INTRODUÇÃO
Do livro Bairro de São Geraldo – Uma História em Duas Conjugações ; Passado e Presente; de Virgínia Allan; Edições Muiraquitã
Sob o manto protetor, e revelador, da memória iniciei a história do bairro de São Geraldo, uma historia que enfim é também a minha historia. Delírios à parte; procurei ressaltar aquilo que deu vida e motivou o bairro, levando-o a crescer e projetar-se como um lugar de tradições ocultas e esquecidas quando no florescer da comunidade, aqui reinavam os santos e orixás que desciam a se manifestar ao chamado dos tambores que aconteciam durante as festas do batuque.
Num tempo de mata fechada, sob o assobio do vento, em que abundavam as árvores e palmeiras gigantes e nascentes de rio, o brinquedo “predileto” da curuminzada, (embora não faltassem cantigas de roda, roda-pião, peteca, bolinhas de gude, manja-esconde, pelada e outros folguedos populares) era fugir mundo afora, mundo este sabido e conhecido como a palma da mão, cruzar não só o bairro, mas quase Manaus inteira, num desbravar cotidiano que, talvez, só fosse comum aos primeiros bandeirantes.
Não saí à cata de aventura, a condição feminina assim não o permitia, mas, meus amigos, vizinhos e irmãos, pularam a cerca, entraram e saíram de becos, subiram e desceram ladeiras, tomaram banho e pescaram nos rios e igarapés e roubaram frutos dos quintais alheios... Apossei-me de suas memórias e misturei-as as minhas, e numa espécie de alquimia espiritual, tentei trazer a luz este tempo de “perigo” feliz, soprando para longe a inútil poeira que se deita preguiçosamente sobre as lembranças adormecidas, chamada esquecimento.
LOCALIZAÇÃO
Entre as avenidas Constantino Nery (João Coelho) e a Djalma Batista (Cláudio Mesquita) zona Centro-Sul, encontra-se o bairro de São Geraldo, outrora conhecido como bairro dos Bilhares graças a um estabelecimento, pertencente ao barão Floresta Barros, que tinha no jogo de bilhar a sua maior atração. Principalmente aos domingos e feriados era grande a concentração dos aficionados deste jogo. Porém, nem só de jogo de bilhar vivia a casa, lá também se explorava a venda de vinhos e diversas outras bebidas alcoólicas. Isto se deu na primeira metade do século XX, idos de 1914, quando a cidade de Manaus ainda seguia morosamente no compasso do bonde e calejava os pés nas poeirentas estradas de piçarra. Mas, pelos estudos do respeitável professor Mário Ypiranga Monteiro, as famílias dos notáveis possuíam tilburis [1], berlindas [2], landoletes [3], charretes [4], seges [5] de uma parelha e os automóveis Ford.
O acesso ao bairro dos Bilhares, portanto, que distava em demasia do centro urbano, nem parecia ser tão difícil para muitos de seus freqüentadores já que não era tão incomum assim quanto pensávamos o trânsito feito através de veículos motorizados.
Muito antes disso, lá pelos idos de 1893, a Companhia de Transporte Villa Brandão fazia com seus bondes o percurso do Mercado Público até a antiga fonte de abastecimento de água da cidade, a Cachoeira Grande; construída em 1888; que ficava bem no inicio do que é hoje o bairro de São Jorge.
O longo trecho percorrido pelos bondes pela estrada da Cachoeira Grande corresponde atualmente à avenida Constantino Nery e uma boa parte da atual avenida Djalma Batista.
O bairro, que teve seu nome mudado para São Geraldo na segunda metade do século XX, por influência dos padres Redentoristas que por aqui estavam em missão, possui uma área de 104 hectares e faz divisa com os bairros Presidente Vargas (Matinha), Chapada, Nossa Senhora das Graças (Beco do Macedo) e Centro. É separado do bairro de São Raimundo e São Jorge pelo igarapé do Mindu (que ao longo do seu curso recebe muitos outros nomes, inclusive igarapé do Pico, que fazia a alegria da garotada, originando-se daí o nome da rua Pico das Águas) tendo como principais vias de acesso as avenidas Constantino Nery, Djalma Batista, parte da rua Pará assim como parte da rua João Valério, no conjunto Vieiralves (Nossa Senhora das Graças).
No local onde hoje se ergue o moderno Shopping Millenium Center, no agradável recém-construído Parque dos Bilhares, havia outrora uma pedreira e um balneário (que esteve ativo até meados dos anos 70) conhecido por “Verônica”. Aliás, tanto o balneário quanto a ponte que liga o bairro de São Geraldo ao bairro da Chapada, deve seu nome a um prostíbulo, o famigerado “Cabaret da Verônica” (atual Bom Futuro).
Na memória dos moradores há o Moinho Amazonas, (a lembrança do cheiro do café torrado e moído é inesquecível) e uma velha olaria, no fim da rua Pico das Águas.
Um comentário:
Foi uma viagem ler esse texto.
Lindo... gostoso... nostálgico.
A vida é engraçada, não é, Virgínia?
A gente sente saudade, do que causa saudade nos outros.
Um grande abraço.
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