Sufismo no Ocidente, Edições Dervish, Tad: Luiz Otávio F. Barreto Leite
Introdução à história Fátima e os animais
Fátima, filha de Waliyya de Andaluzia, morreu em 1195 e foi a mestra de Ibn al-Arabi, doctor maximus para o Ocidente, que despertou a atenção no século XXII para o que atualmente chamamos de “condicionamento”. O escolástico turco Sigob Qalb fez notar que al-Arabi antecipou em seus escritos as ideias de Berkeley, Fenlly, Kent, Niestzche, William James e outros. A historia que se segue é contada entre os “iluminati” (rashania), dervishes do Pamir, cuja versão é do sufi Abdul-Samad Khan, falecido em 1943.
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Era uma vez uma garotinha que cresceu com os seus pais, no bosque. Um dia constatou que seus pais haviam morrido e que teria que cuidar de si mesma.
Seus pais tinham deixado um Mirhrab, um ornamento estranho, parecido com um umbral de uma janela, que estava pendurado em uma parede de sua choupana.
“Já que agora estou só”, disse Fátima, consigo, “e terei que sobreviver no bosque onde só quem vive são os animais seria bom falara com eles, e compreender a sua língua”.
E assim ela, passava uma boa parte do dia dirigindo esta aspiração para o umbral que estava na parede: “Mirhrab, dá-me o poder de compreender os animais e de poder falar com eles”.
Depois de longo tempo, de repente teve a impressão de que podia comunicar-se com os pássaros, com os animais e até com os peixes. E foi para o bosque tirar a prova. Logo chegou a um tanque. Sobre a água do tanque estava uma mosca patinadora, que passeava pela superfície e nunca entrava n’água. Nadando dentro d’água havia vários peixes e colados no fundo do tanque, alguns caracóis.
Para poder dar início a uma conversa, Fátima disse: “Mosca, por que não entras n’água?
“Por que haveria de fazê-lo, achando que isso fosse possível, já que não é? Perguntou a mosca.
“Porque estarias a salvo dos pássaros que descem e te comem”.
“Não me comeram ainda, não é verdade?” disse a mosca.
E esse foi o fim da conversa.
Então Fátima falou com o peixe.
“Peixe”, disse-lhe através da água, porque não aprendes a sair da água pouco a pouco? Eu soube que certos peixes podem fazê-lo”.
“Absolutamente impossível”, disse o peixe. “Ninguém fez isso e sobreviveu. Ensinaram-nos a acreditar que é não apenas um pecado como um perigo mortal”.
Virou-se e mergulhou nas sombras, disposto a não ouvir tais bobagens.
Então ela chamou o caracol: “Caracol, poderias arrastar-te para fora d’água e encontrar ervas boas para comer? Ouvi falar que os caracóis podem, na verdade, fazer isso”.
“É melhor responder uma pergunta com outra pergunta, quando quem escuta é um caracol sábio”. Disse o caracol. Talvez fosses amável o bastante para me dizer exatamente por que tens tanto interesse em meu bem-estar? As pessoas deveriam cuidar de si mesmas.
“Bem”, disse Fátima “suponho que é porque quando uma pessoa pode ver mais acerca de outra quer ajudá-la a obter alturas superiores.
Essa me parece uma estranha ideia”, disse o caracol, e arrastou-se para baixo da pedra onde já não pudesse ouvi-la mais.
Fátima deixou a mosca, o peixe e o caracol e vagou pelo bosque procurando alguma outra coisa para ver. Sentia que deveria poder ser útil a alguém. Afinal tinha muito mais conhecimento do que estas criaturas do bosque. Pensou que um pássaro, por exemplo, podia ser avisado para que armazenasse comida para o inverno, ou ser aconselhado a fazer um ninho perto do calor de uma choupana, para que não morresse desnecessariamente. Mas não viu pássaro algum.
Ao invés disso, ela se deparou com a choupana de um carvoeiro. Era um homem idoso que estava sentado em frente à porta da casa queimando carvão para levá-lo ao mercado.
Fátima, deleitada ao ver outro ser humano, o único que tinha conhecido além de seus pais, correu até ele. Contou-lhe suas experiências desse dia.
“Não te preocupes com isso, menina”, disse-lhe o homem idoso. Existem coisas que um ser humano tem que aprender e essas coisas são de vital importância para o seu futuro”.
“Coisas que aprender?” Disse Fátima. “Mas, por favor, por que deveria eu procurar outras coisas para aprender? Estas coisas, provavelmente, só iriam mudar meu modo de viver e de pensar”.
E, como a mosca, o peixe e o caracol, ela se afastou da companhia do carvoeiro. Fátima, filha de Waliyya, gastou outros trinta anos, como a mosca, o peixe e o caracol, antes de que pudesse aprender qualquer coisa.
A partir do original persa traduzido por Omar Ali Shah
Tradução para o português; Rosângela Tibúrcio, Beatriz Vieira e Sérgio Rizek
Attar Editorial
INTRODUÇÃO
Gloria a Deus, que Ele seja louvado e glorificado! Adorá-Lo é aproximar-se d’Ele, e render-Lhe graças é aumentar nossas bênçãos.
Cada respiração contém duas bênçãos: a vida na inspiração e a rejeição do ar viciado e inútil na expiração. Agradece a Deus, pois, duas vezes a cada repiração.
Sua Misericórdia estende-se a tudo o que existe e Sua mesa está servida em todos os lugares. Ele não revela os pecados de Seus servidores e não pune os pecadores privando-os da subsistência.
A Seu comando, o zéfiro desenrola o tapete de esmeralda; as nuvens da primavera são as nutrizes das ervas verdes que dormem no berço da terra parda; Ele cobre as árvores com um manto de folhas verdes, semelhante a uma veste de honra, e na primavera, coroa os ramos com guirlandas de flores. Faz que o suco da uva supere o sabor do favo de mel. Transforma a modesta semente da tâmara na alta tamareira que projeta uma sombra refrescante.
Nuvens, ventos, lua, sol e céu
Trabalham a fim de que o homem
Receba a subsistência que lhe cabe.
Não esqueças da generosidade de Deus para contigo.
Os elementos e os planetas a Ele obedecem,
Trabalham e evoluem para o teu bem.
Por tua vez, também deves obedecer.
Continua...
[1]Corão, XXXIV, 13. “Família de David! Dá graças! Poucos são os meus servidores agradecidos”.
[2] guebro: Assim eram chamados os zoroastristas sob o domínio islâmico; eram adeptos da tradição fundada por Zoroastro ou Zaratustra (séc. VII a.C), reformador do masdeísmo, do qual conservou a concepção dualística do Universo. Derrotados pelos árabes muçulmanos no séc. VII d. C., passaram a ser chamados de “adoradores do fogo”.