Nota: O poeta Jalaludin Rumi possui um poema intitulado A HOSPEDARIA, uma vez já publicado neste blog. Para evitar qualquer confusão, este poema, O HÓSPEDE, é de minha autoria, Virgínia Allan, e por ele deixo claro de onde tiro minha inspiração para certos temas.
Uma crônicazinha bêsta, chorosa/chuvosa. Poderão vocês, amigos leitores, ponderarem e dizerem: "Iiiihhh... lá vem ela nos encher os ouvidos outra vez sobre as melancolias de um dia de chuva". Talvez tenham razão, mas por mais que eu me repita, gosto de falar sobre o que me rodeia... mesmo que provoque em alguns a sensação de "deja-vu" ou até mesmo soe banal. Banais são todas as coisas, raras fogem dessa constatação. Falar da chuva, para mim, é falar de um pranto entrecortado de tristezas e alegrias. O céu chora, a humanidade chora. A chuva é o pranto da natureza e da humanidade, ainda tão perdida de si. Choram ambos, juntos, por vários motivos, a chuva é "uma crônica" de mortes e ressurreições anunciadas e andar sob ela nos dá uma incrível sensação de bem-estar... (outra vez, não vou generalizar, tem quem não goste) entretanto, falando do meu ponto de vista, é um prazer caminhar debaixo de um céu acinzentado, sob uma chuva torrencial, sem pensar em nada, sem o perigo de raios ou barulho de trovão pra nos assustar. Somente a chuva, grossa e benfazeja, lavando... levando tudo... desde alma (no caso, a minha) às mazelas físicas da cidade, o vento ventando, vergando os galhos das pouquissmas árvores que ainda resistem de pé, desafiando o tempo. Alguns inconvenientes porém, fazem-nos muitas vezes, desistir desse privilégio pois as ruas, mal pavimentadas com as calçadas quebradas, e sem um sistema de escoamento adequado, tornam-se verdadeiras piscinas rasas de águas sujas (em minha opinião creio sermos um pouco assim, que nem essas ruas inundadas quanto as nossas questões intimas que costumamos chamar de problemas...) Assim, os carros passam, os ônibus passam e alguns, de forma proposital, ou te atropelam (eu quase fui) ou te dão outro banho, desta vez com a água da rua/piscina contaminada por toda espécie de detritos. Ao sair de casa, peguei um guarda-chuva, objeto execrável, mas necessário nesse momento, já que estava a caminho da escola pra buscar minha filha, a proteção era para ela, não para mim... mas, meu guarda-chuva, o bendito guarda-chuva, não nos guardou de nada... Mal sai e com a força do vento, virou do avesso e o vento era tão forte que entortou-lhe o esqueleto... humm... não se fazem mais guarda-chuvas como antigamente. Hoje em dia, são objetos como tantos outros, sem cabo de madeira trabalhada ou marfim, são totalmente descartáveis... basta sair na chuva uma vez, no máximo três... pronto... era uma vez... Bom, não faz mal... “ossos do oficio”, “quem está na chuva é pra se molhar” e eu praticamente, devido às circunstâncias, fui “obrigada” a isso, mas a verdade, é preciso dizer, que, andar na chuva requer todo um preparo, um despojamento físico, espiritual e mental. Andar na chuva, não é mesmo pra qualquer um, fiquem, portanto, aqueles que tremem/temem molhar a roupa, borrar a maquiagem, atrasar em seus compromissos, que se quedem a perder o tempo, ilusoriamente protegidos debaixo de marquises ou dentro de prédios e casas, esperando pela hora da chuva passar... Minha filha e eu vamos prosseguindo, livres, leves e soltas em nosso caminho, pela manhã chuvosa, sem nos deter nos contratempos, pois sabemos muito bem que temos muita sorte e tempo de sobra; nossa única preocupação é chegarmos logo em casa e “quem vai pra casa”, como bem diz o ditado, “não se molha”.
Quando ao eterno uniu-se, ao despertar de um sono intranqüilo,
restou-lhe somente a vaga sensação
de que um dia, como homem, lançado ao abismo
criou asas e voando a alturas nunca d’antes imaginadas
viu a face de Deus e dos anjos
<3
Dante e Vigílio nos portões do Inferno
Gravura para A Divina Comédia (Dante Alighieri)
Por: William Blake
***
[2]
ARGUMENTO
As Núpcias do Céu e do Inferno, William Blake, Tradução: Oswaldino Marques; Editora Francisco Alves
Rintrah ruge & brande seus fogos no ar carregado;
Nuvens famintas aluem-se sobre o abismo.
Outrora cheio de cordura, numa trilha arriscada,
O justo não se desviou do seu curso 5
Ao longo do vale da morte.
Onde crescem espinhos são plantadas as rosas,
E na charneca maninha
Cantam as abelhas inventoras do mel.
Depois, a vereda perigosa foi semeada
E fluiu um rio, uma fonte, 10
Em cada penhasco e sepultura;
E sobre os ossos alvacentos
Vingou a argila vermelha;
Até que o iníquo abandonou as vias da bonança,
Para palmilhar sendas inseguras 15
E tanger o justo a áridas plagas.
Agora a furtiva serpente caminha
Em suave humildade,
E o justo exaspera-se nos desertos
Onde vagueiam leões. 20
Rintrah ruge & brande seus fogos no ar carregado;
Nuvens famintas aluem-se sobre o abismo. 22
[3] Pois que um novo céu há começado, e faz agora trinta e três anos do seu advento, o inferno Perpétuo revive. E, olhai! Swedenborg é o Anjo sentado na tumba; seus escritos são a roupa branca bem dobrada. Agora é a dominação do Edon & o regresso de Adão ao Paraíso: vede Isaías, caps. XXXIV & XXXV.
Sem Contrários não há qualquer progresso. A Atração e a Repulsão, a Razão e a Energia, o Amor e o Ódio são necessários à existência Humana.
Destes contrários deriva o que os religiosos chamam de Bem & Mal. O Bem, segundo eles, é o ente passivo que obedece a Razão. O Mal é o ativo que brota da Energia.
Dizem que o lar de um homem é onde está seu coração. Mas onde está meu coração? Já não sei... Porém, de onde estou posso ver o céu... melancólico, tristonho... Nenhum vestígio de sol, nenhuma prece a se estender sobre o veludo azul celeste, agora acinzentado, em que passam nuvens arrastadas, carregadas d’água...Tudo me parece velado, distante, estranho... quase um sonho e sinto a tristeza a pairar no espaço feito grande pássaro agoniado de asas largas, abertas, medonhas, infinitas... tão sombrias... a acolher ao seio os contos desfeitos e as agruras comprimidas de mais um dia. "Dois pesos, duas medidas"... lida cotidiana... leviana. Impressiona-me o silencio! Não mais ouço a tua voz... E longe vai a ânsia de te encontrar, sobrevoar o porto, cruzar o mar e descansar no cimo do monte bem perto de teu olhar. Deixar na curva do rio o cansaço, também o rosário e a oração que desfiava em horas de aflição. Absorto em meu pensar, procuro ar... um relâmpago corta devagar a amplidão do céu, entorpece-me a escuridão... sinto olhos a me observarem no escuro, tenho estranhas sensações, fantasmagóricas visões... Porém, imperturbável, deito minha cabeça no travesseiro e durmo o sono dos justos. Meus pecados vão ficando pelo caminho minhas faltas, aceito-as, como prerrogativa de redenção.