Um corvo, um cobre

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sexta-feira, 4 de julho de 2008

VIVER


Ele teve a sensação de ser. Não poderia explicar, tão profundo, nítido e largo que era. A sensação de ser era uma visão aguda, calma e instantânea de ser o próprio representante da vida e da morte. Então, ele não quis dormir, para não perder a sensação da vida.

***

A FOME: Meus Deus, até que ponto vou na miséria da necessidade: eu trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade enquanto estou viva.

***

A REVOLTA: Quando tiraram os pontos de minha mão operada, por entre os dedos, gritei. Dei gritos de dor, e de cólera, pois a dor parece uma ofensa à nossa integridade física. Mas não fui tola. Aproveitei a dor e dei gritos pelo passado e pelo presente. Até pelo futuro gritei, meu Deus. 



(Do livro Aprendendo a Viver, Crônicas reunidas de Clarice Lispector, 2004,Editora Rocco)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O MALDITO

A música vinha das sombras, tocada por mãos invisíveis.Talvez a tocasse um demônio solitário que sussurrasse consigo a letra de alguma perdida canção.
Será que a solidão também habitasse o inferno?
Será que a tristeza doía no peito de demoníacos corações?
Ou será que no inferno, a paz, por vezes, descia, transmutando em alegria as eternas aflições?
De tanto olhar para a escuridão, quase que o vi sentado, debruçado sobre um negro piano.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

CAMINHAR SOLITARIERRANTE


Caminhava pela cidade. Fisicamente, era eu, em carne e osso, transitando por ruas que não eram novidades para mim, porém, por dentro, era outra a cidade por onde andava; uma cidade saída da memória. Ainda é cedo, mas o sol é inclemente, penso em quanto antes, alcançar a próxima esquina, lá aonde o vento faz a curva e em cada esquina, penso te encontrar... meu andar é quase arrastado, não por preguiça, mas por força de prestar atenção... na verdade, não presto atenção em nada, pois caminho pelas ruas de uma cidade dentro de minha memória. Casualmente, esbarro em alguém, que me obriga a deixar a cidade imaginária para retornar à cidade do lado de fora; alguém que pede desculpas e continua em seu caminhar... este alguém, que, como todos nós, de futuro incerto, talvez, mais tarde, estará vivo só na lembrança de quem lhe amou, de quem lhe quis bem, ou não, quem sabe mais tarde, partirá apenas em uma longa viagem, mas depois de algum tempo estará de volta, à segurança de um porto feliz... é quem sabe... quem sabe se ele já não é somente uma miragem.
Passo agora por uma antiga e enorme casa em frente à praça da Saudade... parece estar vazia no momento, sem ninguém, parece esquecida... O pátio, cheio de folhas ressequidas, e, dois gatos amigáveis, relaxados; um sentado e outro deitado; um branco e um marrom-cinzento (?) há um jardim também, pequeno e agradável muito bom para se viver... se eu fosse uma borboleta ou um pássaro, uma fada ou então um duende, ou ainda uma joaninha faceira ou uma abelha festeira...

ou ou ou ou ou ou ou ou ou ou ou OU ouououououououououououo...

A vida é feita dessa conjunção alternativa, mas cheia de possibilidades infinitas, por isso já dizia a meiga Cecília, Ou Isto ou Aquilo, questão de escolha my baby... pro mal ou pro bem há de saber quem? Assim, escolho retornar a minha cidade imaginária, porém, acabo percebendo que uma não está dissociada da outra, apenas parecem diferentes por causa das sutis modificações operadas pelos homens e pelo tempo ou será pelo tempo e pelos homens? Bem... a ordem dos fatores não altera o produto, não é mesmo?... Passo pelo Teatro, passo pelas gentes, passo pelas lojas; passo pelos carros, passo pelas casas, passo pela praça; passo pela calçada, passo pela avenida, passo pela vida? Passo como um fantasma... Passo, passo, passo... passo a passo... em compasso/descompassado... Tragicômica eternidade há no pensar ou no passar? Ora, passemos adiante... Passei...

