiro; vida pulsante; verde e infinita. Graças a Deus, meu amigo descobrira que o mundo era grande; e ia além, muito além do pé de abacate. Nem sei por quanto tempo, fiquei debaixo do sol da manhã, só sei que saí somente quando a chuva começou a cair.

Sempre que contava aquela estória, a voz de mestre Tatá, tornava-se estranha e antiga; ecos de um mundo que não conheciam e que infelizmente não lhes era dado penetrar. Precisavam daquela veneranda e encanecida presença, para que tivessem acesso também a estes tesouros ocultos. Mas naquele dia, a voz do velho contador de histórias pareceu mais embargada, mais lenta, as palavras saiam como se pensadas pela língua, não pela mente. Mestre Tatá, não pertencia mais a este mundo. Há muito ele se fora, talvez levado pelo macaquinho, amigo inesquecível, de olhos graúdos e tristes.

Mestre Tatá levantou-se com dificuldade, com a ajuda de sua bengala de marfim, pôs o chapéu de volta à cabeça, despediu-se de todos e partiu. Foi seguindo pela rua sem calçamento, como fazia todos os dias, todas as semanas, todos os meses, todos os anos. Quando acabava de contar uma história, não tinha mais nada a dizer, nem a fazer, ela bastava por si.

Mestre Tatá, velho português, de jeito tapuio, de gestos rasgados e selvagens, próprios de quem sempre pertenceu a este chão; pajé abençoado, detentor dos segredos das tribos dos Manáos, morreu nessa noite; morreu dormindo, deitado na rede, iluminado pela luz do lampião, embalado pelas doces canções que tanto gostava de cantar.

Dona Aurora, amor de muitos anos, consorte querida, disse que um sorriso lhe passeava nos lábios, última travessura de sua alma de menino.

***

1 panema: azarado

2 japecanga: salsaparrilha. Planta cujas raízes são usadas como depurativo.

3 Curupira: De curu (menino) e pira (corpo). Corpo de menino. Também chamado de BORARÓ pelos índios Tukano do alto Rio Negro. Em 1560 já era mencionado pelo padre José de Anchieta. Considerado como um duende protetor da floresta, tem os pés virados para trás, afim, de confundir os caçadores fazendo com que se percam. Surge e aparece num abrir e piscar de olhos. Para que não lhe façam mal os povos da floresta costumavam deixar presentes (penas e flechas) pelo caminho.

4 Caipora: (Do tupi kaa’pora; morador do mato) Ser fantástico proveniente da mitologia tupi. Sua aparência varia conforme a região. Geralmente assume a forma de uma mulher unipede, que anda aos saltos, ou então, surge como uma criança de cabeça enorme ou ainda como um caboclinho encantado. Também pode ser um homem gigante, montado num porco do mato, ou com um pé só; redondo, seguido por um cachorro papa-mel. (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; NOVO DICIONARIO AURELIO da língua Portuguesa; 2ª Edição Revista e Ampliada; Editora Nova Fronteira).

5 Matintapirera ou Matintaperera; Vocábulo composto de duas palavras do idioma tupi. Mati (coisa pequena) e tapirêra (que mora em uma tapera) Pequena coruja agourenta (Stradelli), conhecida também por “rasga-mortalha”. Ave cuculídea (tapera naevia L.) de cor pardo-amarela (Câmara Cascudo). Ave trepadora; comedora de inseto; possui fama de descobridora de mananciais (Raimundo Moraes). Ave que tem por hábito colocar seus ovos em ninho feito por outros pássaros. Sin: saci, sem-fim e fenfém (Aurelião). Entidade do folclore, cheia de mistério (uma MAÍUA), correspondente ao Saci (Carlos Rocque). Walcyr Monteiro refere-se a uma história, recolhida em Inhangapi, em que a Matinta Perera era homem. Pássaro de canto agourento. (Altino Berthier Brasil; Amazônia Legendária; Poesanato; Arte e Cultura).

6 Saci-Pererê; Personagem do folclore, bastante popular. Tem apenas a perna esquerda e usa uma carapuça vermelha. Vive pitando um cachimbo. Assusta com muito gosto quem passeia pela floresta com má intenção. Dizem que protege os humanos de picadas de cobras e aranhas. Adora pregar peças e uma de suas brincadeiras prediletas é esconder-se num redemoinho ou fingir-se de vaga-lume para bisbilhotar a vida das pessoas. Dentro das casas, faz travessura que nem criança. À noite, monta num cavalo e corre com ele até o animal ficar cansado. 


quinta-feira, 5 de junho de 2008

COMO ADORMECER



Em noites de insônia inventei um modo de adormecer infantil em que me falo baixo e muitas vezes dá certo. É um pouco assim, se me lembro: “Retrogredi: sou uma criança pequena. Eu me deito e todos dormem comigo. Nada de mau pode acontecer. Tudo é bom e suave. A alma é eterna. Nunca ninguém morre. O prazer de ser criança é grande e doce. Deus se espalha pelo meu corpo: sua doçura é sentida como um paladar pelo corpo todo. Está bom, está bom. Deus me ilumina toda mas bem em penumbra para sua luz não me despertar. Sou uma criança: não tenho deveres só direitos. O prazer de estar viva é o de adormecer. Sinto esse viver lentíssimo como um sabor pelas pernas e pelos braços. Minha alma está enfim entregue. Nada mais tenho a entregar. Nada me segura mais: vou. Vou para a beatitude. A beatitude me guia e me leva pela mão. A beatitude em vida.

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

MAR ABSOLUTO

Espera! Pára um instante e ouve o que tenho a te dizer.

Para mim, falar de amor não é tão simples assim.


Meu coração está trancado, fechado, selado, por dentro e por fora.

Não tome por arrogância ou fuga esta minha explicação. Uma espécie de terror envolve a minha dor e não quero outra vez meter os pés pelas mãos.

Eis que a lua surgiu no céu e espero tornar-me uma lua ainda maior e seguir enfim o meu caminho, sem sobressaltos, sem peito apertado, sem pensamentos alegres ou sombrios. Uma vez só já me basta.

Uma lua maior que a lua que surge no céu, pretendo me tornar, livre de corpo e alma, a pairar, soberba e solitária, acima de outros mares. Meus olhos não hão de tornar a verter lágrimas amargas de rancor ou de saudade, já que os mares sob os quais pretendo pairar, não são desta terra, não pertencem a ela.

A paixão, o amor, ou seja lá o que for, quer tomar-me e lançar a longa e penosa busca por mim mesma no mar de lava em ebulição da incômoda incompreensão...

Desejo e não desejo acompanhar-te, para mim basta amar-te à distância, sem tormentos.

Serei como a lua que desponta no céu, talvez, uma lua ainda maior, porém, sem o lado escuro, oculto, tocada apenas pelo mar da tranqüilidade, pleno, sereno, único... absoluto.

terça-feira, 3 de junho de 2008

DIAS LONGOS... LONGOS DIAS...


Adormeci na fria varanda de uma casa que não era a minha e acordei para uma outra vida.
Dos sonhos sonhados poucos deles se realizaram, mas, isso é bom, pois significa que tenho mais sorte que a maioria...
Tive um amor, alguém que me abrigou em seu peito por algum tempo, porém, ele não suportou a angustia de viver em meio a dejetos e destroços de um mundo corrompido... Nem os acordes das canções arrancadas do seu instrumento tiveram o poder de o consolar, nem o amor foi mais forte que a dor.
Todo dia acordo, sozinha, na varanda fria, dessa casa que não é a minha, ergo a vista e só vejo a longevidade dos dias. Olho para trás e revejo a vida de outrora. A carga de lembranças ainda é muito sombria...
E as horas vão passando com a certeza de eternidade e a tristeza alegre da tarde que logo vira noite...
Verões de luzes, invernos de chuvas tanto faz... dias longos... longos dias!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

MEDITAÇÕES DE UM VAMPIRO


Luz e escuridão
Passos no chão
Olhos abertos
Ouvidos atentos
Desejos do coração...
Luz e escuridão
Passos e flores
no chão.

***

O morto-vivo andou por muitos caminhos,
até não saber mais para onde ir.
Céu e inferno entrelaçados, numa tiara mística,
arrebatam os devotos do bem e do mal.
Dentro do ser, a semente fugidia,
aguarda o excesso de luz se dissipar.

