Um corvo, um cobre

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terça-feira, 14 de outubro de 2008

ORA PRO NOBIS



Há um mar por dentro de mim
que ora calmo, ora violento
vai em ondas quebrar
na praia do meu desalento
Não sofro mais como antes
porém, não sorrio com tanta avidez
Não desperdiço o tempo que necessito
iludindo-me com insatisfeito,
torto viver
Preencho com este mar bravio
o que ainda me resta de vazio
Sinto sede, sinto frio...
Mas, ciente da dor que se foi
que aos poucos, lentamente,
se esvaiu
Sorrio, agora, incerto da certeza mortal
que tudo encerra, do silêncio sepulcral que nos cerca
o cotidiano feito as pressas, cheios de emendas e detalhes
que nunca se desfazem
Aonde foram parar as horas?
Enfim, deixarei de lado
meu rosário de lamentos
Ai, minha Nossa Senhora Desatadora dos Nós
Ora pro nobis







segunda-feira, 13 de outubro de 2008

À NEGRA SENHORA DOS OLHOS DE ESTRELAS



Meu coração está só e de aflição ele chora

Não ouço os vossos passos, senhora,

e não mais escuto a vossa voz

O sol esfriou e a aurora perdeu a sua cor

A solitária andorinha voou, partiu para além do mar

Triste, o pássaro cativo também anseia voar,

pois noutra terra está a donzela de negras tranças e suave sorriso

Ela, mais bela que a distante lua,

despiu-se do seu manto de grandeza e humildemente,

para o chão volveu seus olhos de estrelas:

“Ouve”, disse ela, “o amado já vem”

sábado, 11 de outubro de 2008

O FOGO QUE DERRETE O VÉU



Jalal ud-Din Rumi




Atenta para as sutilezas
que não se dão em palavras
compreende o que não se deixa
capturar pelo entendimento

Dentro do coração empedernido do homem
arde o fogo que derrete o véu de cima abaixo
Desfeito o véu
o coração descobre a história de amor
entre a alma e o coração
Regressa sempre
em vestes renovadas

Ao recitares “sol”
Contempla o sol
Sempre que recitares “não sou”
contempla a fonte do que és




Poemas Místicos, Divan de Shams de Tabriz; Tradução de José Jorge de Carvalho; Attar Editorial

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-SEM MAIS VERGONHA DE VIVER




SEM MAIS VERGONHA DE VIVER

Para Clarice


Eu ainda sou tímida Clarice, mas ando perdendo a vergonha de tudo, principalmente a vergonha de viver. Preciso achar e manter meu lugar no mundo; e, quem sabe, encontrar um “cantinho” ao sol afinal, dei-me conta, enfim, de que tenho todo e total direito de viver e fazer o melhor por mim e por aqueles que estão ao meu redor. Não peço mais desculpas Clarice por eu ser quem e o quê sou...?! E quem ou o quê sou eu afinal? Já me fizeram essa pergunta, constantemente me faço essa pergunta... Ainda não sei quem sou... sei o que não sou, ou pelo menos, o que não tento ser. Sei apenas que, como todos, busco uma saída às incertezas da vida, tentando ver e extrair de cada momento a reposta certa para tão enigmática pergunta que sempre vem no sopro do vento. Quem sou eu...?! Sou um desenho rabiscado; mosaico fragmentado de realidade, talvez sonhada, talvez vivida, mas, que, entretanto, está sempre em busca de aperfeiçoar-se e assim já não peço desculpas por existir.
Dizes que a alma do tímido anseia pela solidão, pois, somente assim consegue se libertar, mas, eu, apesar de toda a minha atrapalhada e indesejável timidez, não quero mais estar sempre só, não sou mais tão contraditória e em alguns casos desejo ardentemente o calor do aconchego com outras pessoas.
Não trabalho fora; não tenho chefe Clarice e, portanto, tenho a vantagem / desvantagem de não precisar pedir aumento de salário a ninguém, nem como escolher o melhor modo de me apresentar e me comportar nesse tipo de situação, uma tortura a menos. Tímida e ousada, posso me definir assim também, e, lembro-me que uma vez, em meu tempo de estudante de colégio, tive a coragem de interpelar um guarda que espancava um garoto de rua com um cacetete, um “gesto heróico” que deveria ser comum a quem luta contra a omissão e a indiferença que nos rodeiam e mantêm-nos reféns. Rompi meu próprio invólucro de medo, soltei a voz e consegui ajudar o garoto. Na tarde deste acontecimento, outras pessoas juntaram-se a mim. Fizemos a diferença ao nos unirmos e gritarmos a uma só voz: “basta!”.
Nunca montei a cavalo, nunca joguei xadrez, nem nunca conheci alguém tão simpático quanto o japonês que você conheceu e ainda hoje me confundo na hora de ler o cardápio, sempre solicito a ajuda de quem está ao lado. Minhas audácias foram pequenas, mas me ajudaram a compor a quem ou o quê agora sou e muito agradeço a mim mesma por isso. O encabulamento, que me atrapalhou algumas vezes, não foi empecilho para seguir em frente. Sabe Clarice, vou te contar um segredo: ainda pergunto aos “meninos” se querem brincar comigo e vez ou outra, sou desprezada. Não importa. Há tempos só falo de amor e continuarei a falar de amor, sempre, já que aos nove precoces anos eu nem pensava em “amor” tanto assim.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

