Canto 1
É noite... Debaixo de uma chuva fina, um homem caminha solitário; o guarda-chuva, usado como bengala, vai batendo levemente na calçada. O homem segue contente, assobiando uma canção, cortando desse modo, o silêncio ditado pelos caprichos do tempo.
As pessoas, esquecidas desse ato tão singelo e espontâneo, são surpreendidas na noite molhada e melancólica: “Quem é este, que em horas tão mortas caminha como se estivesse sob o sol? Vai contente da vida, indiferente à chuva ou a qualquer outro tormento. Sim. Caminha pelas ruas vazias como se estivesse caminhando sob o sol, num dia qualquer, assobiando uma canção, imensamente feliz”.
O homem que assobia, está cada vez mais distante e agora mal se ouvem seus passos e o “toc;toc” de seu guarda-chuva na calçada; ouve-se apenas a canção assobiada misturada ao monótono ruído da chuva.
De dentro de seu quarto, em uma das casas desta rua deserta, um menino, ao pé da janela, vê o homem passar. O homem o olha por alguns instantes e, com um sorriso compreensivo e um gesto sutil, lhe diz adeus. O menino volta para a cama e puxa para si os macios lençóis. Sob a escura solidão, com um assobio longo e afinado, ele recomeça a canção.
Canto 2
Era uma vez um menino que vivia a vida a assobiar. Já nascera assim, assobiando. Não pensem que assobiava porque não sabia falar. Ele falava, mas não gostava muito; seu negócio mesmo era assobiar. Tinha alma de passarinho, aquele menino. Assobiava de dia, de tarde, de noite. Era a alegria de uns e o desassossego de outros.
Sua mãe, às vezes, cansada de ouvir tanto assobio, o repreendia: “Ô, menino, em vez de ficar fazendo bico, porque não abre essa boca e canta?”.
E o menino, nem um pouco chateado, apenas respondia: “Ah, mãe, ‘quem canta não assobia’...!” E dando-lhe as costas, lá se ia, todo contente, brincar no jardim.
O menino não tinha muitos amigos, pois os outros garotos não entendiam: por que assobiar, se era bem mais fácil falar? E ele, o menino, nem um pouco chateado, tentava explicar: “Ora, falar todo mundo fala; quero ver é assobiar”. Depois, sacudindo os ombros, deixava a roda e lá se ia, todo lampeiro, assobiando de volta para casa.
Mas era tanto o incômodo e o espanto causado por esse seu jeito peculiar de ser, que o menino começou a achar que havia mesmo algo de errado com ele. De repente, desejou ser como os outros; de repente, queria que o vissem como um garoto “normal”.
Assim, tentou imitá-los, abrindo a boca e falando como todo mundo, porém, nem sempre dava certo: o danado do assobio escapava nos momentos mais inoportunos, e tinha sempre alguém mal-humorado que, xingando e resmungando, mandava-o parar; outros não suportavam nem a sua presença e “delicadamente” pediam-lhe para se retirar. Mas o pior mesmo acontecia quando passava uma moça bonita... um longo “fiuuuuuuuuu fiuuuuuuuuuu” feria profundamente os ouvidos dos mais “sensíveis”, irados com o incrível desrespeito e uma absurda conduta. Por causa disso, cansou de levar cascudo e de ser chamado de tudo, (menos pelo seu nome verdadeiro, é claro); era um tal de bico doce pra cá; flauta ambulante pra lá; curió bom de bico...).
O menino sentia-se confuso, e uma grande sensação de inutilidade dominou-o totalmente. Com os olhos do desencanto, passou a ver seu futuro e um grande temor se apossou de seu coração.
Certa vez, em uma dessas ocasiões em que nada dava certo, o menino sentou-se à sombra de uma árvore, um velho salgueiro chorão, plantada no jardim por seu avô. Lá no alto, um pássaro cantou; o vento passou, mas o menino permaneceu imóvel, contemplando as folhas que caíam. Mansamente rodopiando, ora para cima, ora para baixo, uma dessas folhas veio parar em suas mãos. Ele olhou-a com curiosidade, examinando-a de trás pra frente e de frente pra trás. Seria uma folha igual às outras, se não fosse pelo cheiro delicioso e pelas linhas que formavam um desenho estranho. Inesperadamente, do desenho, saiu uma luz que, girando em círculos, tudo iluminou.