***

I

Em um vale abandonado por todos esquecido,
entre as ruínas de um castelo assombrado
medita um vampiro.
Imensa sombra, que do sol se oculta, ao longe escuta
a canção que vem do mar...
“Será alguma sereia também a se lamentar?!”
O vampiro suspira de desalento e solidão; só ele não chora,
de seu frio olhar, lágrimas não rolam.
Este sentimento de tristeza infinda não sabe de onde vem
e no fundo de sua mente procura uma resposta, porém,
ouve somente o eco das ondas do mar a bater nas rochas...
“Será algum navio a errar no mar bravio?!”
Lembra-se então de quando, ao ansiar pela luz, a treva se fundiu.
O vento bate nas janelas do castelo.
“Com que propósito, fui com a imortalidade amaldiçoado ?!
Apenas para espalhar a dor, o ódio e a morte e assim viver atormentado?!
O que estou a dizer... Viver não é bem a palavra certa... morto-vivo sou,
almejo o descanso eterno... Tantas perguntas, nenhuma resposta...
Amanhã, com uma estaca ao peito cravada, quiçá eu consiga a remissão...
(ah... mas a estaca dói tanto... é sacrifício demais para um velho coração)
então, melhor será esperar nascer o sol, daqui, do alto desta torre,
e eis que, uma vez, em cinzas transformado, meu espírito possa voar
em paz a busca de liberdade... Aí, talvez, quem sabe, aquele grande espelho,
há tempos pelo pó encoberto possa, enfim, refletir minha imagem”.

II
No alto de uma colina, num vale antigo,
existe um castelo em ruínas, onde habita um vampiro.
Quando o manto da noite cai e tudo envolve, trazendo paz e descanso aos homens,
no velho castelo o vampiro desperta e outra noite de tormentos recomeça.
Medita por entre os vazios aposentos o que o levou a tamanha solidão!
Eternamente condenado a vagar nas ruínas de um castelo assombrado.
Senhor de muitas formas, a nenhuma deseja mais.
Ladrão de almas, que de sangue necessita, tem horror a sua sina.
Está cansado de tanta imortalidade.
Lá fora os lobos uivam, chamando-o para a carnificina, mas hoje ele não vai...
O vampiro medita!

domingo, 1 de junho de 2008

MENINA, SOLIDÃO, SONHOS E BOLAS DE SABÃO


Fim de tarde. À porta de casa, a menina brinca com lindas e coloridas bolas de sabão. Hoje não há vento para levá-las para longe. Há só uma menina solitária e seu brinquedo predileto. Também há espaço, pássaros e árvores, mas o lugar é triste, a casa é triste, a tarde é triste. A solidão da menina me atinge profundamente.

As bolas, lindas e coloridas, partem, indiferentes. Iguais aos sonhos, algumas alcançam grandes alturas, subindo até o infinito; outras esbarram em folhas e galhos, espalhando para todo lado milhares de pequeninas bolhas; outras ainda se estatelam no chão, cumprindo assim, seu efêmero destino. 


Do livro MORONETÁ-Crõnicas Manauaras, Virgínia Allan, Editora Valer

sábado, 31 de maio de 2008

O REI E A DONZELA [1]


Um rei velho e cansado, apaixonado
Uma jovem bela e etérea, ainda donzela
Ela dança com a morte
A morte dança com ela
A morte rouba a donzela
Debaixo da língua, um segredo
Na mente ativa, a revelação
No fim da busca, o desassossego
No fim da busca, a distorção
Um rei velho e cansado, apaixonado,
Para sempre, extasiado, às margens de um lago.


*****

Conta-se que um dia, o rei Carlos Magno foi assaltado por uma súbita, desvairada e violenta paixão.
A dona de seu atormentado e descompassado coração era uma bela flor alemã, ainda donzela, e o rei, mesmo velho e cansado, apaixonado, por conta disso, vivia amargurado. Ninguém conseguia livrá-lo desse estranho sentimento.
O rei só estava feliz e sossegado se mergulhado nas profundezas dos claros olhos da amada, rosa branca, pálida ... Só estava feliz, se tocasse as loiras e perfumadas madeixas de sua longa cabeleira... Alheio a tudo, assim, se esquecia ele do reino, se esquecia ele de si, por inteiro.
Logo se preocuparam os notáveis barões da corte com a recente debilidade do soberano... o que seria do reino com um rei frágil, sem dignidade, imperfeito? Outrora, valente guerreiro, cavaleiro triunfante, agora um velho senil, completamente transtornado, dominado por uma paixão amorosa, ardorosa, perigosa...Urgiam serem tomadas imediatas precauções... Então, eis que a morte, para surpresa de todos, faz sua visita “inesperada” e era uma vez uma jovem bela e etérea, ainda donzela...
Ahhh... suspiraram os barões aliviados, pensando eles que, terminara enfim, o desvario efusivo do velho rei ensandecido... Terminara? O que são os tormentos? Uma vez que nos chegam não nos deixam tão facilmente... e às vezes, “a emenda sai pior que o soneto”... Não... pois, outra vez, tornaram a se desesperar os cuidadosos barões da corte ao verem o rei, fora de si, manter a jovem morta, embalsamada, cuidadosamente guardada em uma sombria câmara mortuária, com o rei mantendo-se ali, nem um segundo se afastando, nunca, jamais, querendo partir. “Sacrilégio”, diziam uns... “sacrilégio”, diziam outros... “sortilégio”, dizia consigo o arcebispo Turpino... “sortilégio de amor e encanto... obra de magia negra poderosa... só há de ser isso”... repetia o arcebispo... “não é normal tanto apego, tão louco desespero por um corpo inanimado ... sortilégio de encanto e amor, sim... o rei só pode estar enfeitiçado, cruelmente amaldiçoado por alguma alma marcada, tocada pela sombra do demônio, que, solitário e invejoso, está sempre à espreita,vigiando”.
E assim pensando, o ponderado arcebispo, o cadáver tratou de examinar, procurando de cima abaixo onde poderia estar escondido o objeto mágico que mantinha prisioneiros o corpo e a mente do infeliz soberano. O objeto, pensava ele, haveria de encontrar e dele se livrar sem demora, libertando, dessa forma, o pobre rei, que já sofrera bastante nessa lida... por Deus, certamente... era o que aconteceria.
O arcebispo, tanto procurou que encontrou; oculto, sob a língua da donzela morta, deparou-se com o segredo: um anel maravilhoso, com uma bela pedra preciosa engastada, mas ai, pra quê... o sortilégio de amor e encanto não acabou ali... e lá o arcebispo Turpino, imediatamente, viu-se assediado pela luxúria incontida do velho rei Carlos Magno.
Tentando livrar-se do transtorno, o lago Constança, pensou o arcebispo, seria a solução final para tal embaraçosa situação pela qual acabara sendo levado e o santo homem, desesperado, atirou o anel no lago que afundou rapidamente... Sim... Constança, o nome do lago, e também nome de mulher, foi a solução para o arcebispo Turpino, mas não a salvação de Carlos Magno, que, mesmo velho e cansado, apaixonado, postou-se para sempre sentado às suas margens. Para sempre aprisionado ao macabro sortilégio de loucura, amor e encanto que emanava das profundezas e contaminava a pureza das águas.
***
[1] Lenda sobre o imperador Carlos Magno, citada por Ítalo Calvino em seu livro SEIS PROPOSTAS PARA O PRÓXIMO MILÊNIO; pág. 45; trad. Ivo Barroso; Editora COMPANHIA DAS LETRAS.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

CAROLINA [1]



Da minha janela vejo Carolina donzela;
Um pôr de sol; um beijo; uma azaléia.
Da minha janela vejo a praça e os olhos de saudades
da mulata, vejo a banda e a vida passarem.
Mas, oh, que pena... Só Carolina não viu...
E o tempo passou e tudo levou
Só Carolina ficou.
E eu, com meus olhos de expectador, devagar fechei a janela,
lá deixando a donzela à mercê do tempo e da dor.

[1]À partir da canção CAROLINA, de Chico Buarque de Holanda.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

A LUA E EU


Lua, lua, tão fria e distante, num céu coberto de estrelas;
quero pedir-te amiga e senhora, tua benção e proteção.
Olha por mim, dama caprichosa; guia-me com tua luz
e no caminho do bem me conduz.


****

A lua branca boiou no céu, parecendo um barquinho
de papel, navegando num imenso mar azulado!
Imenso mar azulado que percorro, pilotando, com o coração

a branca lua, vagando na solidão.