OS MEIOS ADEQUADOS




Um mendigo aproximou-se de um homem rico e pediu-lhe que, por caridade, lhe desse uma esmola.
- Pede a Deus que te ajude – Disse o homem rico.
- Já pedi e Deus me respondeu dizendo: Vai e pede ajuda daquele homem - Objetou o mendigo.
- Finalmente encontro um homem que se dá conta de que cada coisa deve seguir os procedimentos adequados. Seria magnífico que as pessoas estivessem aqui presentes e pudessem assim comprovar este principio.
Como conseqüência deste episódio, o mendigo foi devidamente recompensado
.

Do livro El Caballo Mágico, Caravana de Sueños, Idries Shah; adaptação e tradução Virgínia Allan

terça-feira, 7 de outubro de 2008

REFLETE EM TEU VIVER



Reflete em teu pensar, em teu viver
O tamanho da chama de teu querer
O poder; a força e por causa dela, aonde ainda ou quê,
poderás ir ou vir a ter

Sê como as velhas histórias
Que o povo repete sem parar
Ora contada em breves partes
Ora contada como se nunca fosse acabar

Aprende com o passado, vive o presente...
O futuro o que será... será...?!
O desejo ardente leva-te para frente
Se não te detiveres por muito tempo
Consumido, desolado a olhar para trás a chorar

Há culpa, “pecado”, ciúme e orgulho entrelaçados
na tiara encantada do poder, do pudor e do desengano
Há tristezas e alegrias ao longo do percurso
Há fantasmas, almas penadas, solitárias à beira da estrada

Lanças ao ar as últimas notas
De um blues azul antigo e espera tranqüilo à porta de entrada
de um paraíso almejado mas não idealizado
E por fim, digo-te apenas, como um ponto final:
Insere-te por inteiro na paisagem como parte do sol

sábado, 4 de outubro de 2008

SÃO FRANCISCO DE ASSIS




04 de Outubro é dia de São Francisco,
protetor dos animais e dos excluídos
No céu, brilham irmão sol e irmã lua
Na terra, de alegria cantam os pássaros,
pululam os peixes nas águas
O fogo murmura consigo uma prece
em louvor ao santo amigo





No ano de 1181 (2?) no dia 04 de Outubro do calendário romano, nascia na Itália, na cidade de Assis, o menino Francisco, único filho de Pedro Bernardone, um rico negociante de tecidos, e de sua esposa Madonna Pica.
O seu nome, a principio, seria Giovanni, possível escolha de sua mãe, porém, seu pai, que, dizem, possuía um grande amor pela França, acabou por rebatizá-lo como Francisco.
Na juventude, Francisco era um boêmio; um alegre trovador e como trovador, falava a linguagem dos trovadores, o provençal. Devo esclarecer que é fato sabido que os trovadores eram descendentes de músicos e poetas sarracenos, e um ponto de concordância entre os estudiosos é que a penetração de ordens dervixes muçulmanas no Ocidente, foi de enorme influência para o florescimento e o desenvolvimento de ordens monacais religiosas na Idade Média, estando Francisco, mais tarde como fundador de uma delas, a Ordem dos Frades Menores, entretanto, antes disso, temos de admitir, segundo alguns historiadores, que Francisco tentou, sem sucesso, seguir os passos do pai na lucrativa carreira de comerciante.
Pensando encontrar sua vocação nas armas, entrou para o exército aos vinte anos, na companhia militar de Gualtieri de Brienne.
Conta-se que Francisco foi chamado três vezes por Deus à conversão religiosa e depois de convertido adquiriu um estranho poder sobre pássaros e animais, chegando inclusive a amansar um lobo feroz que andava a atormentar as redondezas.
Sobre o santo Francisco de Assis versam muitas histórias, todas bastante interessantes, (desde problemas familiares, passando por doenças, romances, estigmas e milagres) mas, aqui quero ressaltar o seu lado poeta místico e de onde afinal, tirava inspiração para poemas belíssimos como o Cântico del Sole (Cântico do Sol), considerado o primeiro poema italiano, poema este composto logo após sua volta do Oriente... Bem, tudo indica que Francisco bebeu direto da fonte do sufismo.
Idries Shah, em seu livro OS SUFIS, nos conta que Francisco de Assis, homem de percepção extraordinária, ao chegar a idade dos trinta anos, fez três tentativas (novamente o numero três) de chegar ao Oriente, em busca talvez, de suas raízes trovadorescas, tendo na última destas três, partido para as Cruzadas em direção a cidades de Damieta, sitiada então pelo sultão Malik El-Kamil, acampado do outro lado da margem do Nilo.
Francisco adentrou o acampamento sarraceno na intenção de converter o sultão ao cristianismo. Porém, apesar de não conseguir o seu intento, mesmo assim, caiu nas graças do sultão Malik, admirado da imensa capacidade de Francisco, e ele além de dar-lhe um salvo conduto para ir vir quando quisesse ainda deixou que este pregasse abertamente o cristianismo aos seus comandados.
Essas idas e vindas ao acampamento “inimigo”, e a extrema simpatia que lhe devotava o sultão, tiveram seus efeitos e provocaram profundas mudanças em Francisco. Muitos acreditam que finalmente Francisco, entre o exército sarraceno, sua corte e seus príncipes, achara o que estava procurando.
Francisco morreu em Assis em 1225 e foi sepultado na Igreja de São Jorge. Dois anos após sua morte, em 16 de Julho de 1228, é canonizado pelo Papa Gregório IX.