O menino fechou os olhos que haviam começado a arder, ofuscados pela luz, mas, ao tornar a abri-los não viu mais nada, nem a si mesmo. Ele não podia ver, mas seu corpo inteiro brilhava intensamente. Então, o menino, de repente, sentiu-se leve como uma pena. Pairava no ar? Estaria voando... virando pássaro? Ele ouviu uma voz que, a princípio, achou que viesse de alguém que estivesse a poucos passos de distância, mas, na verdade, ela partia das profundezas de sua mente e lhe falava de coisas que ele nunca mais poderia esquecer. A luz girante, num instante apagou-se, e o menino aquietou seu coração. Voltou a enxergar, mas desta vez de uma forma mais perfeita e brilhante. Levantou-se, guardou a folhinha no bolso e voltou a assobiar. Caíra em si; recobrou a alegria e a consciência das coisas e, com o tempo, sem sofrimentos, (para tudo há de se ter equilíbrio), ele aprendeu quando e com quem deveria falar ou assobiar; aprendeu também que a vida é como um desenho que vamos traçando, lentamente, com fios invisíveis.
Os anos passaram e o menino cresceu; virou gente grande, casou, teve filhos e netos e para eles, sempre contava a história da folhinha e de como ela o ajudara a superar suas dificuldades. Só não falava da luz girante e da voz que falara ao pé de seu ouvido. Esta parte da história guardou para si. Também nem precisava. Ele sabia que todos nós, uma vez ou outra, escutamos a tal voz (que alguns chamam de bom senso) e que atendê-la ou ignorá-la é uma decisão que compete a cada um. Ele a atendeu e se deu muito bem. E quando lhe perguntavam onde estava a tal folhinha mágica, ele, assobiando, metia a mão no bolso e pronto! Eis que ela surgia, “novinha em folha”.
Um dia, no outono, às vésperas de completar 100 anos, ele foi dormir e não mais acordou. Em cima do peito, bem junto ao coração, estava a folhinha, que se desfez em pó assim que alguém a segurou. Uma rajada de vento, talvez Zéfiro, o vento do amor, entrou pela janela e, soprando, levou o que ainda restava dela para muito longe, misturando-a com a poeira dos quatro cantos do mundo.
Fato é que a história do menino que gostava de assobiar, com o passar do tempo, se modificou e agora todas contam que certa feita, numa bela tarde de sol; o menino ascendeu aos céus, completamente livre, transformado em passarinho.
Canto 3
Falava-se de um enorme pássaro, cujas asas abertas pairavam soberbas sob o céu. Seu ninho, forrado com as folhas do salgueiro chorão, no alto de um monte inacessível, representava a esperança para os tolos mortais, que na ânsia de alcançá-lo, perdiam-se quase sempre; eles não podiam compreender que, “esperança”, era muito pouco para quem havia sido talhado para a grandeza. Aqueles que tinham a sorte de ouvir seu canto, que soava como o lamento de uma doce flauta, iam além de sua compreensão e a sabedoria tomava lugar em seus corações como uma rainha que retorna ao trono depois de um longo tempo de exílio.
Levado pelo vento, o canto mágico e poderoso, sempre acompanhado pelas folhas do salgueiro, atravessava os céus e os sete oceanos e possuía o dom de despertar a quem estava adormecido. Foi assim que aconteceu com o velho pirata, que após duzentos sonolentos anos acordou bastante faminto. O canto fê-lo lembrar-se de um tesouro que custara muitas vidas pelo caminho. A jornada em sua busca seria comprida e penosa, uma vez que este tesouro se encontrava agora oculto das ambições do mundo, enterrado na ilha mais distante e fantástica que se podia imaginar; e só ele somente ele, sabia que estrada tomar e por onde deveria seguir. Não precisava mais do mapa, pois a folha de salgueiro que acompanhava o canto maravilhoso seria a bússola que lhe guiaria rumo ao seu destino final.
Em certo vilarejo perdido castigado pelo sol, um outro velho, distraído em seu trabalho de lavrador, ouviu o canto e desejou mudar. A melodia era tão linda, que ele, no mesmo instante, resolveu abandonar o campo e perseguir o mais importante: a confecção de um instrumento raro, cujas notas, quando tocadas, fariam balançar os corações mais endurecidos. Antes, isto lhe parecia impossível, mas agora, não. A folha do salgueiro, que viera pousar em seu peito, lhe mostrou um estranho desenho e então ele soube o que era perfeição.
Para os lados onde sopra o frio vento norte, uma nuvem despencou do céu e caiu no mar, e, desta união impensada, nasceu um magnífico animal: um unicórnio mágico, cuja brancura, ao refletir a luz do sol, mostrava a infinita beleza do Universo; sua cauda era uma constelação de estrelas e o seu chifre, sempre apontando para o alto, indicava a presença de um único Deus.
