Em tempos de Carnaval, prefiro escutar um blues... há irrealidade nesta festa profana, há tristeza profunda nesta “alegria barata”. Billie Holliday me invade os ouvidos, enquanto o vizinho ao lado escuta uma velha marchinha... bom, meus vizinhos são das antigas e ainda brincam o Carnaval de um modo antigo, mas prefiro a tristeza intraduzível, desprovida de máscaras de minha querida Billie... não estranhem se pareço intimo assim... me sinto intimo, um membro da grande família do Blues. Carnaval nunca me deu sossego... é barulho pra todo lado e não consigo me afastar de toda essa bagunça... não dá... faz parte de nossa cultura, faz parte de nossa história... Hum, devo admitir, faz parte de mim, mas eu, como “bicho” urbano, não agüento a solidão de um sitio afastado. Pobre de mim... Fico assim... Nem lá nem cá... Aproveito para escrever e ler... em momentos de descuido, mergulho em breves devaneios... Meus devaneios, às vezes, são temáticos e como estamos no Carnaval, viajo de volta a um passado romântico, onde os personagens estão sempre felizes. É Carnaval, não pode ser diferente e esta alegria é real, embora brote de um sonho. Na minha passarela desfilam as belas morenas, os passistas de outrora, o imenso Rei Momo, Chiquinha Gonzaga, com seu “Abre Alas”, Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola e toda a Velha Guarda da Mangueira, Adoniran Barbosa, Lamartine Babo, Ary Barroso, Carmem Miranda... e há também “o pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau”; a loirinha dos olhos claros de cristal”... “a nêga maluca”... e por aí afora, são tantos brincantes importantes... e há, ainda os carros enfeitados, o folião misterioso sob a Máscara Negra, o Arlequin desencantado, a Columbina ingrata e o alegre Pierrot e “é tanto riso, tanta alegria, mas de mil palhaços no salão”... Contudo, embora sejam belíssimas histórias, hoje não vou junto neste compasso... vão eles passando, desfilando sob uma chuva de confetes e serpentinas, bailando e cantando antigas marchinhas... desfilam ao som das maravilhosas orquestras, do delirante frevo, das barulhentas batucadas... Os sons e os ritmos se misturam, se confundem numa orgia de cores e sabores, afinal é Carnaval... Entretanto, a nostalgia não me abala e permaneço firme, sem vergar a alma e ouço apenas a voz inconfundível de Billie, que me invade os sentidos... Em tempos de Carnaval, prefiro escutar um blues... VAI, ME TOCA UM BLUES.
..
..
Nenhum comentário:
Postar um comentário