Paz a todos e repito, para finalizar, os dizeres do poeta Jalaludin Rumi, citado ainda por Idries Shah: "Ainda que faças uma centena de nós, a corda continuará sendo uma só"




CÂNTICO DO SOL


Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
Teus são o louvor, a glória e a honra
E toda a bênção
Só a ti, Altíssimo, são devidos
E homem algum é digno
De te mencionar

Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o Senhor Irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia
E ele é belo e radiante
Com grande esplendor
De ti, Altíssimo, é a imagem

Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Lua e as Estrelas,
Que no céu formaste claras
E preciosas e belas

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Vento,
Pelo ar, ou nublado
Ou sereno, e todo o tempo
Pela qual às tuas criaturas dás sustento

Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Água,
Que é mui útil e humilde
E preciosa e casta.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão fogo
Pelo qual iluminas a noite
E ele é belo e jucundo
E vigoroso e forte

Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a mãe terra
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelos que perdoam por teu amor,
E suportam enfermidades e tribulações
Bem aventurados os que sustentam a paz,
Que por ti, Altíssimo, serão coroados

Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a Morte corporal,
Da qual homem algum pode escapar
Ai dos que morrerem em pecado mortal!
Felizes os que ela achar
Conformes á tua santíssima vontade,
Porque a morte segunda não lhes fará mal!

Louvai e bendizei a meu Senhor,
E dai-lhe graças
E servi-o com grande humildade


sexta-feira, 3 de outubro de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-FELIZ ANIVERSÁRIO




FELIZ ANIVERSÁRIO


Perdoa meu amor
Em não ter vindo antes
Aliás há muito tempo
que aqui não venho
Mas quero que saibas
que não me sais do pensamento

 
Não te trouxe amigos
Não te trouxe flores
Não te trouxe vinho
Não te trouxe filhos
Vim eu só comigo
Perturbar a paz de teu espírito

Vai-se o verão
Vacilo por um instante...

Em que triste abandono te encontro
Quase em ruínas está a tua casa
Cinza pequena e fria laje
Sem enfeites sobre a dura campa
Dormes de forma confortável
no pedaço de terra tão desejado?
Os vermes ainda te consomem?
Ainda são longas as dores infames?
Sou pássaro de piar tristonho
Saudade do que fomos


Não deito mais a cabeça em teu ombro
Hoje minhas noites são só agonia
Pouca quase nenhuma alegria
Enquanto teu corpo volta ao pó da terra
Continuo eu na vivência incerta de uma longa espera, 

no monótono passar das horas
  Da falsa tranqüilidade dos repetitivos dias

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

UM CERTO VERÃO

(Quadro_Henri Matisse _Dinner)





Logo a casa se encherá de risos
Mas a alegria não será mais a mesma
Foram-se os tempos felizes
Em que todos brindavam à mesa

Há uma alegria solitária
Escondida pelos cantos e vãos das janelas e portas
Doces versos, rimas mortas
Sem espaço para se expressarem

Sim... Sobram espaços vazios
Cheios de alegre tristeza
Família aumenta, diminui
Multiplicam-se incertezas

Os fios de cabelos outrora negros, tão escuros
Hoje são de prata sobre a cabeça cansada
Lindo véu tecido pelo passar do tempo
Juventude que se foi, como um dia, em um certo verão que, num instante chegou
e mais rápido passou!

O coração agora já não bate descompassado, apaixonado
Bate em ritmo calmo, controlado
Guiado pela tranqüila certeza
Da vida construída com justeza
Da fé cultivada no peito
E do amor, claro e duradouro, que a tudo isso tornou possível

Logo a casa se encherá de risos
Mas a alegria, certamente, não será mais a mesma...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-O EXERCÍCIO DA MALDADE