O pobre poeta que não conseguia mais escrever, possuído que estava por uma palavra incompreensível que ouvira certa vez numa rua de Istambul, chorou ao perceber que, subitamente, a palavra que o consumira durante anos, adquiriu significado e a verdade lhe chegou como uma donzela radiante. Então, ele compôs um belo e longo poema, sobre um canto inesquecível e uma folha de salgueiro chorão. O poema era tão belo e distante, que o rei, ao ouvi-lo, mandou que fosse impresso em letras de ouro e espalhado pela cidade. Ficou decretado que todos teriam direito à paz e à celebração do amor e este foi o seu último ato como rei.
Na manhã seguinte um homem nu foi encontrado morto na sala do trono.
Uma mulher grávida sentada perto de uma janela em um fim de tarde, também ouviu cantar o pássaro e desejou que seu menino pudesse entender a sua linguagem. Quando o pequeno nasceu, ela compreendeu que ele teria sabedoria suficiente para adaptar-se ao mundo e não titubear diante das dificuldades, pois ele, de dentro de sua barriga, também o ouvira cantar e sentira em seu rosto o leve roçar da folha do salgueiro que sua querida mãe guardava entre as mãos. Ele falaria e entenderia a linguagem dos pássaros e seria como um rei; seria grande como Salomão, o mais sábio e glorioso de todos os soberanos.
Outras crianças ouviram o pássaro cantar e o seu canto lhes dizia que na solidão de uma noite escura, um menino-rei voou em suas asas, percorrendo, por inteiro, o maravilhoso céu da China, mas eis que uma de suas penas caiu ao chão e desde então, aquele que ouviu dela falar, imaginou um desenho que tomou como verdadeiro em seu coração, portanto não é por acaso que sempre se diz: ‘Busca o conhecimento nem que seja na China’. Porém, o homem foi dominado pelo esquecimento e quanto mais crescia, quanto mais evoluía, mais se esquecia. O desenho impresso em seu coração está agora, quase apagado. Mas dizem, que de tempos em tempos, quando o pássaro canta, os adormecidos; os cansados e os famintos compreendem suas reais necessidades e partem em busca de seu destino, embora saibam bem dentro de seus corações, o quão longa e difícil será a viagem.
É noite... Debaixo de uma chuva fina, um homem caminha solitário; o guarda-chuva, usado como bengala, vai batendo levemente na calçada. O homem segue contente, assobiando uma canção, cortando desse modo, o silêncio ditado pelos caprichos do tempo.
As pessoas, esquecidas desse ato tão singelo e espontâneo, são surpreendidas na noite molhada e melancólica: “Quem é este, que em horas tão mortas caminha como se estivesse sob o sol? Vai contente da vida, indiferente à chuva ou a qualquer outro tormento. Sim. Caminha pelas ruas vazias como se estivesse caminhando sob o sol, num dia qualquer, assobiando uma canção, imensamente feliz”.
O homem que assobia, está cada vez mais distante e agora mal se ouvem seus passos e o “toc;toc” de seu guarda-chuva na calçada; ouve-se apenas a canção assobiada misturada ao monótono ruído da chuva.
De dentro de seu quarto, em uma das casas desta rua deserta, um menino, ao pé da janela, vê o homem passar. O homem o olha por alguns instantes e, com um sorriso compreensivo e um gesto sutil, lhe diz adeus. O menino volta para a cama e puxa para si os macios lençóis. Sob a escura solidão, com um assobio longo e afinado, ele recomeça a canção.
Canto 2
Era uma vez um menino que vivia a vida a assobiar. Já nascera assim, assobiando. Não pensem que assobiava porque não sabia falar. Ele falava, mas não gostava muito; seu negócio mesmo era assobiar. Tinha alma de passarinho, aquele menino. Assobiava de dia, de tarde, de noite. Era a alegria de uns e o desassossego de outros.
Sua mãe, às vezes, cansada de ouvir tanto assobio, o repreendia: “Ô, menino, em vez de ficar fazendo bico, porque não abre essa boca e canta?”.
E o menino, nem um pouco chateado, apenas respondia: “Ah, mãe, ‘quem canta não assobia’...!” E dando-lhe as costas, lá se ia, todo contente, brincar no jardim.
O menino não tinha muitos amigos, pois os outros garotos não entendiam: por que assobiar, se era bem mais fácil falar? E ele, o menino, nem um pouco chateado, tentava explicar: “Ora, falar todo mundo fala; quero ver é assobiar”. Depois, sacudindo os ombros, deixava a roda e lá se ia, todo lampeiro, assobiando de volta para casa.