****

Da janela
olhos cansados contemplam
a lua de outono

***

Vaga lua
Vago lume
Vagalume

Vagar distante
Vagamente delirante
Vagar errante

Vago espaço
Aberto
Aéreo
Solitário

Vaga vida
Vago sonho
Vagar tristonho
Vagar medonho

Vago mundo
Vagabundo

Vago norte
Vaga sorte
Vaga morte
Vago mistério

Indecifrável
Impenetrável
Silencioso
Eterno
Profundo

quarta-feira, 28 de maio de 2008

SALVADOR DE SI MESMO



Ao reler certo dia o livro SEIS PROPOSTAS PARA O PRÓXIMO MILÊNIO, de Ítalo Calvino Companhia das Letras, 1993, tradução, Ivo Barroso) no artigo sobre LEVEZA, não pude deixar de pensar na comparação que ele faz do mundo transformado em pedra. Sim, para ele, o mundo inteiro às vezes, parecia transformado em pedra, “mais ou menos avançadas segundo as pessoas e os lugares”, tal petrificação, ainda segundo ele, embora lenta, “não poupava nenhum aspecto da vida, como se ninguém pudesse escapar do olhar inexorável da horrenda Medusa”.
Relembremos o mito: Perseu, o herói grego (não preciso, creio, dar aqui nenhuma definição da palavra herói, mas escreverei uma frase de Joseph Campbell que diz que um herói é o homem da submissão autoconquistada e se quiserem saber mais, tipo a quem ou a quê deve ele, o herói, submissão terão de ler mais o dito autor) era filho de Zeus e da mortal Dânae, filha de Acrísio, rei de Argos, que um dia, temendo ver cumprida a previsão de um oráculo, que lhe predisse que Dânae teria um filho que lhe usurparia a vida e o trono, mandou encerrá-la numa torre. Mas, para Zeus, o que é impossível? Assim, em forma de uma chuva de ouro, Ele caiu sobre Dânae, engravidando-a .
Acrísio, desesperado, pegou mãe e filho e após colocá-los dentro de uma arca abandonou-os, à deriva, ao mar. Porém, a correnteza, em vez de virar a embarcação e afogar mãe e filho, concretizando enfim, o desejo de Acrísio, levou-a até a ilha de Sérifo, aonde o rei Polidectes, apaixonou-se pela bela Dânae.
Polidectes, com o passar do tempo, por ciúmes, quis afastar Perseu de sua jovem mãe e, assim, encarregou-o de uma missão; se diga, porém, missão esta primeiramente sugerida pelo próprio Perseu e cobrada em seguida pelo rei tirano, que era trazer a cabeça da Medusa, a Górgona mortal, mas, cujo olhar fulminante era capaz de petrificar; feito que ele consegue, graças a ajuda dos deuses Hermes, Atena e Hades.
O herói Perseu, mata a Górgona e carrega a cabeça consigo, dentro de uma sacola presa a cintura e nos momentos de perigo, para sua proteção é capaz de usá-la de maneira sábia, evitando, de olhá-la diretamente, seguindo sempre o enunciado dos deuses. Seu escudo de bronze é o seu espelho, empunhado por Atena, a deusa da divina sabedoria, e é por ele que é capaz de encarar o terror. Perseu é capaz de entrar e sair do mundo sombrio, sem maiores danos, trazendo consigo valiosos, belos e úteis presentes, inclusive Pégaso, o cavalo alado, benquisto das musas, que nasce do sangue da Górgona abatida, o animal é filho da maldita. Porém, Perseu o domina e, cavalgando-o vai além das nuvens. Claro que tais ações não são facilmente praticáveis e por isso Perseu é um herói.
Bem, Ítalo Calvino se absteve de interpretar o mito, coisa que aconselha todo bom contador de histórias, ele queria apenas fazer uma relação alegórica do poeta com o mundo e o processo de continuar escrevendo.
Eu, por outro lado, vejo também uma relação, de certa maneira proposta pelo próprio Calvino, ao ver o mundo em vários estágios de petrificação. Nos tempos atuais, aos poucos, vamos sendo petrificados, as pessoas de um modo geral, vão tomando a forma da Górgona ou das estátuas, mudas, petrificadas, em maior ou menor grau. Ficamos alheios e estranhos ao nosso mundo ou ao que está acontecendo ao nosso lado. Desistimos da roupa de herói, quase não a vestimos mais, pois a roupa encolheu e agora cabe em muito poucos. Sobra-nos o papel da Medusa ou de meras estátuas. Seres humanos frágeis, fracos, e das tarefas que nos impomos ou das que nos são impostas, não damos conta, e, incrédulos, renunciamos aos conselhos dos deuses... Quando olhamos no espelho a imagem que nos aparece, distorcida, é a do monstro. Como fugir? Como escapar disso? Dessa infame e vil transformação operada por nós mesmos? O herói deve nascer; crescer em seu heroísmo e ser ultrapassado... Temos capacidade de voar muito alto, em um cavalo alado. Mas, por onde começar? Minha sugestão é que comecemos por onde começou Perseu, abandonando um mundo pronto e protegido, mas cheio de armadilhas e ilusões, para partir em busca do seu próprio, da construção de seu mundo, não ideal, mas, real. Na jornada necessária que precisamos empreender, temos que mergulhar, “encarar” e se possível sobrepujar o sombrio, um dever para com nós mesmos e para com os que nos cercam.
No caso do herói, tirar a cabeça da Medusa da sacola e mostrar o próprio horror só em casos extremos, realmente necessários. A minha dor, ou a minha vitória, ou ainda a dimensão do meu horror, não precisam petrificar a ninguém, gratuitamente, já que isso elas mesmas já fazem por si, pois ao dar maiores dimensões aos seus desejos, medos e dramas; correm elas o risco de se metamorfosearem na terrível Medusa, isolando-se, vivendo a parte e, ao contrário do herói, que escolhe a quem petrificar, acabam por transformar a qualquer um em pedra, ao menor sinal de aproximação. Há quem queira esse fardo...
Ítalo Calvino remete-nos também em seu artigo, a leveza do ser, do pensar, do elevar-se além das precárias condições humanas e a partir das observações de Milan Kundera mostrar como a leveza pode se tornar insustentável tal o peso que ela demonstra ter com o passar do tempo. Um peso de pedra. Mas, lembrem-se que Calvino falava de literatura, eu estou a ponderar sobre as situações humanas, mas, no final, ambas nem diferem tanto assim uma da outra. Com o passar do tempo quase tudo se petrifica ou perde a leveza de ser; o mundo, as pessoas, a sabedoria e as relações... e ficamos a espera de um herói que nos salve, de alguém que, em vez de pedras, mos mostre um jardim, cheio de flores, belas, coloridas e leves já que não somos capazes de cultivar e manter o nosso próprio jardim; fugimos das aulas de jardinagem. O mestre ficou sozinho no quintal vazio e em lugar das flores vamos colocando grandes, feias e pesadas estátuas de pedras.
Farid-ud-din-Attar, em seu livro O Parlamento dos Pássaros (Attar Editorial), conta-nos que no alto de uma montanha, na China, vive um homem velho que chora sem parar. Entretanto, mal suas lágrimas tocam o chão, convertem-se em pedras que ele torna a recolher. A verdade nua e crua, porém é que nem todos nós podemos ser que nem Perseu, herói imbuído de generosidade e delicadeza para com todos os seres mesmo para com os monstros, como diz Calvino, e nem todos conseguimos ser hábeis jardineiros; fazemos o que podemos, vamos até onde nos compete chegar nossa frágil paciência/resistência/competência. Algumas vezes, incapazes de matarmos nossos monstros, destruímos nosso jardim, pisoteamos nossas flores, acabando com o pouco que nos resta, pois a impotência nos tira a vontade de seguir adiante. O sentimento de confusão, nulidade, exclusão, faz com que abandonemos o mundo em que se precisa viver sem a ele pertencer, e, afastados de qualquer convívio humano, por fim, morremos... esquecidos, longe da piedade de qualquer bom samaritano. Antes disso, entretanto, acontecer, será que nos perguntamos o que podíamos ter feito com nossa confusão? Como nos livraríamos dela? Tentamos, de verdade, encontrar ou saber sua causa e dar-lhe uma solução? O porquê de ter surgido e permanecido? Se a reposta é sim, deveríamos ter decidido logo o que poderíamos ter feito a respeito, pois só os equivocados criam e sustentam sua própria confusão, embora façam crer a todos que tentam desesperadamente dela escapar. Uma pessoa confusa é, antes de tudo, alguém que não presta a devida atenção a si mesmo, a confusão se dá porque tal pessoa não obteve o que queria, temos o costume de não percebermos que somos postos à prova a todo instante, tanto pelo que queremos quanto pelo que não queremos, paciência para com um, paciência para com o outro estado de coisas, querer /não querer... Como dizia o grande Bayazid (morto em 875 d.C.) “deves sentir teu próprio nada”.
Tais sentimentos e estados já citados deveriam ser pensados antes como formas de proteção e usados como escudo, como faz Perseu. Todavia, vamos parar por aqui. De repente, eu é que me verei metida em confusão por não saber mais o que dizer. Parece que tenho toda a sabedoria do mundo a disposição. Tenho, tenho sim, mas não posso passá-la adiante e nem sei ainda direito como usá-la em meu próprio proveito, não sou mestra de nada, nem do ABC, e cada um tem que buscar em si os meios de empreender e chegar ao fim de sua viagem, sentindo que cumpriu, com efeito, a sua missão. Busque a sua compreensão naquilo que diz respeito a você e sua busca por auto-conhecimento. É possível escapar do olhar aterrador da Medusa; é possível escapar de nos transformarmos no monstro de olhar aterrador;um olhar humano, condescendente, mas atento, sobre tudo, principalmente sobre nós mesmo já é um começo, e que começo...!