O EXERCÍCIO DA MALDADE

para Clarice

O exercício da maldade pela pura maldade eu não o senti. Questionamentos sobre maldade / bondade requerem reflexões mais profundas e complexas (será?!) e, que sei eu? Mas das “pequenas maldades”, destas sim posso falar, as conheci, as senti literalmente na pele, desde o colégio.
Naquela época uma menina adorava nos dar beliscões; puxar-nos cabelos e outras coisinhas mais. Era um terror encontrá-la todo santo dia na escola, em sala de aula, pois o “anjinho de candura” em questão era minha colega de classe. Bem, seu pai não era dono de livraria e sua mãe não parecia com mãe nenhuma. Lembrava mais uma boneca pintada demais, uma caricatura, uma bruxa de pano. A menina também era assim; puro exagero. Gorduchinha, moreninha, cabelos curtíssimos e um busto que já prometia; ela, realmente era precoce, precoce em tudo menos no bom uso da inteligência; talvez não pudesse... Apesar das reinações; digo essas pequenas torturas que gostava de nos infligir, eu não conseguia sentir raiva, sentia pavor e pena por ela ser desse jeito. Minha intuição dizia que tinha algo muito errado com ela, com a mãe dela, não era “normal”, digamos assim, ser como elas eram e agir do modo que agiam.
Minha intuição se confirmou ao saber, anos depois, que ela ficara completamente louca, em dado momento de sua vida, sua mente oscilou, vagueou e se perdeu para todo o sempre. As suas “maldadezinhas” infantis não passavam das primeiras manifestações de um cérebro doente.
Em minha adolescência, conheci outro garoto com o mesmo gosto pelo sadismo, precisavas ver com que prazer nos mordia e nos tascava beliscões, nós, garotas, fugíamos dele como o diabo da cruz.
Em relação a livros e o exercício da maldade posso te contar a minha experiência. Ainda na adolescência, tive uma vizinha que possuía um tesouro inestimável (e que ela não dava o menor valor) que eu muito ambicionava; a obra completa de Machado de Assis, de capa dura e verde, a cor da esperança, esperança que tinha eu de que um dia ela viesse parar mim. A coleção, já principiando um estado de deterioração causado por mofos; ácaros, traças e baratas, devido ao estado de abandono, metida e esquecida que estava por dentro de caixas de papelões, sempre encostadas, esquecidas em um canto. Minha vizinha nem sequer se dava ao trabalho de trocá-las.
Além de Machado de Assis, ela ainda possuía, para dor em meu coração, pois estes também viviam por dentro de caixas de papelões alimentando todo um mundo de pequenos seres, visíveis e invisíveis, uma coleção de contos de autores russos, que iam do antigo ao contemporâneo.
Um dia, Clarice, meu sonho se realizou. Imagina você que num ataque de limpeza, ela resolveu desfazer-se dos livros, de todos eles, mas para sua “insatisfação”, ao abrir as caixas; muitos já não prestavam tão carcomidos e envelhecidos pela falta de uso, e poucos deles foram de proveito. Baratas e aranhas saltavam aos montes, isso sem falar dos cupins... Meu coração bateu descompassado. E se Machado estivesse no mesmo estado lamentável? Que desperdício.! Que triste fim para um tesouro de inefável valor...
Ela dirigiu-se a caixa onde estavam os livros de Machado e a abriu com cuidado... Não queria outra vez ser surpreendida pela rapidez de um salto de aranha ou o nojo causado pelo rápido e agonizante passeio nos braços que costuma dar uma barata, e eu, por minha vez, ficaria livre de seus pulos e gritos.
Para nosso alivio, Machado resistira com bravura, mesmo amarelado e combalido da batalha contra o tempo em que mofos; traças; ácaros; baratas e seus derivados reinam absolutos.
Minha vizinha foi bem generosa, mas o mesmo já não posso dizê-lo de sua mãe... Pois é minha alegria logo se converteu em decepção. Minha vizinha, sabendo de meu interesse por leitura, especialmente no que dizia respeito àqueles livros, fez-me uma proposta irrecusável. Eu levaria a coleção comigo e poderia pagá-la em lentas prestações. Aceitei; óbvio, Clarice, sem nem pestanejar, farias o mesmo, e, muito contente (contente é pouco para se dizer) trouxe os livros para casa, o que não me custou nada, já que a mesma morava defronte a minha... e que alegria sentia ao saber que a obra completa de Machado de Assis, era, agora, minha, só minha, sempre ali, tão verdinha, a qualquer hora, a minha espera. Poderia lê-la sem pressa, acariciá-la, namorá-la, degustar cada palavra, entrar em cada história, em cada personagem. Amando com eles, odiando com eles, vivendo com eles. Pegava um; pegava outro, abria, lia uma frase, relia... e meu lugar predileto, era a cama, em que deitada de bruços, punha-me a sonhar.
Ah, Clarice, posso dizer que, como tu, eu vivia no ar, e o pudor e a graça, e até o recato, eram constantes em mim, porém eu não tinha um; mas sim vários amantes. Era de lamber os beiços de tanto prazer.
Todavia, minha alegria durou pouco, na verdade, só o tempo de ler Os contos; e, os romances, Helena e Dom Casmurro. E casmurra fiquei eu depois do que aconteceu.
A mãe de minha vizinha, ao saber da transação, não gostou, e num ato de egoísmo, misturado a despeito, inveja e ciúme, ela que nunca havia lido um livro, nem mesmo sabia quem havia sido Machado de Assis, foi, em pessoa a minha casa pegar os livros de volta; e fez tamanho estardalhaço que me vi obrigada a devolver a coleção. Que pesar...! Ver o meu sonho realizado, de repente, sair porta afora, levado por mãos arredias e alma ignorante. A esperança, desde então, para mim, se me afigurou como um sentimento intimidador, enganador. Quando sinto esperança, sinto-me enganada em minhas expectativas, burlada em minha intuição. O “mal” que a mãe de minha vizinha tinha me infligido, fruto apenas da ignorância, não deixa de ser uma das piores formas de maldade existente.
Se eu sei, enfim, o que aconteceu a obra de Machado? Disseram-me que a mãe de minha vizinha, a deu a uma sobrinha que acabara de se formar em magistério, mas, que nem por isso o velho e bom Machado; teve um tratamento digno. Continuava sublocado, metido por dentro de caixas de papelões ou largado, indiferente, em algum canto.
Recuso-me a guardar ressentimentos, procuro exorcizá-los, mandá-los para longe, para que não cresçam e apodreçam o que há de bom dentro de mim, mas esta é uma das recordações ruins, uma das banais, senão a mais, que custo a esquecer... Esquecer não... Esquecer o que tanto marcou a gente nunca esquece, mas não deixei que virasse mágoa, rancor, dor doída que amarga a vida.
Minhas recordações doloridas, hoje, são pura melancolia e estão adormecidas no fundo de uma caixa de vidro que, certamente, mais cedo ou mais tarde, se quebrará.
Ainda não possuo as obras completas de Machado de Assis, mas, um dia, quem sabe... Hiii... lá vou eu... Xô, esperança... fora, vai embora, pra longe daqui
!

