Um corvo, um cobre

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domingo, 30 de março de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA


CASA VELHA DE MINHA INFÂNCIA


Ainda trago dentro de mim uma casa velha pequena e pobre, toda de madeira, telhado de zinco e quintal grande, com pés de araçá, abacateiro, abieiro, goiabeira, com direito a gato, jabuti, papagaio e cutia. Bendita casa velha; pintada de azul, bem no meio de uma rua feia; rua de ladeira, barrenta e escorregadia, mas que apesar de tudo foi, durante anos, o melhor lugar do mundo. 

Na calçada vermelha, que ficou rosa e rachada com o passar dos anos, brincávamos de anelzinho, de roda, de pular corda. Nela balançava uma cadeira de macarrão em que se sentava meu pai para olhar o céu, antes punha um disco na vitrola e acompanhava o cantor, que bem podia ser Francisco Petrônio, Agostinho dos Santos, Angela Maria... e lá ficava até o anoitecer.

Casa velha de minha infância; cheia de histórias, casos, lendas, lembranças; as travessuras de meus irmãos, as festas, os dias de colégio, a família, os amigos, os ganhos, as perdas, as primeiras paixões e os primeiros enganos!

O tempo passou, me apaixonei, casei, tive uma filha, e mudei desta rua, mas não abandonei a casa de minha infância. Levei-a comigo, mas, vez por outra uma sombra a envolvia e embaçava meus pensamentos. No bairro onde antes vivia com minha pequena família, havia um vizinho, senhor de cabeça branca e olhos tristes, que sempre nos fins de tarde tocava as mesmas músicas que meu pai costumava ouvir e as cantava também; então, nesses momentos, feito magia, a sombra se desfazia, e ela, a casa velha, reaparecia em toda a sua pobreza e perfeição e isso trazia tristeza e alegria ao meu coração, pois via na figura deste senhor a alma de meu pai, e lá me sentia de volta ao começo.

Porém, o tempo, inexorável, passou outra vez, tive mais uma filha... Enviuvei e retornei para a rua feia, rua de ladeira, não mais barrenta e escorregadia, de novo a casa de meus pais, hoje uma construção de dois andares de tijolo, pedra e cimento, para o aconchego quente do colo de minha mãe viúva e embora a lembrança da casa velha de minha infância, misturada a dores e saudades mais recentes, ainda seja muito presente, às vezes, a sombra escura torna a envolvê-la e ela desaparece por algum tempo; mas só por algum tempo... Eis que realmente agora estou de volta ao começo de tudo, em todos os sentidos, sozinha, com duas filhas pra cuidar... Mas não me lamento. Vivi, e ainda vivo situações e sentimentos que há poucos seres são dados viver. A alegria não foi embora de todo, nem a intenção de fazer tudo, sempre, cada vez melhor. Esta lição de bem / saber viver, aprendi com meu pai e meu marido, continuo aprendendo de minha mãe e tento passá-las as minhas filhas, com a mesma certeza e o mesmo ardor que recebi desde os primeiros anos de minha vida.


Do livro Moronetá-Crônicas Manauaras; Virgínia Allan, Editora Valer 

sábado, 29 de março de 2008

UMA JANELA PARA A LUA


Eu tinha uma janela para a lua, uma janela toda azul salpicada de estrelas, mas um buraco negro a engoliu, e lá se foi minha janela e quase toda a minha vida também.  

De vez em quando em sonhos o gato risonho do País das Maravilhas [1] aonde certa vez, enquanto repousava, foi parar a menina Alice, de vez em quando ele aparece e se mete por dentro do buraco e dá-me aquele sorriso, um sorriso grande e iluminado, e assim eu consigo vê-la, apenas por uns instantes, trancada e virada de cabeça para baixo. 