terça-feira, 1 de julho de 2008

A SONÂMBULA



Sob a lua distante e fria, de olhos fechados ela ia à fonte se banhar.
Os pés, descalços, o macio tapete de folhas pisavam, e, serena caminhava, como se soubesse onde estava na noite enluarada.
Ao chegar à fonte, nua ficava e dentro d’água começava a brincar; os olhos se abriam e tudo em volta reluzia como gema preciosa... mas, dentro das sombras algo se movia, algo escuro e assustador e com olhar invejoso a donzela espia...
Eis que a beleza imprudente, na fonte brincava, a todo perigo indiferente.
O ser que nas sombras espreitava, não ousa se aproximar. Nas árvores, o vento gemia, porém, na fonte, a calma reinava; calma somente perturbada pela alegria da donzela, ninfa encantada sonhando na noite bela.
Fantásticas luzes coloriam as gotas d’água que da fonte caiam e aos pés do estranho ser iam parar; e ele, nelas, timidamente, se mirava, mas o que via não era a sua feia figura e sim a da ingênua donzela que na fonte brincava.
Atônita ficava a besta-fera que nas sombras sofria... Não compreendia que a beleza invejada, dela, também parte fazia, todavia, olhar em seus olhos não podia, tão distante parecia, e, então nas trevas permanecia...
A beleza distraída, na fonte brincava e nem se apercebia do que nas sombras se escondia.
Quando a noite findava e o primeiro raio de sol despontava, a donzela a fonte deixava e de olhos fechados, pelo mesmo caminho orvalhado retornava... inconsciente de seu destino, ela tarda em despertar...
E a besta que nas sombras espreitava, lá, bem dentro de si, sem saber ansiava, por ver a sonâmbula acordar...

domingo, 29 de junho de 2008

A ROSA, O CRAVO E O SOL



Uma rosa foi abruptamente arrancada de meu jardim.
Era uma linda rosa de cintilante cor vermelha e suave perfume; uma rosa muito especial.
No canteiro em que desabrochou, havia muitas outras flores, nenhuma, tão linda quanto ela, que, muito tímida, evitava qualquer aproximação. Temia o sol; amava a lua e era amiga apenas do vento e da chuva.
Entretanto o amor armou seu laço, e a linda rosa viu-se apaixonada por um orgulhoso cravo que só queria saber do sol.
Pobre rosa vermelha! A paixão lhe consumiu o coração e ela viu-se perdida, e mergulhada no desespero. Por causa disso, nem reparou no sol, que não amava o cravo, e sim, a rosa, tal qual à velha canção sobre José que gostava de Maria, que amava João...
O anoitecer enchia a rosa de esperanças, pois a lua, sua amiga, sempre a deixava mais bonita, mas o cravo, o orgulhoso cravo, não lhe deitava nem um olhar, nem um olharzinho sequer e, ao amanhecer, quando o sol buscava ansiosamente por um carinho da rosa, esta se recusava a vê-lo, acusando-o injustamente de ser o responsável pela fatal indiferença que lhe votava o desejado objeto de seu amor.
O cravo, ao perceber o interesse do sol pela rosa, do alto de sua arrogância, não suportou a rejeição e, por vingança, numa noite sem lua, seduziu e abandonou a bela flor.
A rosa, humilhada, ferida em seu amor-próprio por tão rude golpe, quis esconder-se de todos e, em seu infortúnio, não reparou que se inclinara demais para fora da cerca que protegia o canteiro. Alguém que por ali passava achou que ela seria a flor ideal para enfeitar um raro e antigo vaso de cristal e, assim pensando, caminhou em sua direção e bruscamente a separou do galho, pouco se importando com seus queixumes.
Apenas o sol afligiu-se com a sua dor e não deixou por um segundo a ingrata que cruelmente o ignorara. Perfeito no amor; paciente na dor, este maravilhoso amante, todas as manhãs, entrava mansamente pela janela e nas pétalas delicadas depositava um longo beijo sussurrando ao coração frágil e palpitante da amada seus ambicionados e inacessíveis segredos. E assim foi durante dias em que o sol preparou a flor para a sua remissão.
Devidamente preparada, quando o fatal momento chegou, a rosa, pendeu para o lado e suavemente, expirou.
As pétalas desfeitas, mas ainda perfumadas, foram parar dentro de um livro, enquanto o talo apodrecido teve por jazigo um simples saco de lixo. Porém, a alma imortal que a flor, tão duramente conquistara, ascendeu ao céu, amparada pelos tépidos e luminosos raios do sol.
O cravo orgulhoso teve um triste fim.
O inverno chegou carregado de chuva, e uma erva daninha cresceu ao pé da cerca em que ele costumava se apoiar. Em pouco tempo, ela adquiriu força e uma tremenda agilidade e, em um melancólico entardecer, subiu a cerca e enrolou-se ao pescoço do cravo, que, distraído e omisso como era, não teve a menor chance de pedir socorro.

sábado, 28 de junho de 2008

NÓ NA GARGANTA



Ouço os passos do fantasma que me persegue. Mesmo em casa, com as portas trancadas, ouço o ruído de sua risada... apesar do nó na garganta e do frio na boca do estômago, não me desespero, pois conheço esse fantasma e não quero que ele se vá.