terça-feira, 30 de setembro de 2008

INSONDÁVEL FIM



Um silêncio rubro cai sobre a tarde descorada
Sobe o tédio junto com os passos na escada
dos estranhos que passam

As vozes abafadas misturam-se as conversas animadas,
das gentes em frente das casas, sentadas em cadeiras nas calçadas

Romaria dos aflitos, dos cansados, dos perdidos, dos malditos
Seres... humanos...natureza sobrecarregada, alada mistura
Metade demônios metade anjos, incompreensíveis

Carregam eles consigo a marca obscura do desconhecido
A solidão de não saber o que, realmente, poderiam ser e há na dor dessa incômoda solidão o doce alívio dos esquecidos

terça-feira, 23 de setembro de 2008

TUDO ESTÁ BEM QUANDO ACABA BEM



Hans Christian Andersen
(02 de Abril de 1805/04 de Agosto de 1875)



Um conto de Hans Christian Andersen
Recontado por Virgínia Allan
Coleção UM TESOURO DE CONTOS DE FADAS; pág. 85; Edição publicada nos Estados Unidos em 1994.



Era uma vez em certo vilarejo antigo, esquecido até mesmo pelo tempo, preguiça que tinha de por lá passar, dois casebres muito velhos, em cujos telhados de sapé, cobertos por grama e musgo, duas cegonhas vieram construir seus ninhos.

Quando o vento soprava, dependendo da direção de onde vinha; as paredes dessas casas, de tão arruinadas, se inclinavam ora para a direita, ora para a esquerda. Para completarmos a descrição, estes casebres possuíam duas ou três (?) janelas baixas, mas, que, com exceção apenas de uma, estavam bastante emperradas. O forno, enterrado na parede, lembrava uma barriga grande, redonda e gorda. Do lado de fora, uma madressilva trepava sobre a cerca; espalhando seus galhos, protegendo com sua sombra uma linda e tranqüila lagoa de patos. Um cão de guarda latia sem cessar, se, por um acaso, alguém se lembrasse de passar por ali.

Pois bem, era num destes casebres miseráveis que vivia um casal idoso; um lavrador e sua mulher. Eles não possuíam nada neste mundo, melhor dizendo, quase nada, há não ser um cavalo, que costumava pastar perto dos fossos ao longo da estrada, e um magnífico jardim.

O velho lavrador sempre montava o animal quando ia à cidade e os vizinhos, de vez em sempre, o pediam emprestado e, em nome da velha amizade, o lavrador o emprestava, indo junto com o empréstimo um raminho de lindas flores, oferta calorosa e perfumada, delicado convite, porém, nunca percebido, para ensinar-lhes a difícil arte de se construir jardim. Mas, apesar da falta de percepção, os vizinhos em troca da gentileza, ajudavam o bondoso homem, nos mais diversos tipos de tarefas.

Entretanto, apesar deste excelente relacionamento com a vizinhança, o velho lavrador pensou que seria melhor se livrar do cavalo. Decidiu então, vendê-lo ou trocá-lo por qualquer outra coisa que fosse mais útil para ele e sua velha. “Alguma coisa que você valorize mais do que qualquer pessoa” recomendou a mulher ao seu esposo. “Hoje na cidade é dia de feira. Vá lá e leve o cavalo. Você, meu velho, há de ter um bom lucro vendendo-o ou trocando. Vá, vá, apronte-se logo... O que você fizer, para mim, estará bem.”

Ela foi buscar um lindo cachecol que colocou ao redor do pescoço de seu esposo dando-lhe em seguida um nó duplo pra lá de elegante. Ela lhe tomou o chapéu, e, com muito jeito, alisou-o com a palma da mão. Depois disto, deu-lhe um baita beijo e mandou-o seguir. Ele, obediente, montou no cavalo e foi à cidade, negociar.

“Sim”, disse consigo a velha senhora, enquanto lhe acenava um adeus, “o meu velho sabe o que faz. Ele é o melhor negociante que conheço.”

Naquele dia, o sol estava muito quente, e no céu não passeava uma nuvem. O vento levantava o pó da estrada pela qual passava - em carroça, a cavalo ou a pé - todo tipo de gente, apressada, ansiosa por chegar o quanto antes à cidade, pois o calor era intenso e pela estrada empoeirada não havia uma só estalagem.