segunda-feira, 26 de maio de 2008


Deus é vida. E a impulsão da vida é para cima, sempre para cima. “O animal sobrepuja a planta, o homem sobrepuja a animalidade, e o conjunto da humanidade, no espaço e no tempo, é um exército imenso a galopar ao lado, à frente e atrás de cada um de nós. Em carga esmagadora para dar em terra com toda resistência e vencer todos os obstáculos”. Até a morte. A corrente da vida sobrevive a morte do indivíduo. Sobrevive à possibilidade do fracasso e a tendência da matéria por aniquilar-se. Ao topar com um beco sem saída, as suas múltiplas energias cavam novo atalho e dirigem as suas torrentes irresistíveis no sentido de novas e maiores realizações. A vida não pode ser sufocada por uma derrota temporária; nunca pode ser detida.

domingo, 25 de maio de 2008

SOB A LUZ DO CREPUSCÚLO


A menina, regando as plantas,
inunda de alegria o crepúsculo que cai.
Seu sorriso, doce antídoto,
para um coração envenenado
por uma taça de tristeza.


***

Dia cinzento.
Cadeiras vazias.
Silêncio no jardim.

***

A rosa que desabrocha
enche de amor e encanto
um coração de criança.

***

A passarada,
na janela faz a festa!
Ao menor ruído,
voa em debandada.


***

Para o silencioso espelho d’água,
a onça sedenta, sorri.


***

Passarinhos na goiabeira.
Entardecer no quintal.
Minha alma sorri.


***

Eu estava quase adormecida
quando escutei o canto da cigarra.

sábado, 24 de maio de 2008

TODO O MANÁ SAGRADO DA MONTANHA


“Olho, aterrado, a grande mesa posta.
Quem presumiu em mim fome tamanha?
Todo o maná sagrado da montanha
Servido lautamente
A um só conviva!
À luz do sol poente,
Numa quase agressiva
Pressa de comunhão, as penedias
São raras iguarias
Dum banquete irreal
De que sou comensal
Apenas eu…
Como se um pigmeu
Pudesse devorar num breve instante
A refeição eterna de um gigante!”
(Miguel Torga)

***

TODO O MANÁ SAGRADO DA MONTANHA é sabedoria, alimento cultivado pelo homem e ofertado aos deuses.
TODO MANÁ SAGRADO DA MONTANHA é esforço consagrado da labuta cotidiana, que sustenta o corpo e alimenta o espírito humano.
O sol já está a se pôr. Com os olhos cansados, voltados da terra ao céu, regressa o miserável de mais um dia de trabalho e eu em minha inconstância, olho a mesa posta mas não corro imediatamente para ela, apavora-me a idéia de tamanha pompa, de tão fausto banquete pára um só vil e nada gentil convidado. Quem adivinhou o tamanho de minha fome?
TODO O MANÁ SAGRADO DA MONTANHA ao alcance de minha mão. Embora seja mesmo grande a minha fome, eu, solitário, não posso dar cabo do alimento sagrado. Pequenino em minha ambição; ando sem direção, silenciosamente, sem saber a que caminho escolher.
Procuro um ser de grande saber, feito de carne e osso, mas que tenha a alma pura e infinita, livre dos desgostos... Daí, quem sabe, possa ele me dizer como escapar do circulo vicioso no qual vivemos todos.
Almejar TODO O MANÁ SAGRADO DA MONTANHA é não tê-lo a disposição para comê-lo afoitamente. Se assim o fizer, os deuses, certamente, não virão ao meu encontro, pois, não terei sabedoria suficiente ou ao menos um conhecimento profundo das coisas como são, e, então como ousarei dizer ao fiel trabalhador que TODO MANÁ SAGRADO DA MONTANHA está também ao seu inteiro dispor para dele poder comer, não num banquete irreal, mas, sim, num banquete ideal, onde o esforço, unido ao tempo, ao momento correto lhe dará muito mais que uma substancial refeição. Dar-lhe-á capacidade em elevar-se às alturas de um gigante, além da paz, sabedoria e tranqüilidade de um ser humano de verdade, pronto a seguir, firme e reto, em sua evolução...

Partiu a caravana dos sonhos.
Não importa o destino, somente a viagem
Pelo caminho os peregrinos misturam-se à poeira e ao brilho das estrelas,
mas eles partem em busca do sol!

***

Dia cinzento!
Gosto dele assim, quando me sento
em uma velha cadeira, no sossego do jardim,
para ouvir cantarem os passarinhos.

***

Voam os pombos no céu. Fim de tarde.
Na rua vazia, o sol deita seus últimos raios.
Alguém sentado à soleira de uma porta... espera!

***

Noite escura!
No telhado
o soluço da chuva.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

JURUPARI [1] O PODEROSO SENHOR DO MEDO


Jurupari passeia pela noite.
Jurupari passeia pelo terreiro.
Jurupari é o poderoso senhor do medo que chega para assustar pequeno guerreiro.
Devagar, a grande sombra entra na oca, escurecendo a taba por inteiro.
Pequeno guerreiro não consegue adormecer.
Jurupari é espírito sem forma.
Jurupari é espírito mau
Mas pequeno guerreiro é valente
E a grande sombra olha de frente
Jurupari se encolhe, pra longe foge, a grande sombra desaparece!
Jurupari, o poderoso senhor do medo, tem medo de pequeno guerreiro, que depois, exausto da cansativa batalha, em paz adormece, iluminado pela vigilante luz da lua.


***

[1] JURUPARI: Do tupi Iuru-Pari que quer dizer boca fechada, mistério, segredo. Entidade tida pelos indígenas como “filho do sol”, o legislador, o gênio da música, temido e respeitado pelos povos da selva, que, porém, com a chegada dos missionários jesuítas foi rebaixado a categoria de “diabo”, o espírito malévolo que rondava a floresta.

Do livro MORONETÁ-Crônicas Manauaras; Virgínia Allan; Editora Valer

quinta-feira, 22 de maio de 2008


Quisera que meus versos fossem leves como a pena e que tivessem a candura das cantigas de roda
Quisera que fossem belos como as noites amenas e que possuíssem
o agradável perfume dos botões de rosa
Quisera ainda poder calar-me Quisera mesmo, meu Deus, nada querer e assim não lamentar-me
dos meus versos que choram.

***

Certa vez, há muito tempo, assistindo a um filme antigo, vi uma ponte que, não sei por que, deu-me a sensação de infinito. Era uma pequena ponte, por onde um casal caminhava, mas, para mim, ficou a impressão de que a ponte nunca acabava.