Quem me dera, outra vez, sentir nos lábios, o beijo apaixonado que lembrasse à minha alma o quão já foi amada... mesmo que esse amor agora, seja só saudade que me aperta o peito e deixa meus olhos rasos d´ água.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

CENAS DE AMOR PERFEITO


Inicio da tarde... neste período de tempo há certa dificuldade para mim em conciliar meus pensamentos, não importa se faz chuva ou sol... lembro-me de outros inícios de tarde em que a alegria não demorava a chegar: um banho morno no chuveiro do pátio, entre canteiros de rosas e pássaros ou ainda um mergulho na piscina de plástico, brinquedo armado, pronto, sempre a esperar... o pé de acerola, carregadinho de frutos apetitosos e avermelhados... a sombra se estendendo, a crescer no quintal... o vento, ora forte, ora fraco passa, trazendo histórias em suas asas... a roupa a secar no varal... início de mais uma tarde de amor... o pequeno portão de ferro, quebrado, range quando o abrem... sinal de que voltou...correria, sorrisos, gritos de crianças, saudades, beijos e braços... o suor a escorrer pela face bonita e jovem, tristeza a se esconder no olhar... verdades atrozes... na vez, chuva grossa a bater no telhado de folhas de amianto, um sossego esparramado no aconchego do quarto, na cama quente entre lençóis perfumados, segurança, apenas um instante, nos braços calorosos de uma esposa-amante... a morte e a dor aguardam, inquietas, ao lado de fora ... dia seguinte, céu límpido, de um azul estonteante; o sol brilha tanto que ofusca a visão... o sol é belo, a vida é bela, mas, nada se pode ver devido ao clarão... a alma cega... a mesa posta, manhã ou tarde, café para quatro... a alegria está de volta... acordes altos de um contrabaixo... um bebê a chorar... uma canção de ninar... linda visão do futuro... eternamente... juntos... um doce entardecer... assim deveria ser... não há lágrimas que desbotem essas ternas lembranças... quadro familiar pintado por um deus esquecido, mas, invejoso do amor perfeito que, por breves instantes, por descuido, baixou à terra e, rebelde, desatinado, ao céu não mais desejou retornar...

quinta-feira, 26 de junho de 2008

UM


O homem, sentado à beira do barranco, em sossego, pita um cigarro de palha.
Seus pensamentos acompanham o rio que lá embaixo passa, ligeiro e certo, rumo ao seu destino.
Homem e rio se confundem, unidos na mesma solidão; solidários como velhos amigos que se reencontram depois de um longo tempo.

***

No verão,
partiremos rumo ao sol.
Minha sombra e eu.

***

Fim de noite...!
Perdem-se no ar
as cinzas de junho.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

EM BUSCA DO SOL


Lá vão eles, remando em suas canoas, deslizando suavemente pelo rio, varando a madrugada.
Eles, quem são eles?
São os índios Tupeba, que todos os dias, saem bem cedinho em busca do sol.
O sol que foge todas as tardes, deixando a noite cair, por isso, é preciso partir e outra vez trazê-lo de volta.
Quase perto do encontro das águas, encontram também o sol.
Feliz encontro!
Mais tarde as trevas virão, cobrindo tudo, e, novamente, eles sairão remando em suas canoas, deslizando suavemente pelo rio, varando a madrugada.
Talvez, para sempre, fosse assim.
Mas, ele veio, o homem de cabelos amarelos, o filho do sol.
Um dia, desceu do céu, trazendo consigo um estranho mensageiro; que batendo suas longas asas, cantava para chamar o dia.
E, desde então, os índios Tupeba não saíram mais tão cedo, remando em suas canoas, deslizando suavemente pelo rio, varando a madrugada...
Agora, ficavam muito descansados; deitados em suas redes, esperando ouvir a ave cantar.









terça-feira, 24 de junho de 2008

ENCANTAMENTO


Para Márcia

Que os peixes nunca te deixem esquecer.