No meio desse povo estava um homem com uma vaca, mas não uma vaca qualquer. Era uma vaca tão bonita como uma vaca pode ser.

O lavrador olhou para o animal e pensou: “Esta vaquinha deve dar um leite delicioso. Huum! Vejamos... a vaca pelo cavalo, certamente, seria uma troca maravilhosa!”

E foi assim que, parando ao lado do homem, o velho chamou-lhe a atenção: “Ei, senhor. Quero lhe fazer uma proposta. Ouça-me, por favor. Todos sabem que um cavalo custa muito mais do que uma vaca, mas, para mim isso não faz diferença. A vaca me será mais lucrativa que o cavalo. Portanto, o senhor gostaria de trocar a sua vaca pelo meu cavalo?”

“Ó, eu ficaria encantado”, respondeu o homem, mal acreditando em sua sorte. Então, para satisfação de ambos eles efetuaram a troca.

Bem, tendo isto ocorrido, o velho lavrador, bastante contente por ter feito um bom negócio, poderia ter retornado para casa, mas, como ele já havia resolvido fazer uma visita à feira, continuou em seu caminho para a cidade.

 Entre tanta gente apressada, ansiosa, o velho lavrador também se apressou embora a vaquinha, de vez em quando, o fizesse retroceder, fazendo desta maneira, que o velho demorasse por uns instantes na observação de seus próprios passos. Mesmo assim, não demorou muito e encontrou-se com um outro homem que levava uma ovelha, mas não uma ovelha qualquer, era uma ovelha de uma espécie rara, com pêlo lanoso espesso.

O velho pensou: “Ora, ora eis aí um belo animal para se ter. Uma ovelha encontrará todo o capim que vai precisar para comer ao lado de nossa cerca. No inverno podemos deixá-la dentro de casa, será uma excelente distração para minha amada. A ovelha é melhor para nós do que a vaca, certamente.”

Ele, então, se aproximou do dono da ovelha e disse: “Olá, amigo, você não gostaria de trocar...” Antes mesmo que pudesse completar a proposta, o velho viu-se com a cordinha da ovelha nas mãos. O homem, satisfeitíssimo com a troca, pegou a vaquinha e temendo que o velho lavrador se arrependesse do negócio, sumiu num abrir e piscar de olhos.

O velho lavrador, desta vez em companhia da ovelha, continuou sua jornada rumo à cidade. A certa altura, ele viu um homem carregando debaixo do braço, um ganso vivo; gordo e grande, mas não era um ganso qualquer, era um ganso magnífico, um ganso que não se encontrava em qualquer lugar. O velho lavrador estava muito admirado.

“Ahá...eis aí uma bela criatura” pensou consigo o lavrador. “Esta é uma ave espetacular. Tanta gordura! E que penas maravilhosas! Em nossa casa, minha esposa acharia um modo de deixá-lo ainda mais gordo. Ele poderia comer todas as sobras e então, de que tamanho ele não ficaria...? Lembro-me de que ela constantemente me dizia: ‘Ah! Como seria bom se tivéssemos um ganso. Ele ficaria muito bem junto aos nossos patos’. “Sim”, continuou a pensar o velho lavrador; “ele ficaria muito bem junto aos nossos patos. Talvez, esta seja a nossa oportunidade de ter um ganso; mas não um ganso qualquer; um ganso que, certamente, valerá por dois!”

E o velho lavrador, disposto a não mais perder tempo, dirigiu-se ao dono do ganso:

Olá, meu amigo. Gostaria de fazer uma troca comigo? Dê-me o seu ganso e leve a minha ovelha. Eu não faço questão de mais nada!”

A este homem também não foi preciso perguntar duas vezes e o velho lavrador, sem dificuldades; logo se tornou um feliz dono de ganso.

 A essa altura, ele já estava às portas da cidade. A multidão aumentou; homens e animais, devido à pressa, atropelavam-se ao longo da estrada. A dificuldade em caminhar era tanta que até dentro das valas, perto das cercas dos campos, algumas pessoas foram parar, entretanto, no portão de entrada da feira a confusão era ainda maior, um verdadeiro “Deus nos acuda”. Lá, todo mundo se empurrava para entrar.

Em meio a balburdia, o coletor de impostos da cidade levantou no ar uma galinha, que ele, por receio da multidão, prendera num barbante para que assim ela não se assustasse e fugisse. Ela aninhou-se no portão de entrada e bateu as asas cortadas; piscou o olho, de maneira graciosa e em vez de fazer “co-có-ri-có” ela fez “claque, claque”... Será que a galinha estava a pensar em alguma coisa? Quem saberia? Porém, o velho lavrador que atentamente observara a reação do coletor de impostos, pois estava de olho na galinha, achou aquilo muito engraçado, engraçado mesmo e danou-se a rir, pensando: “Essa bichinha é ainda mais bonita que a galinha choca do pastor.

 Ela não é uma galinha qualquer e é tão engraçada... Quem continuaria indiferente diante dela? Certamente lá no vilarejo todos cairiam na gargalhada! Deus do céu, como eu gostaria de tê-la. Com certeza, a galinha é um animal mais fácil de se criar... Ela não requer tantos cuidados, pois come grãos e migalhas espalhadas pelo chão.