Mas era tanto o incômodo e o espanto causado por esse seu jeito peculiar de ser, que o menino começou a achar que havia mesmo algo de errado com ele. De repente, desejou ser como os outros; de repente, queria que o vissem como um garoto “normal”.
Assim, tentou imitá-los, abrindo a boca e falando como todo mundo, porém, nem sempre dava certo: o danado do assobio escapava nos momentos mais inoportunos, e tinha sempre alguém mal-humorado que, xingando e resmungando, mandava-o parar; outros não suportavam nem a sua presença e “delicadamente” pediam-lhe para se retirar. Mas o pior mesmo acontecia quando passava uma moça bonita... um longo “fiuuuuuuuuu fiuuuuuuuuuu” feria profundamente os ouvidos dos mais “sensíveis”, irados com o incrível desrespeito e uma absurda conduta. Por causa disso, cansou de levar cascudo e de ser chamado de tudo, (menos pelo seu nome verdadeiro, é claro); era um tal de bico doce pra cá; flauta ambulante pra lá; curió bom de bico...).
O menino sentia-se confuso, e uma grande sensação de inutilidade dominou-o totalmente. Com os olhos do desencanto, passou a ver seu futuro e um grande temor se apossou de seu coração.
Certa vez, em uma dessas ocasiões em que nada dava certo, o menino sentou-se à sombra de uma árvore, um velho salgueiro chorão, plantada no jardim por seu avô. Lá no alto, um pássaro cantou; o vento passou, mas o menino permaneceu imóvel, contemplando as folhas que caíam. Mansamente rodopiando, ora para cima, ora para baixo, uma dessas folhas veio parar em suas mãos. Ele olhou-a com curiosidade, examinando-a de trás pra frente e de frente pra trás. Seria uma folha igual às outras, se não fosse pelo cheiro delicioso e pelas linhas que formavam um desenho estranho. Inesperadamente, do desenho, saiu uma luz que, girando em círculos, tudo iluminou.
O menino fechou os olhos que haviam começado a arder, ofuscados pela luz, mas, ao tornar a abri-los não viu mais nada, nem a si mesmo. Ele não podia ver, mas seu corpo inteiro brilhava intensamente. Então, o menino, de repente, sentiu-se leve como uma pena. Pairava no ar? Estaria voando... virando pássaro? Ele ouviu uma voz que, a princípio, achou que viesse de alguém que estivesse a poucos passos de distância, mas, na verdade, ela partia das profundezas de sua mente e lhe falava de coisas que ele nunca mais poderia esquecer. A luz girante, num instante apagou-se, e o menino aquietou seu coração. Voltou a enxergar, mas desta vez de uma forma mais perfeita e brilhante. Levantou-se, guardou a folhinha no bolso e voltou a assobiar. Caíra em si; recobrou a alegria e a consciência das coisas e, com o tempo, sem sofrimentos, (para tudo há de se ter equilíbrio), ele aprendeu quando e com quem deveria falar ou assobiar; aprendeu também que a vida é como um desenho que vamos traçando, lentamente, com fios invisíveis.
Os anos passaram e o menino cresceu; virou gente grande, casou, teve filhos e netos e para eles, sempre contava a história da folhinha e de como ela o ajudara a superar suas dificuldades. Só não falava da luz girante e da voz que falara ao pé de seu ouvido. Esta parte da história guardou para si. Também nem precisava. Ele sabia que todos nós, uma vez ou outra, escutamos a tal voz (que alguns chamam de bom senso) e que atendê-la ou ignorá-la é uma decisão que compete a cada um. Ele a atendeu e se deu muito bem. E quando lhe perguntavam onde estava a tal folhinha mágica, ele, assobiando, metia a mão no bolso e pronto! Eis que ela surgia, “novinha em folha”.
Um dia, no outono, às vésperas de completar 100 anos, ele foi dormir e não mais acordou. Em cima do peito, bem junto ao coração, estava a folhinha, que se desfez em pó assim que alguém a segurou. Uma rajada de vento, talvez Zéfiro, o vento do amor, entrou pela janela e, soprando, levou o que ainda restava dela para muito longe, misturando-a com a poeira dos quatro cantos do mundo.
Fato é que a história do menino que gostava de assobiar, com o passar do tempo, se modificou e agora todas contam que certa feita, numa bela tarde de sol; o menino ascendeu aos céus, completamente livre, transformado em passarinho.