***

Dormiram os anjos que velavam os sonhos. Esquecida ao pé de alguma nuvem ficou a felicidade embrulhada pra presente.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

TARDE DE DOMINGO


A irritação dominou a minha tarde de Domingo; tarde de Domingo quente e abatida, sem água e sem luz.
Não estou só. Na sala está também um cachorro velho que em seu cochilo inquieto, talvez esteja a sonhar com ilhas perdidas e arcas cheias de ossos.
No quarto, minha mãe; minha sobrinha e minha filha montam um rosário de histórias que enfeitam as horas ociosas.
A tarde vai passando devagar, deixando-me com a desagradável sensação de que não aproveitei o dia.
Lá fora, chama o vendedor de doces, mas, irritada, ignoro estes detalhes que poderiam me fazer feliz!

terça-feira, 20 de maio de 2008

ABANDONO



I

Num sítio abandonado, à beira de um igarapé, sentei-me um dia a meditar. Outrora, aqui havia uma cachoeira, ou será que ainda há? Daqui, eu não ouço nada, nenhum barulho de queda d’água, somente o murmúrio do igarapé, num lento passar.
De minha infância, recordo, quando ficava n’ água a brincar e entre botos e mães d’água, a cachoeira cantava, deixando a meninice voar.
Hoje, em meio aos dejetos no igarapé espalhados, ficam também minhas lembranças. Já não há botos, nem mães d’água; resta apenas um sítio, com um triste igarapé de águas maltratadas; sem cachoeiras, sem poesia, sem nada.

II

Sentada à beira do igarapé, olhava a água correr mansamente. Mansamente passando por entre minhas mãos, brincando por debaixo de meus pés, passando, passando, passando, levando consigo minhas lembranças, não tão antigas, nem mais tão jovens; lembranças que, logo despencariam cachoeira abaixo. Ainda há uma cachoeira? Daqui, não ouço barulho de água caindo.
Quando era pequena, vinha muito aqui. Recordo-me de meu pai, sentado neste mesmo lugar, contando velhas estórias de botos e mães d'água.
Do outro lado da margem está um homem de chapéu. Olha-me de forma curiosa (quem sabe, tentando adivinhar meus pensamentos) talvez seja algum turista que também parou para apreciar a beleza do lugar, pois, apesar de tudo, ainda é belo. Torno a voltar minha atenção para o correr das águas e as lembranças de minha infância. Vejo meu pai, alegre, vir ao meu encontro, falando do tempo em que os encantados habitavam estas águas. Conta-me mais uma estória, desta vez, é sobre uma cidade afundada pelo boto
1!
''E tudo por causa de Dora, caboclinha bonita como nunca se viu. Foi há muito tempo. Aqui, neste mesmo lugar, em que calmamente agora conversamos, existia um pequeno povoado. Isso foi bem antes, porque depois o povoado cresceu e virou cidade; cidade grande: selva dura de asfalto e edifício. Isso foi muito antes! Dora vivia com seus pais. Dá para imaginar, filha, quantas e quantas vezes, ela veio lavar roupa nestas beiras? Cantando e batendo as roupas nas pedras, tomando banho e cantando. O pai de Dora era pescador; pescador dos bons, respeitador das leis da natureza. Já a mãe, era tantinho nervosa. A beleza de Dora deixava-a preocupada. Seu coração de mãe apertava-se sempre que a menina saía para banhar-se ou lavar a roupa, principalmente, depois que Dora havia ficado moça.
Era costume entre os pescadores, nas noites enluaradas, reunirem-se para festejar. Festejavam assim por qualquer coisa, qualquer coisa era motivo para cantar e dançar até o dia amanhecer. Sabe filha, era uma vida feliz, bastante feliz. Como disse, Dora era muito bonita e como toda moça bonita, gostava de freqüentar estas reuniões, a qual, sem pretensão alguma, aquela gente simples, chamava de 'baile', e assim que completasse quinze anos, teria a permissão de seus pais para namorar, e bonita do jeito que era, não lhe faltaria pretendentes. Este dia estava perto e como também era querida por todos, concordaram em dar uma festa com muitos comes e bebes; bandeirolas de papel, música e dança, muita dança!
Finalmente, a bendita noite, tão esperada, chegou. A lua cheia iluminando a escuridão. Que noite bonita filha! Acho que nunca mais haverá uma noite como aquela. O baile começou com o povo numa alegria sem fim. Dançaram a mais não poder. Estava tudo tão animado que não entendiam, porque Dora continuava sentada, afinal, era seu aniversário. Dora, na flor de seus quinze anos, toda de branco, parecia infeliz. Ansiosamente, olhava, para a porta de entrada. Parecia esperar por alguém, alguém que tardava em aparecer. Mas, de repente, seu rosto ilumina-se com um sorriso, e a mãe de Dora, que a essa altura, já se encontrava bastante apreensiva com o desânimo da filha, percebe a mudança. Volta-se para onde a jovem olha com tanto interesse, e o que vê a deixa transtornada e mais ainda, quando Dora levantando-se, vai ao encontro do estranho que acabara de chegar. É um belo homem, moreno, alto, vestido de branco, com um elegante chapéu de panamá
2 na cabeça. Dona Francisquinha, assim se chamava a mãe de Dora, não se engana. Ela sabe quem ele é, e no desespero que lhe assalta, começa a gritar: 'É ele, é ele, o encantado, o excomungado, o maldito, o coisa ruim. Não, ajudem-me, ajudem-me, não deixem que ele leve a minha menina! Minha filha, minha filhinha... Acordem, por favor, acooordem'.
Sai correndo, esbarrando nos casais, que nem dão conta do que está acontecendo. A música, cada vez mais alta, impede que dona Francisquinha se faça ouvir. Ninguém a escuta nem o marido, o pai de Dora, pescador dos bons, respeitador das leis da natureza, parece compreender o que se passa. Continua encostado a um canto, pitando o cigarrinho de palha, indiferente a tudo. O povo está enfeitiçado e dona Francisquinha, isolada em sua aflição, cai, derrotada enquanto Dora, a linda Dora, rodopiando nos braços do estranho, vai, cada vez mais para longe da proteção de sua mãe.
O baile continuou noite adentro, era tão grande o encantamento, tão boa a diversão que ninguém sentiu a terra cedendo; afundando, afundando, afundando, até ser completamente coberta pelas águas. Somente dona Francisquinha, num derradeiro esforço, conseguiu salvar-se e aqui ficou, sem afastar-se dessas margens, sempre à espera de Dora. Porém, Dora não mais voltou. Apenas ele, o maldito, aprecia para fazer troça de dona Francisquinha e ela, tomada de fúria sobre-humana, entrava n'água, e tentava matá-lo, mas ele, o maldito, o excomungado, o coisa ruim, nadando numa velocidade fabulosa, facilmente escapava-lhe. Deitando água pelo furo que há em sua cabeça, era como se gargalhasse daquela que achava que podia enfrentá-lo.
E dona Francisquinha, cansada, nadava de volta às margens, onde se sentava, esperando a noite cair. E quando escurecia, lá embaixo o baile recomeçava, com Dora toda de branco, eternamente na flor de seus quinze anos, dançando nos braços do boto''.
Assim que terminou de contar-me a estória, meu pai me disse: “Filha; preciso ir. Logo será noite, e não é bom que a escuridão te surpreenda aqui sozinha. Dizem que até hoje a cidade submersa festeja a chegada de algum visitante”. Deu-me um beijo e desvaneceu-se na luz dos últimos raios de sol.
Eis que um barulho chama-me de volta à realidade. Na outra margem, o turista de chapéu já não está. De dentro d'água salta um boto brincalhão; espirrando água pelo furo. Engraçado! Parece uma despedida, com se estivesse dizendo-me adeus, como se soubesse que está sem lar; com igarapés e rios poluídos, sem belas cachoeiras e sem velhas estórias.
Por um momento, sinto-me como dona Francisquinha, desesperada por não conseguir salvar o que ama, sentada para sempre nestas margens, esperando o retorno do que não mais podia retornar.
O boto seguiu no rumo da cachoeira, levando consigo meus lugares de infância, o amor de meu pai e as velhas estórias. Lembranças que logo despencariam cachoeira abaixo.
Segui o conselho de meu pai e parti antes do anoitecer, levando nas mãos o chapéu branco que o turista, talvez por distração, deixara cair na água e que o boto em sua brincadeira trouxera para junto de mim. Prestes a entrar no carro, julguei ter ouvido algo; mas, longe, muito longe, parecia música?
E por que não! Quem sabe, fosse somente o recomeço do baile na cidadezinha submersa em que Dora morava, eterna menina-moça, ou então, fosse apenas o suave barulho da cachoeira que, a despeito de tudo, ainda conseguia cantar.