 Penso que se eu conseguisse trocar o meu gordo ganso por essa belezinha, eu faria um excelente negócio. Ora, se faria...”

O lavrador achegou-se ao coletor de impostos e pondo o ganso à vista, lhe perguntou: “O senhor não trocaria sua galinha por este ganso?”

“Trocar? Mas, é claro. Isso seria perfeito.” Respondeu o coletor de impostos, que então levou o ganso, deixando a galinha nas mãos do lavrador.

O velho negociara bastante durante esta jornada até a cidade e agora estava cansado e muito incomodado com o calor. Ele necessitava urgentemente de alguma coisa para comer e beber. Olhou ao redor e logo viu uma estalagem para onde se dirigiu com passos ligeiros. Neste justo momento, saía um rapaz da dita estalagem carregando uma bolsa cheia até a boca. O velho, curioso, imediatamente, lhe perguntou: “Ei, rapazinho, o que estás levando aí?”

“Ó, isto aqui, senhor?” Respondeu o rapaz. ”Não é nada demais... É apenas um saco de maçãs murchas que vou jogar aos porcos.”

“Upf”! Resmungou o velho, “o que é que estás dizendo? Maçãs murchas para jogar aos porcos? Que extravagância, que desperdício! Minha amada esposa faz coisas maravilhosas com maçãs murchas. Ela ficaria tão feliz com todas essas maçãs... Desde o ano passado que a nossa velha macieira, que fica junto ao estábulo, não dá sequer um único fruto. Costumamos as apanhar ainda verdes para guardá-las no armário da cozinha até ficarem maduras. Diz minha esposa que isto é um sinal de quem se sente confortável, imagine então o que ela não diria se lhe conseguisse um saco cheio de maçãs? Eu adoraria fazer-lhe esta surpresa.”

“Tudo bem, mas o que o senhor me daria em troca do saco?” Perguntou o rapaz.

“O que eu daria? A galinha, é claro! Não achas que está bom?”

O rapaz aceitou a troca prontamente. Em seguida, o velho lavrador entrou na estalagem com o saco, que pôs, com muito cuidado, perto do fogão, que, aliás, estava muito quente, 'fato, porém que o velho lenhador nem percebeu. Pediu um trago e o tomou avidamente.

Havia gente demais na estalagem; negociantes de cavalos, criadores de gado e muitos viajantes. Entre estes últimos, encontravam-se dois franceses com bolsos abarrotados de moedas. Os dois sujeitos eram tão ricos, que, só para se livrarem um pouco mais do peso de tanto dinheiro, adoravam fazer todo tipo de aposta.

Repentinamente, do fogão partiu um estranho ruído: ssss-ssss!.. “O que foi isso?” Perguntou um dos franceses. Pois não é que eram as maçãs que estavam começando a cozinhar?

“Oh, minhas maçãs...!” Disse o velho lavrador, e ele então contou aos franceses, tintin por tintin, toda a sua aventura.

“Sendo assim, meu bom homem”, disseram-lhe os franceses, “sua esposa ficará furiosa. Espere só até você chegar em casa!”

“Furiosa nada”, lhes respondeu por sua vez o velho lavrador, “minha velha vai é me abraçar e dirá toda sorridente: ‘O que o meu velho faz está sempre certo, seja lá o que for ou como for. Tudo está bem quando acaba bem.”

Os franceses, que viram nisso uma boa oportunidade para apostar, não perderam tempo e lhe disseram assim: “Se o senhor está tão confiante de que tudo vai acontecer desta maneira, que tal fazermos uma aposta? Nós, meu amigo e eu, apostamos cem quilos de ouro.”

“Bem, não precisa tanto. Uma sacola será o bastante”, disse-lhes o lavrador, “porém, para apostar, tenho apenas este saco de maçãs. Eu diria que é uma boa troca. Se aceitam considerem a aposta fechada.”

“Claro que aceitamos. Um saco de maçãs é o suficiente.”

Após esta conversa, onde mais uma vez, para alegria dos franceses, uma aposta foi firmada, os três homens pediram emprestada a carroça do estalajadeiro, subiram nela e rumaram confiantes de volta ao sitiozinho em que começara toda essa história.

Mal entrou na cabana, o velho lavrador abraçou sua velha lhe dizendo carinhosamente: “Boa noite, minha amada.”

“Boa noite, meu amado”, respondeu a velha, retribuindo-lhe com o mesmo entusiasmo a sincera saudação.

O lavrador então, disse à sua esposa: “Sabe querida, eu troquei o cavalo.”

“Ah, que bom, querido!” Disse-lhe a esposa, beijando-lhe o rosto, sem notar o saco de maçãs ou a presença dos dois estranhos. “Você, meu velho, sabe mesmo negociar.”

O lavrador tornou a falar. “Eu troquei o cavalo Por uma vaca.”

“Graças a Deus!” Disse a esposa, “de hoje em diante, teremos leite, manteiga e queijo! Que troca maravilhosa.”

