Um homem sábio tinha a reputação, amplamente difundida, de ter-se tornado irracional em sua apresentação de fatos e argumentos. Asssim, decidiu-se fazer um teste para que as autoridades do lugar decidissem enfim, se era uma ameaça para a ordem pública ou não.
No dia do teste, passou montado no lombo de um burro diante de todos. Ia montado de tal forma: com o rosto voltado para a parte traseira do burro. Ao chegar o momento de defender-se, ele perguntou a corte.
- Ao verem-me há um momento atrás, para onde olhava eu?
Os juízes, apostos, disseram- lhe então: - O senhor estava a olhar para o lado errado.
- Pois bem, isto exemplifica exatamente o que quero demontrar - respondeu o homem sábio - já que eu, segundo um ponto de vista, estava a olhar para o lado certo. O burro é que olhava na direção contrária.
As pessoas insistem em ver as coisas somente do modo em que se acostumaram a vê-las. Tomam-na como a maneira "correta". Ao isolar esta tendência em uma simples demonstração, o homem sábio ilustra o fato de que todos nós, todo dia, vemos uma quantidade de coisas de uma forma habitual, o que causa uma enorme limitação em nosso possível pensar, como se fossemos completos idiotas.
Impaciente, rompo em prantos, quebrando o silêncio.
Logo a noite se fará dia, revolvo-me em doída, mortal agonia
e temo ao raiar da aurora não mais te encontrar.
Morre o teu sorriso em meu olhar;
saem de minha boca palavras sem sentido
e nem tu compreendes o que digo.
Num instante, serás miragem à luz fugaz
que cobre a paisagem, pois já desponta a manhã sobre este voraz,
sufocante deserto.
Peixe fora d’água,
Longa é a distância que nos separa.
Onde estou?
Onde estás?
Pra onde vou?
Pra onde vais?
Com quem irei?
Com quem irás?
Continuaremos a vagar, tu e eu, por caminhos que não sei?
Perdidos, amortecidos, solitários em cada estação?
Pergunto e repondo a mim mesma.
Há negligência em nossos passos
e tentamos, através de atalhos, chegar a algum lugar.
Mas pra que tanta pressa?
O destino final pouco interessa.
Já dizia o sábio que se o esforço é demasiado,
corre-se o risco de ficar atolado.
Melhor, quem sabe, é esperar por companhia, talvez um guia,
e a hora certa pra continuar a viagem, já que, perigo há
em atravessar sozinho o grande mar.
Nesse discurso inconstante de amor forjado, desenfreado,
roubado do tempo, não te enganes por um só momento (uma vez que, nele, nada há que não esteja impregnado de tua Presença) que nessa ânsia desmedida que ultrapassa o desencanto, o desamor, entendas que Tu, somente Tu és meu bálsamo consolador
É tua imagem querida que refrigera e sossega-me a alma, se estranhas, ensimesmadas amarguras toldam-me a clareza perfeita do dia.
Salpicado de manchas roxas e marrons, dissera-me que já a tinha visto, que, claro, jamais a poderia ter esquecido, pois presente estava em algum momento
Quase sempre, vinha no vento ou no canto dos pássaros
e deixava-se ficar por um longo tempo, observando
a paisagem do alto dos prédios ou mesmo por cima dos galhos
das árvores ou ainda por sobre as campas do cemitério
Claro, não poderia jamais tê-la esquecido
pois, presente estava em algum momento
Fosse na paz, no sossego de um domingo, fosse num dia
de tumultuosa, ruidosa alegria
Era tão discreta, silenciosa, que sempre achavam que havia ido embora
Entretanto, cedo ou tarde alguém a via de relance e ao procurá-la no salão da alma, cujo corredor conduz direto ao coração, seu lugar preferido, é que reparavam no que dizia o letreiro, tão antigo, pendurado à porta:
“A Saudade, às vezes vai lá fora, sai mas volta, nunca vai embora. A Saudade é senhora. Ela ainda mora aqui.”
Do livro EL MONASTERIO MAGICO; Idries Shah; Edições Paidos Orientalia
Tradução: Virgínia Allan
Sonhei que havia entabulado uma conversação com um lobo em que lhe dizia: “Os lobos, são famosos entre nós, os seres humanos, e temos muitas histórias sobre vocês.”
O lobo disse: “Que interessante! Que tipo de histórias?”
Em resposta lhe contei aquela fábula do menino que gritava: ‘O lobo! O lobo...’
“É curioso”, explicou o lobo, “Nós não conhecemos esta história. Em vez dessa temos outra, com esses dois como principais personagens, mas, no lugar do menino é o lobo que grita: ‘O moço! O moço’. Já deves tê-la ouvido."
“Lamento, não a ouvi.”
Em vista disso, o lobo contou-me a fábula: “Era uma vez um lobo que conheceu a um menino, que, entretanto, era um caçador de lobos. Ao compreender o quão era perigoso um humano caçador de lobos, ele logo se pôs a correr de uma matilha a outra, gritando: ‘O moço! O moço!’
Porém, como os lobos não tinham noção do que seria um moço e possuíam apenas uma vaga ideia do que seriam os caçadores, não lhe deram nenhuma atenção. E, entre nós, há quem diga, que, como os lobos são deveras tontos, os homens (e às vezes, inclusive os garotos) podem caçá-los.”
“Mas, logicamente”, disse-lhe eu, “o conhecimento que têm de uma fábula como essa lhes servirá para preveni-los acerca da existência desses perigos e assim conseguir que sejam mais cuidadosos.”
Respondeu-me o lobo: “Vejo claramente que alguns de vocês, seres humanos, não são mais inteligentes que a maioria de nós. Igualmente a muitos de nós supões ao que parece que os contos aconselham e instruem, todavia, não te dais conta de que a aprendizagem se produz, na maior parte das vezes, pelo reconhecimento ulterior ao fato e não antes dele. Ademais, os lobos (não sei como será entre os humanos) consideram sempre que as fábulas aludem, em realidade a outros, mas nunca a si mesmos.”
Esta ideia espantosa foi o que me despertou. Mas, por sorte, o lobo havia desaparecido.