Ela pensava enquanto pescava. De uns tempos pra cá, as coisas andavam esquisitas. Lembranças que não eram suas se sucediam em sua mente como cenas de um filme antigo, não conseguia livrar-se delas por mais que tentasse. Saíra para pescar justamente para ver se podia, ao menos, entendê-las. 

Era montar quebra-cabeças. Uma aragem fria sacode-lhe os castanhos e compridos cabelos, encrespando também as negras águas do rio, e de repente, ela sente medo. Uma escuridão, vinda não se sabe de onde, envolve tudo, como se uma noite sem lua despencasse do céu em plena tarde. 

Pronto! Fim da pescaria. Não há mais peixes, não há mais pássaros não há mais sol; iria embora. Mas como? Pergunta-se. Com todo esse pretume jamais acertaria o caminho. Teria de esperar! Encolhe-se na posição fetal, assim é que ela sempre ficava quando se sentia insegura. Devagar, fecha os olhos e novamente as lembranças retornam.

Primeiro é a vastidão da floresta, com índios correndo nus por todos os lados. Livres, tomando banho nos rios. São muitos: crianças, todos crianças, curumins e cunhantãs. Grandes nações dizimadas, escravizadas, enfraquecidas, absorvidas pela ''civilização'' do homem branco, quase nada restando, a não ser os nomes, bonitos e poéticos: Baré, Uapés, Tarumã, Tupeba, Manáo... Manaú... Manaus, ''mãe dos deuses'' e deuses é o que eles pensavam ser, os poderosos senhores da floresta. Quando eles, os invasores, aqui chegaram abriram na mata, uma ferida mortal. Bem no coração verde da floresta, o branco, o homem branco, ergueu uma aldeia, logo depois, uma vila e finalmente uma cidade. Uma cidade que foi, que vai, crescendo desordenadamente, com ruas tortuosas e esburacadas; ruas que rasgam a selva fazendo-a gritar de dor. Ruas que vão tomando o lugar dos igarapés, sempre cheias de animais que por ela transitam livremente; ruas de nomes curiosos: travessa da estrela, travessa do sol, travessa da lua, travessa das gaivotas. As casas surgem em variados estilos arquitetônicos, mistura de raças e culturas. Olhos tristes de longe vigiam os acontecimentos e não gostam nada do que vêem. Luzes brilham, mas não são os olhos da cobra-grande, é a luz elétrica que mexe com a cidade. Mais uma invenção do homem. Para ele já não basta a luz do sol, da lua, das estrelas ou dos românticos lampiões. Invenção do homem, do homem...

Uma magnífica construção eleva-se do chão. Elegante, majestosa, e é dentro dela que eles realizam os seus sonhos. É no teatro mágico, fabuloso, como fabulosa é a cidade idealizada para ser a ''Paris das Selvas'', Paris dos sonhos; sonho amazônico de grandeza de um louco? De um visionário ou de um simples ''Pensador?''1 Talvez todos eles juntos, reunidos no espírito empreendedor de um único homem. Sonhos! Não dizem que tudo é sonho? A realidade é sonho e agora tudo passou. O sonho virou pesadelo, a fábula acabou como uma história mal contada. Ela não é mais a “Paris das Selvas”; não é mais a Paris dos sonhos, ela ganhou feios contornos de modernidade.

A cobra-grande não desperta mais, provocando tremores e temores, abalando a fantasia popular com sua imensa e poderosa cauda. O boto namorador já não dança nos bailes em dias de festa, somente Anhangá passeia debaixo deste sol, cada vez mais moreno, cada vez mais feliz. Os bons espíritos da floresta perderam seu lar e tiveram de se adaptar a nova realidade. Andam pelas ruas esquecidos de si, acreditando que são como uma gente qualquer. Esquecer e serem esquecidos.

Por fim ela compreende que as lembranças sempre foram suas, lembranças de quem sempre habitou este mundo verde desde os tempos sem memória. No mesmo instante dissipa-se a escuridão, então, se levanta e despindo-se da pele humana que vestira por muito tempo, mergulha na água de volta para casa. Os peixes ensinaram-lhe o caminho de retorno. Parte, deixando atrás de si um rastro de prata nas águas escuras do rio, enquanto se acendem as luzes, na cidade cada vez mais distante.

***

1 Pensador: Assim era chamado o então governador Eduardo Gonçalves Ribeiro.

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...