Do livro Masnavi de Jalaluddin Rumi; Edições Dervish
Tradução: Mônica Udler Cromberg/Ana Maria Sarda
Escuta a flauta de bambu, como se queixa,
Lamentando seu desterro: “Desde que me separaram de minha raíz,
Minhas notas queixosas arrancam lágrimas de homens e mulheres.
Meu peito se rompe, lutando para libertar meus suspiros,
E expressar os acessos de saudade de meu lugar.
Aquele que mora longe de sua casa
Está sempre ansiando pelo dia em que há de voltar.
Ouve-se meu lamento por toda a gente,
Em harmonia com os que se alegram e os que choram.
Cada um interpreta minhas notas de acordo com seus sentimentos,
Mas ninguém penetra os segredos de meu coração.
Meus segredos não destoam de minhas notas queixosas,
E, no entanto, não se manifestam ao olho e ao ouvido sensual.
Nenhum véu esconde o corpo da alma, nem a alma do corpo,
Mas, não obstante, homem algum jamais viu a alma.”
O lamento da flauta é fogo, e não puro ar.
Que aquele que carece desse fogo seja tido como morto!
É o fogo do amor que inspira a flauta,
É o amor que fermenta o vinho.
A flauta é confidente dos amantes infelízes;
Sim, sua melodia desnuda meus segredos mais íntimos.
Quem viu veneno e antídoto como a flauta?
Quem viu consolador gentil como a flauta?
A flauta conta a história do caminho, manchado de sangue, do amor,
Conta a história das penas de amor de Majnun
Ninguém sabe desses sentimentos senão aquele que está louco,
Como um ouvido que se inclina aos sussurros da língua.
De pena, meus dias são trabalho e dor,
Meus dias passam de mãos dadas com a angústia
E, todavia, se meus dias se esvaem assim, não importa,
Faz tua vontade, ó Puro Incomparável!
Mas quem não é peixe logo se cansa da água;
E àqueles a quem falta o pão de cada dia, o dia parece muito longo;
Portanto o “Verde” não compreende o estado do “Maduro”,
Eis que cabe a mim abreviar meu discurso.
Levanta-te, ó filho! Rompe tuas cadeias e sê livre!
Quanto tempo serás cativo da prata e do ouro?
Embora despejes o oceano em teu cântaro,
Este não pode conter mais que a provisão de um dia.
O cântaro do desejo do ávido nunca se enche,
A ostra não se enche de pérolas até a saciedade;
Somente aquele cuja veste foi rasgada pela violência do amor
Está inteiramente puro, livre de avidez e de pecado.
A ti entoamos louvores, ó Amor, doce loucura!
Tu que curas todas as nossas enfermidades!
Que és médico de nosso orgulho e presunção!
Tu que és nosso Platão e nosso Galeno
O amor eleva aos céus nossos corpos terrenos,
E faz até os montes dançarem de alegria!
Ó amante, foi o amor que deu vida ao Monte Sinai,
Quando “o monte estremeceu e Moisés perdeu os sentidos.”
Se meu amado apenas me tocasse com seus lábios,
Também eu, como a flauta, romperia em melodias.
Mas aquele que se aparta dos que falam sua língua,
Ainda que tenha cem vozes, é forçosamente mudo.
Depois que a rosa perde a cor e o jardim fenece,
Não se ouve mais a canção do rouxinol.
O Amado é tudo em tudo, o amante, apenas seu véu;
Só o Amado é que vive, o amante é coisa morta.
Quando o amante não sente mais as esporas do Amor,
Ele é como um pássaro que perdeu as asas.
Ai! Como posso manter os sentidos,
Quando o Amado não mostra a luz de Seu semblante?
O Amor quer ver seu segredo revelado,
Pois se o espelho não reflete, de que servirá?
Sabes por que teu espelho não reflete?
Porque a ferrugem não foi retirada de sua face.
Fosse ele purificado de toda ferrugem e mácula,
Refletiria o brilho do Sol de Deus.