As estrelas de minha janela toda azul, pobrezinhas, estão completamente apagadas, sem brilho algum, pois não é fácil viver na mais pura, crua e negra escuridão / solidão; não há brilho que resista, pois buraco negro que se preze, para poder manter sua fama de vilão não pode deixar nada sair de dentro dele, nem mesmo um fiozinho de luz. Em buraco negro, que segundo alguns estudiosos do assunto é tudo, menos um buraco, nada se vê e de lá nada sai.

É uma pena que eu só possa ter uma visão de minha janela toda azul, apenas em sonhos ou em pensamentos, o que vem, enfim, a dar no mesmo. Minha janela toda azul, salpicada de estrelas, inteiramente aberta para a lua, era assim como um porto seguro, minha fonte de inspiração e renovação, minha joia rara guardada no mais recôndito de meu ser, mas, que, entretanto, para o meu desalento, ficou para trás, em uma outra vida, e de vez em quando, no lamento da saudade, volto a rever / viver.

O buraco negro engoliu minha janela toda azul salpicada de estrelas escancarada para a lua arrastando também consigo dias iguais a estes, dias de sol, de chuva, de vento, de céu azul ou cinzento, que, para mim, no entanto, de um jeito ou de outro, foram dias mais felizes, ou talvez, eu, quem sabe, mais jovem e ingênua, tivesse maior capacidade de acreditar em mudanças, sempre para o melhor, que nos são proporcionadas pelo lento / veloz passar do tempo.


Costuma-se dizer que quando “Deus fecha uma porta, abre uma janela”, o meu caso foi o inverso, Ele fechou uma janela... mas, ainda acredito em mudanças, sempre para o melhor, tanto é assim que tento ficar de fora do campo gravitacional do buraco opressor, embora minha capacidade de crença no ser humano tenha diminuído bastante. Mas, afinal, contudo, porém, todavia, deixemos o passado descansar em paz. Nem tudo está perdido e como a esperança é a última que morre vale-nos lembrar que todo buraco negro já teve seus dias de estrela.



[1] Alice no Pais das Maravilhas; livro do autor inglês Lewis Carroll

POR QUE CONTO HISTÓRIAS?!...

Saiba amado meu, que eu conto histórias a fim de propagar a verdade; o amor e a gentileza entre os homens.

Quando falo destas coisas ou as tento expressar com minha pena, algo em mim se transtorna e percebo o alívio que sua exposição traz a minha alma e ao meu débil coração. Se a tristeza é um chamado de Deus, é um chamado muito difícil de escutar, uma vez que insistimos em esquecer o amor e valorizar a dor.

Para acompanhar meus relatos, faço uso da flauta e do alaúde. A melodia que sai destes instrumentos deixa o meu ser, um céu escuro clareado apenas pela lua, repleto de milhares de estrelas, pequeninas e brilhantes, e, nestes instantes, descubro aonde realmente se esconde a perfeição, e, é em teus olhos, amado meu, e a ti, somente a ti, ofereço a chave que abre a câmara onde se oculta o tesouro, ela jaz escondida sob minha língua em forma de palavras. Para o vulgo isso pode parecer estranho; mas, para o sábio a verdade se revela...

quarta-feira, 26 de março de 2008

ERRANTE


Era uma vez, há muito tempo, mas há tanto tempo que a própria palavra tempo era destituída de qualquer significado, existiam cidades cuja população era composta por toda sorte de gente, gente de todos os tipos e cores, de todas as alturas e de todos os tamanhos (altas, baixas, gordas, magras, gigantes, anões...) gente com todo tipo de aspecto, sentimento e disposição de caráter, gente com todo tipo de gosto e para todos os gostos, enfim, uma mistura variada e surpreendente, que, embora em menor quantidade espalhada sobre a face da terra, em nada diferia das que vivem nos dias de hoje.

Entretanto, apesar da grande diversidade de pessoas, havia um homem que vagava; errante, pelos quatro cantos do mundo, indo de cidade em cidade, pois se sentia extremamente só... e tão só se sentia este homem que buscava, buscava e buscava... não sabia muito bem o quê, somente que buscava alguma coisa e, nessa situação desequilibrada, causada pelo anseio de encontrar e dar um significado à própria busca, justificando assim a sua existência, se acomodou; comodamente só, mesmo estando entre, e, ao lado, de tantos outros tão buscadores quanto ele.