1 boto; (Inia geofrensis-Boto branco); (Steno tucuxi-Boto vermelho); cetáceo delfinídeo do gênero Sotália. Golfinho popular em toda a bacia Amazônica. É também chamado de PIRAIAUARA, ou peixe-cachorro. Contam as lendas que o boto é um doutor em assuntos do coração, gabando-se de ser o pai dos curumins, dos quais não se sabe, com certeza, a descendência. O povo diz que o boto branco é amigo dos náufragos, e que o boto vermelho, ou segundo Jacques Costeau, boto cor de rosa, denominado pelos índios de UIARA (“Senhor das Águas”) é o grande sedutor, aquele que não perdoa moça bonita que anda sozinha pelos barrancos em noites de luar. (Altino Berthier Brasil; Coisas de Boto; pág. 91; Amazônia Legendária; Poesanato, Arte e Cultura).2 panamá: Chapéu leve feito com tiras de folhas de um arbusto semelhante a palmeira.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

BOIÚNA, A SENHORA DAS ÁGUAS


Nos profundos e escuros rios da Bacia Amazônica, repousa a Boiúna, a terrível senhora das águas. A palavra boiúna é de origem tupi e significa “cobra negra”. No aspecto simbólico, a boiúna encarna ambos os princípios, isto é, tanto o masculino quanto o feminino, o bem e o mal, possuindo os mesmos atributos da Cobra-Grande e talvez, por isso mesmo, as duas acabem confundidas em uma só. Segundo o mito Dessana, a cidade de Manaus, como tantas outras foi gerada dentro do ventre da cobra. Na longa viagem que faz, Manaus é a 13ª cidade a sair e se erguer de seu bojo. Vale ressaltar algumas das lendas que desde então, vive no imaginário popular, enriquecendo a cultura e o folclore.
Sobre a Cobra-Grande, existe uma estória de que, há muito tempo, numa certa tribo de nossa terra, vivia uma mulher feia e má; devoradora de carne humana; nutrindo especial interesse por crianças. Quanto mais tenra a carne, mais lhe apetecia o gosto. Assim, a tribo vivia em constante pavor e para acabar com tamanha aflição, resolveram jogá-la no rio para que, dessa forma, morresse afogada. Porém, o astuto Anhangá, o espírito do mal, que tudo faz para enfraquecer e contrariar a vontade dos homens, não a deixou morrer, resgatou-a e casou-se com ela. Juntos tiveram um filho.
Anhangá encantou o menino em cobra para que ele pudesse viver livre nas águas do rio. Mas, eis que o que é pequeno se faz grande e logo o rio não pode mais contê-lo. Os peixes desapareceram, pois a cobra, em busca de comida, os engolira. O rio empobreceu e a cobra faminta, cresceu os olhos para além, emitindo uma luz fosforescente que tudo vasculhava.
Um dia, a mãe da Cobra-Grande morreu e seu ódio e dor foram inimagináveis. De seus olhos, lágrimas não jorraram. Contorcendo-se, disparou em direção ao céu flechas de fogo e desde então, para alivio de todas as nações indígenas, recolheu-se às profundezas das águas, levantando-se de lá somente para anunciar a chegada do verão ou para clarear com a luz dos relâmpagos que chispam de seus olhos em noites de tempestades.
Os ribeirinhos contam que já cansaram de se deparar com ela na forma de embarcação fantasma, vagando perdida pela noite, fazendo um barulho de enlouquecer; os olhos, como dois faróis penetrando a escuridão... Nestas horas, é preciso ter cuidado, pois a encantada engole tudo o que vê pela frente. Transforma-se em qualquer coisa, iludindo os mais desavisados.
Para alguns, a Cobra-Grande seria Tuluperê, uma serpente vermelha e preta; misto de sucuriju e jibóia. Era muito cruel, Tuluperê. Afundava embarcações e comia gente. Tal monstro vivia no rio Paru de Leste, na divisa com o rio Axiki. Certa feita, os índios da nação Wayana, foram pedir ajuda ao Xamã, a fim de matá-la, fato que conseguiram após desferirem nela muitas flechas, porém, ficaram embevecidos com os desenhos de sua pele, guardando-os na memória, os reproduziram depois na arte da cestaria.
O caboclo da região, ora acredita em sina, encantamento que pode vir a ser quebrado; ora acredita que a serpente é a pura encarnação do mal. Sob estas formas temos a estória do jovem Honorato, que seria filho da boiúna com uma índia.
Diz a lenda, que a jovem pariu um casal de gêmeos os quais chamou de Honorato e Maria Caninana, mas a mãe, temendo, na aldeia, pela vida das crianças, pois estas já começavam a apresentar as características dos ofídios, levou-as até às margens de um rio e abandonou-as a própria sorte.
As crianças se criaram, com Honorato tornando-se bom e forte e Maria ficando cada vez mais cruel. Finalmente, Honorato mata Maria e passa a vagar sozinho pela imensidão das águas, à espera que alguém o desencante.
Há uma versão de origem européia, onde Honorato é um jovem sedutor e irresponsável, filho de um português abastado dono de um seringal.
A lenda da Cobra-Grande encontra-se ainda ligada ao aparecimento da noite, quando sua filha, ao casar-se, pede ao marido que vá buscá-la nos domínios de sua mãe, no fundo das águas. Todavia, o moço, encarrega três amigos para cumprirem a delicada missão.
A boiúna entrega-lhes a noite presa dentro de um caroço de tucumã, selado com breu, recomendando-lhes expressamente que de modo algum cedessem a tentação de abri-lo, já que somente sua filha poderia fazê-lo. Os jovens, entretanto, no caminho de volta, encostam o ouvido ao caroço de tucumã e ouvem um barulhinho encantador... é a noite, cantando a sua canção. Não resistindo mais, os rapazes, de comum acordo, fazem fogo e derretem o breu. Rapidamente, a noite foge e como castigo, os três amigos são transformados em macacos.
No folclore, temos ainda M´boy, o deus serpente, filho de Tupã, o grande legislador, governante do mundo, assim acreditavam os índios caiagangues, habitantes das margens do Rio Iguaçu, e o boitatá, que na região Nordeste possui várias outras denominações, tais como: jã-de-la-foice, fogo corredor, baitatá e etc... é um mito quase todo de origem indígena; uma espécie de “cobra de fogo” que vadeia pelos campos, expulsando aqueles que o incendeiam inutilmente. Algumas vezes, o boitatá transforma-se em um grosso madeiro, em brasa viva, que mata os agressores por combustão, podendo até assumir a forma humana, mantendo, entretanto, a luminosidade que lhe é característica.
A Cobra-Grande, de uma forma ou de outra, está presente, enrodilhada desde o principio dos tempos, nos relatos de vários povos, na memória universal.
Esta introdução foi apenas uma breve apreciação do que é possível saber sobre um dentre os vários seres fabulosos, que habitam e instigam a nossa imaginação e aqui, em nossa casa, no seio da floresta, que também é a Casa da Mãe-Cobra, as recordações estão sempre presentes, envolvendo-nos em sonhos, nos preparando e devolvendo-nos ao mundo real.
É sina alegre de criança cabocla, da beira do rio, ouvir os cantos e os contos da floresta; é sina alegre de criança cabocla saber e recordar que antes de habitar a floresta, habitou primeiro o ventre acolhedor da Boiúna, a Mãe-Cobra, geradora de vidas, a nossa negra senhora das águas.


(Nota: Imagem da Cobra Grande desenvolvida para o portal do Pará opaidegua.com, desenhada pelo artista Fernando Brito)

domingo, 18 de maio de 2008



“O Uno permanece; o múltiplo muda e passa; A luz do céu brilha para sempre, as sombras da terra logo se esvaecem; A vida, como uma redoma de vidro multicolorido, tinge o branco esplendor da Eternidade, até que a Morte a faz em pedaços. – Morre, se queres estar junto aquilo que tens procurado! Segue adiante até que tudo desapareça!... Por que hesitar, retroceder, por que se contrair, meu Coração? Há tempos já não tens esperança... Não deixes mais a Vida separar o que a Morte pode reunir”.

