Chegando ao destino, o motorista desceu e bateu à porta da residência, mas ninguém atendeu. Bateu mais um pouco e nada e a moça desacordada dentro do carro. Sem saber o que fazer exatamente, o motorista pediu ajuda a um passante; retirou a jovem do carro, e sentou-a em uma mureta, encostando-a em um poste. Ainda insistiu na porta, porém, sem obter resposta, resolveu ir embora.
Resultado: Alta madrugada. Um ogro - sim, um ogro, porque não se pode chamar um ser das trevas, de pessoa, no mínimo, um demônio - passou e vendo a jovem, em posição vulnerável, simplesmente a colocou sobre os ombros, como se fosse um saco de coisa qualquer ou apenas uma presa mesmo, levando-a a um campo de futebol que havia ali por perto. Aproveitou-se da jovem por 4 horas, fazendo o que bem quis, depois, simplesmente deixou-a lá, literalmente largada, como se fosse nada, coberta apenas por um trapo sujo.
Ao clarear do dia, pessoas que passavam pelo descampado, se depararam com a moça semi nua, toda suja e ainda desacordada, possivelmente em estado de coma alcoólico. O SAMU foi chamado, mas a princípio, a jovem se recusou a ir a um hospital, preferindo ir pra casa, contudo, diante de seu estado lastimável, a família resolveu levá-la ao hospital e lá, no hospital, foi que a ficha caiu.
Pensemos juntos aqui: Qualquer pessoa poderia ser a vítima de uma situação como essa ou nem precisa ser igual a essa, você, sem quê nem pra quê, pode apenas passar mal na rua e ficar a mercê de seres inescrupulosos. Eu mesma, certa vez, entre a adolescência e a idade adulta, em início de festa, tasquei para dentro uma garrafa inteira de vodka, a seco, nem sei como não morri. Só não fiquei só e largada, porque tinha amigos de fato, minha irmã estava comigo (ficou muito zangada pois não pode aproveitar o show) e meu irmão, que mal havia acabado de nos deixar, resolveu passar outra vez, para ver se estava tudo bem. Encontrou-me deitada, no batente de um prédio, com a cabeça no colo de um amigo, com minha irmã ao lado. Voltamos pra casa em segurança, sem aproveitar nada do acontecido. Fui "zoada" por anos, por causa dessa presepada.
Bom… como ia dizendo, voltando ao assunto, qualquer um pode se ver em maus lençóis, diante de uma situação com resultado irreversível. Em primeiro lugar, deixemos claro: A vítima tem sempre razão, não nos cabe julgar a jovem, só porque bebeu demais, afinal quem nunca?! Todos somos "vítimas" em potencial, dependendo das circunstâncias. O que quero discutir aqui, é a falta de empatia, solidariedade, cuidados, preocupação. Foi um erro trágico atrás de um erro trágico. A esse tipo de evento, muitos denominam de "Comédia de Erros" (comédia, sim, mas não no sentido engraçado comumente dado ao significado da palavra).
Comecemos, então, a relembrar a situação: 1) A jovem, está em um show do cantor Thiaguinho, junto com os amigos, alguns dizem até que com colegas de trabalho. Ela exagera na alegria, na cantoria e assim na bebida. Madrugada chega, o show acaba, todo mundo se dispersa. Um amigo da jovem, percebendo sua condição, chama um carro de aplicativo, a põe dentro do carro e a despacha para casa, compartilhando a corrida com o irmão dela. A jovem segue, no banco do carro, completamente inconsciente.
Erro a) A jovem sentia-se segura entre os amigos e resolveu aliviar.
Erro b) O amigo pediu o carro para a amiga sem condições, mas não foi junto, porém, por desencargo de consciência, compartilhou a viagem com o irmão da jovem.
Erro c) O motorista do aplicativo, poderia ter recusado a corrida ou exigido que alguém fosse junto.
Erro d) Ao chegar ao destino, tentou acordar a jovem, mas, nada… dirigiu-se à porta, mas ninguém veio atender. Que fazia o irmão com quem o amigo havia compartilhado a corrida? Por que não estava a postos, a esperar a irmã?
Erro e) O motorista do aplicativo, tenta mais um pouco. Não obtendo retorno, pede a um transeunte que o ajude a tirar a moça do carro. O transeunte aceita ajudar.
Erro f) O motorista e o transeunte, tiram a moça do carro, e a colocam sentada numa espécie de mureta, apoiada a um poste. Nem passa pela cabeça do motorista e do transeunte, ter um pouco mais de paciência, bondade e tolerância.
Erro g) O motorista e o passante, vão embora, sem mais se preocuparem com a moça desacordada que ficou para trás. Isso, até saberem pelos jornais e sites de notícias, o que se passou, com a família da jovem, inclusive, culpando o motorista, pelo abuso sofrido por sua irmã.
Erro h) Que tipo de pessoa, está disposta a ajudar a outra, a se livrar de uma outra, sem fazer qualquer questionamento?
Erro i) A família não veio abrir a porta, para ver se a jovem havia chegado ou sequer monitorar a rua. Fizeram isso, tarde demais. Depois que o mal aconteceu.
Bom… no momento, é o que se sabe. Uma história triste, repugnante e que poderia acontecer com qualquer um, principalmente mulheres e crianças.
Agora, as perguntas que não querem se calar:
A moça, como vai juntar seus cacos?
A família, não acha que tem uma grande parcela de responsabilidade? Não é só o motorista o vilão.
Ao motorista faltou empatia, calor humano, faltou caridade e amor. O esforço que fez, insistindo em bater na porta, foi invalidado pelo abandono de incapaz. Como será que está se sentindo agora?
O transeunte, nem se fala. Parece um fantasma. Acho que está inerte até agora. Não se olha, não se vê e também não olha e não vê os outros.
Acho que todos têm sua parcela de culpa. É triste constatar que um pouco mais de paciência, compaixão e respeito teriam evitado que a moça, fosse abusada por um monstro, que, aliás, é casado e tem filhos, não sei se tem filhas, como se para ele, isso importasse. Como predador sexual, fazia o quê, na rua, alta madrugada? Caçava, né?
Por fim, não vi nada, uma nota do cantor Thiaguinho, se solidarizando com a jovem vítima deste caso, que, para o senso comum, é a maior culpada pela brutalidade que lhe sucedeu. Thiaguinho não se manifestou, ao menos que eu saiba, poderia mostrar um pouco de cavalheirismo e gentileza, agindo como um ser humano preocupado com outro ser humano. Se acaso fez isso e acaso não vi, peço desculpas.
Será que culpar a vítima é a única saída de quem não sabe pensar e por isso não tem nada a dizer? Ou só pelo fato de ser mulher, já produz o ranço tirando a responsabilidade de todos, inclusive do ogro neandertal, e numa misoginia escrachada, apontam a vítima como única culpada da própria barbárie que lhe sucedeu, porque, oras, né… na cabeça de todos é aquele preconceito, "ah, bem feito, teve o quê mereceu. Se estivesse em casa, nada teria acontecido. Quem mandou beber?!".