Canto 3
Falava-se de um enorme pássaro, cujas asas abertas pairavam soberbas sob o céu. Seu ninho, forrado com as folhas do salgueiro chorão, no alto de um monte inacessível, representava a esperança para os tolos mortais, que na ânsia de alcançá-lo, perdiam-se quase sempre; eles não podiam compreender que, “esperança”, era muito pouco para quem havia sido talhado para a grandeza. Aqueles que tinham a sorte de ouvir seu canto, que soava como o lamento de uma doce flauta, iam além de sua compreensão e a sabedoria tomava lugar em seus corações como uma rainha que retorna ao trono depois de um longo tempo de exílio.
Levado pelo vento, o canto mágico e poderoso, sempre acompanhado pelas folhas do salgueiro, atravessava os céus e os sete oceanos e possuía o dom de despertar a quem estava adormecido. Foi assim que aconteceu com o velho pirata, que após duzentos sonolentos anos acordou bastante faminto. O canto fê-lo lembrar-se de um tesouro que custara muitas vidas pelo caminho. A jornada em sua busca seria comprida e penosa, uma vez que este tesouro se encontrava agora oculto das ambições do mundo, enterrado na ilha mais distante e fantástica que se podia imaginar; e só ele somente ele, sabia que estrada tomar e por onde deveria seguir. Não precisava mais do mapa, pois a folha de salgueiro que acompanhava o canto maravilhoso seria a bússola que lhe guiaria rumo ao seu destino final.
Em certo vilarejo perdido castigado pelo sol, um outro velho, distraído em seu trabalho de lavrador, ouviu o canto e desejou mudar. A melodia era tão linda, que ele, no mesmo instante, resolveu abandonar o campo e perseguir o mais importante: a confecção de um instrumento raro, cujas notas, quando tocadas, fariam balançar os corações mais endurecidos. Antes, isto lhe parecia impossível, mas agora, não. A folha do salgueiro, que viera pousar em seu peito, lhe mostrou um estranho desenho e então ele soube o que era perfeição.
Para os lados onde sopra o frio vento norte, uma nuvem despencou do céu e caiu no mar, e, desta união impensada, nasceu um magnífico animal: um unicórnio mágico, cuja brancura, ao refletir a luz do sol, mostrava a infinita beleza do Universo; sua cauda era uma constelação de estrelas e o seu chifre, sempre apontando para o alto, indicava a presença de um único Deus.
O pobre poeta que não conseguia mais escrever, possuído que estava por uma palavra incompreensível que ouvira certa vez numa rua de Istambul, chorou ao perceber que, subitamente, a palavra que o consumira durante anos, adquiriu significado e a verdade lhe chegou como uma donzela radiante. Então, ele compôs um belo e longo poema, sobre um canto inesquecível e uma folha de salgueiro chorão. O poema era tão belo e distante, que o rei, ao ouvi-lo, mandou que fosse impresso em letras de ouro e espalhado pela cidade. Ficou decretado que todos teriam direito à paz e à celebração do amor e este foi o seu último ato como rei.
Na manhã seguinte um homem nu foi encontrado morto na sala do trono.
Uma mulher grávida sentada perto de uma janela em um fim de tarde, também ouviu cantar o pássaro e desejou que seu menino pudesse entender a sua linguagem. Quando o pequeno nasceu, ela compreendeu que ele teria sabedoria suficiente para adaptar-se ao mundo e não titubear diante das dificuldades, pois ele, de dentro de sua barriga, também o ouvira cantar e sentira em seu rosto o leve roçar da folha do salgueiro que sua querida mãe guardava entre as mãos. Ele falaria e entenderia a linguagem dos pássaros e seria como um rei; seria grande como Salomão, o mais sábio e glorioso de todos os soberanos.
Outras crianças ouviram o pássaro cantar e o seu canto lhes dizia que na solidão de uma noite escura, um menino-rei voou em suas asas, percorrendo, por inteiro, o maravilhoso céu da China, mas eis que uma de suas penas caiu ao chão e desde então, aquele que ouviu dela falar, imaginou um desenho que tomou como verdadeiro em seu coração, portanto não é por acaso que sempre se diz: ‘Busca o conhecimento nem que seja na China’. Porém, o homem foi dominado pelo esquecimento e quanto mais crescia, quanto mais evoluía, mais se esquecia. O desenho impresso em seu coração está agora, quase apagado. Mas dizem, que de tempos em tempos, quando o pássaro canta, os adormecidos; os cansados e os famintos compreendem suas reais necessidades e partem em busca de seu destino, embora saibam bem dentro de seus corações, o quão longa e difícil será a viagem.
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