(Adonais; Shelley, citado por Sirdar Ikbal Ali Shah, trad. Álvaro de Souza Machado)


*****

Um poema de Shelley para se pensar. A vida segue em frente e devemos deixar morrer todas as coisas, todos os sentimentos, para que o novo possa surgir. Não olhemos a vida, com os olhos do terror, mas sim com os olhos da renovação. Morte/Vida são palavras que vão além do literal e podem ser usadas e avaliadas em várias formas e sentidos. (V.A.)

sábado, 17 de maio de 2008

APENAS UM DETALHE


Um pequeno acidente, mas para mim tomou a proporção de um desastre... Nós, humanos, temos essa mania de transformar tudo em algo medonhamente gigantesco, dramático e o pior, sem saída... Bem, não sei enfim o que aconteceu, só sei que meu leitor de CD não funciona mais, apesar de, aparentemente, o programa não apresentar nenhum problema e o notebook ser novo ainda, nem um ano de uso... Não seria nada demais se as músicas que tinha gravado no computador, um vasto e variado repertório, simplesmente também não houvessem desaparecido sem deixar vestígios. Lá se foram os meus blues na voz do velho Big Bill Broonzy e alguns outros bluesmen de responsa... Na verdade, ter perdido as músicas foi somente um detalhe, um detalhe muiiiiiiiiiito chato, mas é claro que não estou chateada só por causa disso... Recomeçar, seja com o que for ou de que jeito for, é a nossa missão de todo dia, mas levando-se em conta tempo, satisfação e amor pelo que já estava em andamento, recomeçar é uma chateação, além de requerer coragem, esforço, determinação e paciência qualidades, que até tenho, e falo isso sem falsa modéstia, mas, não estou animada para nada, estou numa fase de plena insatisfação e olha que estou falando de um “probleminha”.... Caso a se pensar... se estou agindo assim agora, o que será que farei diante dos “grandes problemas” ou direi, dilemas? Não sei... ou melhor, eu sei, tenho umas regras as quais recorro quando me encontro nesse estado de espírito, regras preciosas que, aliás, já deveria ter assimilado e usado quase que por instinto. Em minha displicência, é fato notório de que talvez esteja de “mal a pior” comigo mesma. Isso me faz lembrar que semana passada, vi um episódio em COLD CASE, uma de minhas séries prediletas, em que um psicopata colecionador assassino pegava suas vitimas, sempre mulheres, e as trancava em um quarto escuro. Estas mulheres tinham um motivo especial para viver: Uma tinha um lindo bebê, a outra uma voz maravilhosa com a qual louvava ao Senhor e a outra, um amor de verdade, daqueles que são pra vida toda, na alegria e na tristeza. O prazer do colecionador psicopata, e assim era o seu método de matar, era justamente tirar dessas mulheres a vontade de viver, tirar delas a fé, a esperança, até o ponto que nem o motivo que, antes, as mantinha presa a vida tivesse mais a menor importância.
Sua primeira vítima, morreu afogada em um poço, quando ele, adolescente, ao passear pela floresta, ouviu pedidos de socorro e foi então que, recusando-se em ajudar, deparou-se com a cena que ele julgou a mais insólita, a mais linda, a mais sublime que já havia visto: Alguém, por total falta de esperança, por decepção, desistindo de viver. Ele ficou ali, à beira do poço, apenas ouvindo e observando, e em vez de ajudar, cuspiu na água, olhando fixamente nos olhos da moça, esboçando no rosto juvenil um sorriso sutil e feliz. Suas duas outras vítimas tiveram a mesma reação. A mãe esqueceu do seu filho; a moça devota esqueceu de seu Deus e mesmo com todas as saídas propositalmente facilitadas, não seria impedida se quisesse fugir, mesmo assim, ela aquiesceu e deixou-se morrer, mas a moça que encontrou seu amor verdadeiro, todo dia recomeçava, na escuridão da cela úmida e infecta, ao som do badalo de um sino que todo dia, as mesmas horas, tocava o refrão de uma canção. Para não morrer de tristeza naquele lugar, a moça se agarrou a poesia desses instantes breves e mágicos, repletos de luz; ao soar do sino ela sabia exatamente o dia e a hora em que estava e acompanhava o badalo com sua voz fraquinha, baixinha, quase um murmúrio... Ela não se perdeu, nem esqueceu o seu amor... encheu de luz a escuridão e todo dia recordava a si mesma, todo dia recomeçava nem que fosse na solidão agonizante de uma espera longa e mortal.
Hummmmm..... depois de ler o que escrevi, eu deveria me “tocar”, não? Recomece, minha senhora, recomece... é tempo ainda... e tens muitos motivos, não citarei cada um, para continuares viva. Enche de luz a escuridão e recomeças a contar a tua própria história, nem que sejas tu, a única ouvinte.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

"PASSOU... PASSARÁ"


Lá estava a velha árvore tombada no chão, as raízes à mostra, folhas espalhadas, e uma flor, tímida, que jamais se tornaria fruto. Os galhos, secos e retorcidos, alguns partidos, davam ao meu velho quintal um aspecto ligeiramente sombrio. O sol já declinava, e o lento cair do escuro da noite ajudavam a dar ao lugar uma maior e triste impressão. Ainda podia-se ver, de forma nítida, as letras A e S gravadas dentro de um coração desenhado no tronco... Meu Deus... há quanto tempo? Os amores vêm.... os amores vão... os amores permanecem... para sempre, há uma eternidade para cada situação. Um aperto no coração, uma saudade doída, sofrida... e a árvore tombada no chão lembrava-me e ao mesmo tempo, me devolvia toda a minha infância e juventude misturada a uma grande dose de desilusão ... mas, a pouca luz do fim de tarde, que insistia em não desvanecer-se, clareou-me o escuro que ameaçava se fazer por dentro de mim e de súbito a calma e a docilidade das coisas que me rodeavam me encheram de compaixão.
O céu continuava branco, de uma brancura incomum, carregado de nuvens, porém a melancolia cedeu a uma ternura sem fim e nem a saudade “não –sei –de –quê”, estranho sentimento, teve o poder de expulsá-la ... Respirei fundo e afastei-me do quintal... logo se fez noite de vez, mas, só do lado de fora... não dentro de mim.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

UMA VELHA SENHORA


Hoje, por uns breves momentos, me esqueci de ti!
Encontrei pela manhã uma velha senhora, antiga vizinha de meus tempos de infância. Perguntou como eu estava, iniciando, deste modo, uma conversação que me provocou alívio, ternura e compaixão.
Ela é uma mulher forte e sábia, tornou-se assim por causa das dificuldades que teve de enfrentar ao longo da vida, para muitas pessoas a vida é realmente difícil, mas, segue em frente, contente de si e do mundo. Possuí uma grande família, porém, sabe que é só, sabe ser só.
Falamos da brevidade da vida, de como ela se apaga num abrir e fechar de olhos.
Foi uma linda manhã, e por uns breves momentos, me esqueci de ti, esqueci de mim!
Alguém que conheço está à morte. Ela sofre nesta linda manhã, ela sofre na beleza da tarde, ela sofre ao cair da noite; está tão magra e não tem mais forças para lidar com a doença que lhe consome, entretanto, ainda se apega a um resto de vida, que aos poucos se esvai, tal qual um relógio de areia que verte seus últimos grãos.
Estava começando a ficar deprimida, quando hoje, logo pela manhã, esta velha senhora me devolveu a irmandade das coisas.
Falamos da vida, da morte, falamos de seu filho morto, de meu pai morto, e de como eles continuam vivos na lembrança; sabemos que estão bem, sabemos com o coração, e por uns breves momentos, me esqueci de ti, esqueci de mim!
Olhei para o céu e pensei que talvez não fosse tão triste morrer num dia lindo tão lindo assim.

terça-feira, 13 de maio de 2008

O SAMBISTA


O sambista e suas roupas coloridas.Cor de céu, cor de mar, cor de melancia partida.A pele negra, retinta, brilha como o sol! Sol negro,
negro sol que a todos aquece com seu calor.
Girando, girando, em passos cadenciados.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

HISTÓRIA ALEGÓRICA-AMOR DE MÃE, AMOR DIVINO [1]


Lá vem Maria, remando em sua canoa para lavar a roupa às margens murmurantes do rio.
Maria não vem só. Traz ao colo o seu bebê, que adormece no doce balanço.
Todo o dia é assim, pois Maria, mãe amorosa, não descuida do menininho.
Chegando à margem, atraca a canoa num velho tronco de árvore, e com paciência começa a labuta.
Por um instante, ela sai da canoa e não percebe que o laço, dado com tanto cuidado no velho tronco, desfaz-se, e aos poucos a canoa se afasta, levando o menino.
Na canoa, o pequeno acorda e olha curioso para o espelho de água escura e ao ver de dentro dela saltar um peixe de escamas brilhantes, tenta pegá-lo com as mãozinhas rechonchudas. Porém, o peixe mágico mergulha de volta para a água e o pequeno, fazendo beiço, mergulha atrás do “brinquedo”.
O menino ainda não sabe nadar e em seu desespero bate os braços e as pernas.
Maria está paralisada!
''Depressa, Maria, acode. A água é forte e para longe leva o teu rebento''.
A canoa, cada vez mais distante, e a criança bem-amada rolando, rolando pela superfície da água. Como ela desejava estar naquela canoa...
''Anda Maria, o tempo passa...''
E Maria, angustiada, se atira dentro d'água; nada, nada, nada! Finalmente, alcança o seu bebê, trazendo-o são e salvo de volta às margens do rio, e então, sentindo-se segura, descobre o seio e o alimenta com seu leite, apertando-o com amor e alívio de encontro ao peito.

