A estação estava ali há muito tempo, há tanto tempo que o povo já nem a notava mais. A cidade crescera ao seu redor, e ela acolheu-a, feito uma mãe protetora.
Todo dia, na pressa de tomarem o trem, nas tarefas do cotidiano, poucos reparavam na monumental beleza de suas estruturas ou no grande relógio que marcava o lento / veloz passar das horas.
A vida, com todos os seus dramas e comédias, era em grande parte, encenada ali, tendo como palco a barulhenta plataforma ou as amplas galerias.
Nas paredes, cartazes com anúncios de filme, teatro ou qualquer outro tipo de propaganda, despertavam na mente uma outra memória. Personagens dentro de personagens... mas que em nada diferiam uns dos outros, e, que, na maior parte do tempo, pensam e agem de forma igual uns aos outros, sem darem-se conta, achando, enfim, que são, ou estão, agindo de um modo diferente... desvios de pensamento, desvios de conduta, que os impedem de fazer bom uso de qualquer coisa, inclusive das coisas que entendem ou pensam entender. Fingem e esquecem que estão fingindo, e assim podem negar tudo conscientemente, sem culpa.
Por ali se via de tudo, toda esta gente, todos estes seres, simulacros de si mesmos: os assustados, os arrogantes que nunca reconheciam sua própria arrogância; homens e mulheres de negócios, que adoram chamar por outros nomes seu egoísmo e ambição; os apaixonados e os iludidos, que depositam no amante ou no objeto de sua paixão ou ilusão, suas maiores perspectivas, os tolos e os ignorantes, que com o passar do tempo tornam-se mais tolos ainda, os fracos, os suicidas, descrentes de si mesmos e da vida, não poucos já se lançaram em seus trilhos... os loucos furiosos, que escondem sob uma aparente calma, todo o seu ódio mortal ao mundo e a todas as coisas... os sem-teto, os sonhadores, os bandidos, os facínoras... os doentes da alma, da cabeça e do coração, e a estação, como uma mãe, aceita a todos, sem distinção.
Mas, logo os dignitários da cidade pensaram em pô-la abaixo.... a estação já dera o que tinha de dar, afinal “o progresso caminha a passos largos”. Nem levaram em conta o tempo de serviços prestados, nem sua orgulhosa beleza antiga... para eles era apenas um prédio velho, de paredes gastas e escurecidas, precisando urgentemente de reparos.
Começaram pelos portões... pesados portões de ferro, cheios de história... Quando a primeira parte do prédio caiu, ninguém do povo protestou, mas, o barulho da queda, ecoou em suas mentes e seus corações e debaixo dos escombros, sob as camadas cinzentas que há muito se pregaram nas paredes; viram uma outra parede, de um reluzente mármore rosa, tão belo, tão singelo...
De repente, deram-se conta do que fizeram; um prédio carregado de vida e memória não poderia ser destruído dessa forma e então os protestos vieram de todas as partes... e os dignitários, os “manda-chuvas”, foram obrigados a pararem com a demolição e o velho e o novo se misturaram na estação, sempre sob o passar lento / veloz passar das horas... mas, algo na estação estava diferente e com alegria ou pesar, se dirigia a ela, a gente do povo da cidade... pois agora, alguns, quando lá entravam, parece que despertavam de um sono agitado.
Algumas vezes, encontravam-se em meio a situações que lhe davam sensações de “deja-vu”. Outros viam-se a si mesmos, como em um espelho de dois lados, outros ainda perdiam-se em conversas com fantasmas do passado que por um momento, tornavam-se vivos e presentes, ou então eles é que se transportavam do presente ao passado ou ao futuro e viam-se jovens demais ou velhos demais ou, eram eles os fantasmas.... uma espécie de encontros às avessas consigo mesmo; na estação, passado, presente e futuro se confundiam... eram um...
Àqueles que descobriam uma forma de adentrar e desfazer esse mistério, acabavam por obter o controle da própria vida, mas os que não conseguiam ficavam nas sombras de suas ruínas, no limiar do passado e do presente, sem expectativas do futuro, e cegos, sem descobrirem uma direção, acabavam nos trilhos... e havia os que faziam da estação um local de culto e da feita que entravam custavam a sair, e muitos nunca saiam.
O trem esperava o tempo necessário e quando partia deixava nos desesperados, nos vorazes, a sensação de desengano, e eles buscavam ir para bem longe da estação para não ter que ouvir o apito do trem, pois quando parasse e abrisse suas portas, sabiam que não poderiam entrar e partir, já que sempre estavam adiantados demais ou atrasados demais. Por causa disso, estes eram a favor de se continuar com a demolição, a estação precisava ter fim... Mas a estação não atendia a ambição dos seres comuns e desgovernados, e assim continuou em seu lugar, como uma mãe, obedecendo a propósitos que a poucos eram dados a conhecer...
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