“Sim, teríamos leite manteiga e queijo”, retrucou o lavrador, “mas acontece que eu troquei a vaca por uma ovelha.”

“Você é mesmo muito esperto”. Disse a esposa, lhe piscando um olho, “uma ovelha no lugar de uma vaca é ainda melhor. Capim é o que não falta por aqui. Ademais, uma ovelha também pode nos dar leite e eu adoro queijo de ovelha. Teremos lã, com a qual poderei tricotar meias e casacos lindos e quentes. Uma vaca não poderia nos dar tudo isso. Que maroto! Você pensa mesmo em tudo.”

“Espere, querida, ainda não acabou. Eu troquei a ovelha por um ganso.”

“Ótimo, querido. Teremos um gordo ganso assado para Natal. Você não existe. Sempre tão gentil; nunca se esquece de mim. Você sabia que um ganso muito iria me agradar. Daqui até o dia de Natal, ele ficará mais gordo e bonito.”

“Sinto muito, minha velha”, disse o lavrador, “porém já não tenho mais o ganso; eu o troquei por uma galinha.”

“Não há problema nenhum, meu amado esposo”, respondeu-lhe a velha, “uma galinha tem lá a sua utilidade. Ela põe ovos, choca e depois nascem os pintinhos, que logo vão crescer e então, teremos aves à vontade para comermos. O meu sonho é possuir uma verdadeira granja.”

“Bem minha esposa, eu finalmente, troquei a galinha por um saco de maçãs murchas. Você havia me dito para que trocasse ou vendesse o cavalo por algo que eu valorizasse mais do qualquer pessoa, e não existe nada; nem ninguém que tenha mais valor para mim do que o conhecimento, já que aquele que o obtêm, por pouco que seja feliz será, mas como conhecimento não é tão simples de se encontrar, usei o que aprendi a usar e acho que me sai melhor do que todos eles. E quanto a você minha cara, saiba o quanto lhe amo, pois foi graças ao seu conselho que me acompanhou durante todo o tempo, que não ‘troquei’ os pés pelas mãos.”

“Verdade, meu marido?” Exclamou a esposa, demonstrando um tão inesperado espanto que quase perdeu a fala. “Você merece um beijo, meu amado marido. Sabe o que aconteceu esta manhã, assim que você saiu? Eu pus-me a pensar no que poderia fazer para o nosso jantar. Ovos com manteiga e cebolas foi o que me ocorreu. Eu tinha os ovos e a manteiga, mas não havia cebola. Dirigi-me, então, ao diretor da escola, que possui uma bela plantação de cebolas e falei com sua esposa. Você sabe como ela é. Debaixo daquela aparência meiga se esconde uma bruxa mesquinha e quando há má vontade, seca-se farinha no varal. Mas, mesmo assim, pedi-lhe emprestado um punhado de cebolas.”

“Ao ouvir meu pedido, eis o que a bruxa me disse: ‘Emprestar? Não temos nada para emprestar. Nossa horta acabou, nem as cebolas escaparam. Sinto muito, vizinha, não temos mesmo nem um punhado de maçãs murchas.’

 A megera bateu-me a porta na cara e eu voltei para casa trazendo nada nas mãos. Mas você sabe meu velho, porque afinal ela age assim. A bruxa velha morre de inveja de nosso jardim. Ela trocaria ‘amavelmente’ toda a sua plantação de cebolas para conseguir flores mais bonitas e frescas que as nossas. Mal ela sabe que fazer jardim é mais que uma arte; sem nossa ajuda, que ela faz questão de recusar, jamais conseguirá transformar sua plantação de cebolas em um maravilhoso jardim Amanhã, irei lá novamente e vou levar-lhe algumas dessas maçãs murchas, algumas não; vou levar-lhe o saco inteiro. Coitada! Ela não tem nenhuma. Vai ficar tão sem graça! Já estou até vendo a sua cara!”

Cheia de contentamento, a esposa tornou a abraçar o marido e lhe deu fortes e estalados beijos. Pareciam duas crianças.

Após observarem tudo o que se passou, por fim, lhe disseram os franceses: “Bom, meu velho lavrador, as perdas de valor, não mudaram o humor de sua esposa nem por um instante sequer.”

“Não perdi nada de valor. Os homens acreditam que tudo funciona por meio da troca e eu só lhes ministrei uma dose do seu próprio remédio. Bem se vê que não sabem de nada.”

“Seja lá como for, ganhaste a aposta. Tome aqui, sua bolsa de ouro.”

“Bastam-nos apenas algumas moedas”. Disse o velho, para a surpresa dos franceses.

“Algumas moedas? É muito pouco para o resto da vida, pense bem meu velho.”

“Não há o que pensar. Talvez nem vivamos tempo suficiente para gastar todo esse tesouro. Vamos, apenas umas moedas e tudo ficará bem.”

Assim, a felicidade do casal foi imensa. Depois de todo aquele troca-troca tão comum entre os homens, o velho lavrador, mesmo com aquela pequena quantidade de moedas, se tornou muito mais rico do que se tivesse vendido o cavalo dez vezes, por trinta vezes mais o seu valor. E isto nos leva a pensar que realmente o velho estava muito certo ao dizer que TUDO ESTÁ BEM QUANDO ACABA BEM!

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