***
[1] Inspirado em História Alegórica, Farid ud-Din Attar; O Parlamento dos Pássaros, Attar Editorial .

sábado, 10 de maio de 2008

MÃE


Mãe! Em teu regaço deito minha cabeça, descansando das tarefas de um árduo dia de trabalho. Sim, árduo, pois cada dia é uma batalha travada no campo íntimo de nosso ser e nas ruas da cidade.
Procuro esquecer das dores do mundo, quando ao teu lado me sento para conversar amenidades, saber se vovó passa bem, ou mesmo ainda no ato infantil de apanhar as goiabas maduras, naquele velho pé de goiabeira no fundo do quintal. É! É um velho pé de goiaba que teima em manter-se vivo apesar dos maus tratos do tempo.
Queixo-me muitas vezes de teu mau humor, das preocupações excessivas, e dos resmungos de impaciência quando encontras as coisas fora de lugar, ao falar das incompreensões de teus filhos e do quanto gostarias que fossem diferentes.
Mas, logo tudo passa e aquela mágoa, antes tão doída, transmuda-se numa sensação de paz diante de teu sorriso, e com calma, retomo meu processo de libertação, no qual me ajudas sem saber, talvez até o saibas e finges que não sabes para não me amedrontar e assim eu poder firmar meus passos.
Sou novamente um bebê aprendendo a andar e sinto muito medo, mas quando isso acontece, corro de volta para casa e em teu regaço deito minha cabeça, descansando das tarefas de um árduo dia de trabalho, procurando esquecer das dores do mundo.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

REFLEXÕES DE UMA ALIENIGENA SOBRE O INTRIGANTE COMPORTAMENTO DOS SERES HUMANOS PARTE IV



Bom... me desculpem, mas a velha depressão voltou. As férias na lua não foram o sossego esperado, como antes... Há muito lixo à deriva no espaço (tive que me desviar de uma porção)e há terráqueo e máquinas demais indo para lá e para cá Universo afora, afim de descobrir os seus "mistérios insondáveis". Assim, estou novamente no “olho do furacão”, de volta à Terra, solidária em espírito, já que não posso estar lá, em carne e osso, ao povo de Mianmar, antiga Birmânia, no Sudeste Asiático, conhecida também como “terra dos templos”, que, além da recente devastação provocada pela natureza, sofre ainda o descaso das autoridades, uma junta militar ditatorial desumana, que governa o país e impede que a ajuda das nações estrangeiras chegue ao povo mais rápido, bloqueando o acesso, inclusive de funcionários da ONU - Organizações das Nações Unidas.
Há uma loucura generalizada tomando conta da Terra... pervertendo as mentes, deixando o mundo de pernas para o ar... e a banalidade toma conta de tudo. Por todos os quatro cantos, perigo, guerra, destruição, violência, morte e dor... nem as crianças são poupadas, em nenhum sentido... lágrimas incessantes que descem dos olhos de quem fita o ar, o rio ou o mar... lágrimas incessantes de quem não tem a proteção, nem o consolo dos seus, e que vive inseguro e infeliz dentro de seu próprio lar... realmente algo não vai bem por sobre a superfície do planeta, já disse isso antes, estou sendo repetitiva... Os monstros dizem que não são monstros, pois, aparentemente, sob a aparência humana, invertem situações e expressões, querendo, tentando enganar aos que ainda possuem alguma sanidade e bom senso (como podem ver, nós, os E.Ts, não somos os únicos a recorrerem a este estratagema). Portanto, cuidando com o que você pensa, cuidado com o que você diz, cuidado com quem você anda e principalmente, cuidado, mas muito cuidado mesmo com o que você deseja. Desejos costumam se realizarem das formas mais inesperadas e muitas vezes, de um jeito tão surpreendente, que chegam a deixarem arrependidos aqueles que o desejaram tão ardentemente,pois acabam soando como um castigo, um “karma” a ser pago... um favor a ser cobrado...
Aqui, no lugar onde moro, na vasta e cobiçada, região Amazônica, “celeiro do mundo”, chove muito, chove sem parar... Agora mesmo, por exemplo, está chovendo. De vez em sempre, as casas são arrasadas pelas chuvas torrenciais e as pessoas perdem tudo, até a vida. Embarcações lotadas que navegam pelos rios caudalosos, vão a pique com uma facilidade inacreditável. De uns anos para cá, tais “acidentes” têm sido bastante comuns, o que não deveriam ser. Das noticias do dia a dia, de dez, nove são pura tragédia, sobra uma para te dar algum conforto, assim como a sensação de que nem tudo está perdido, e o sentimento de que o que é bom existe, o “normal” acontece, e o impossível é possível.Como a tocante história do taxista que devolveu a um músico distraído,o seu instrumento, um Stradivarius avaliado em seis milhões de reais, esquecido no assento de seu carro. Infelizmente, estou numa fase em que não consigo apreciar o romantismo das coisas... não vejo graça nem beleza no tamborilar da chuva, não me enche de paz e leveza o pôr do sol, não me enchem de esperanças as boas atitudes... Não pensem que, apesar de mim e desse meu pessimimo, nada está sendo feito a respeito dos problemas humanos... Não... os sábios guardiões, zeladores incansáveis do bem e da evolução consciente que é oferecida ao seres, estão sempre atentos a cada detalhe... Há um chamado para que os humanos olhem e busquem a si mesmo, um chamado que quase sempre é ouvido, mas, propositalmente ignorado pela mioria, seja por descuido, seja por excesso de orgulho ou ignorância. Eu, embora sofra em meu mal-estar costumeiro,ainda assim procuro fazer algo a respeito... Talvez eu deva trocar meus óculos ou então mudar a posição usual pela qual vigio/avisto o planeta. Acho que uma cibercadeira giratória, na verdade, me cairia muito bem...

quinta-feira, 8 de maio de 2008

DESOLAÇÃO



Guardarei o amor. Guardarei a saudade. Guardarei a dor...
No silêncio da noite, procuro me recompor e diante da tv esqueço-me de você.
O tempo vai passando. As crianças vão crescendo. E eu, aos poucos, vou morrendo...
É necessário que assim seja. Para que o pranto não perdure e o encanto não desvaneça.

***

Na ponta de uma caneta um pálido sentido; do impossível que insiste em ser dito.
Na televisão, as notícias de todo dia. Cansaço. Há no cotidiano um quê de desengano.
A chuva miúda cai lentamente e meus pensamentos se dispersam na estranha quietude de um tedioso fim de tarde.
O silêncio é o morador constante desta casa. Indisponho-me com a vida, mergulhando num louco sentimento de saudade de momentos não vividos.

***

Mas um dia se passa e eu aqui, de pé, à janela do meu quarto. Não há cantos de pássaros; nem de cigarras; não há murmúrio de vento em meio às árvores.
Desolação!
O silêncio que paira sobre a tarde só é cortado pelos arrufos de impaciência do homem que chega e se deita, inconsolável.
Logo a noite cai e então, o simples gesto de fechar a janela, pesa-me imensamente. Por fim a fecho e ela se fecha sobre mim como a tampa de um túmulo e tal qual um moribundo, dirijo-me à cama e deito-me também.

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...