Todavia, certa feita, numa dessas curvas do caminho, encostou-se a uma pedra que não percebera estar quebrada e esta então lhe rasgou a pele, abrindo-lhe uma ferida.

Primeiramente ele pensou que esta ferida era somente uma conseqüência advinda das dificuldades impostas pelo caminho que havia escolhido e, por algum motivo, que mais tarde se esclareceria, a ferida estava ali. Então, seguro de que um dia entenderia outra vez se acomodou. Porém, tão só este homem se sentia que começou a acreditar que a ferida poderia ser uma solução, um remédio a sua solidão e assim pensando fez-se amigo de sua ferida.

Mas, com o tempo, a ferida principiou a desaparecer, já que havia se cumprido o seu ciclo reparador. O homem, ao ver que sua amiga o abandonava, se desesperava e, outra vez tornava a abri-la somente para não se sentir só.

No começo, usava um pedaço de madeira para se coçar; logo depois, um bico de pássaro morto e, a continuidade, seus próprios dentes. O homem sangrava e desse modo, não deixava a ferida se fechar, pois, em sua companhia, não se sentia tão só como antes.

Um dia, cansada de tentar em vão cumprir o seu ciclo determinado, a ferida, que era muito sábia, disse para o homem: 

“Escute-me... estou contigo há um longo tempo, mas, agora, preciso ir, preciso desaparecer. Conheço bem o teu desespero e a tua solidão; sei o quanto te sentes só e sei também que encontraste em mim uma companhia e, por isso, até o momento, tenho sido bastante tolerante para contigo, mas, para o bem de nós dois, chegou a hora de nos separarmos. Se continuares a manter-me aberta, sem fazer absolutamente nada, impedindo inclusive a passagem do tempo para que o mesmo me cure, começarei a crescer, e, pouco a pouco, tomarei todo o teu corpo, e sem dúvida, te matarei. Porém, se fizeres o que é natural de se fazer, isto é, se fores capaz de me lavares com cuidado, para que não deixe nenhuma cicatriz, permitindo que eu siga em meu caminho, distanciando-me de ti, aí, então, estarás agindo sabiamente e estarás, acima de tudo, te fazendo um favor ao transformar-te em um homem novo, pois, aquele que soube curar sua ferida, soube cuidar-se; soube entender-se, soube amar-se e um homem assim, que soube fazer tudo isso a si mesmo, certamente, jamais, nunca, estará só”. 

EL HOMBRE QUE SE SENTIA SOLO; Tradução e adaptação; Virgínia Allan

segunda-feira, 24 de março de 2008

NO MEIO DO REDEMOINHO



NO MEIO DO REDEMOINHO



A menina no meio do redemoinho
A ovelha no meio do redemoinho
O pastor no meio do redemoinho
O tempo no meio do redemoinho

A menina chora
A ovelha bale
O pastor se cala

O tempo dança
 

No meio do redemoinho

A criança expirou
A ovelha se perdeu
O pastor nada encontrou


No meio do redemoinho
O tempo, que era pouco, se acabou


Do livro RÉQUIEM; Virgínia Allan, Editora Scortecci

sábado, 22 de março de 2008

A BUSCA





Na ânsia de encontrar o Amigo, demorei-me à beira do abismo; meus olhos ardiam, mas, não cansavam de O procurar e meus lábios, ressequidos, não cansaram de O chamar. 
Na ânsia de encontrar o Amigo, vaguei perdido, noite e dia, perambulando por todos os caminhos, mas Ele não estava por onde andei.
Na ânsia de encontrar o Amigo, tateei na escuridão, clamei e chorei. Mesmo assim, Ele não teve piedade e para mim não voltou a Sua face. 

Na ânsia de encontrar o Amigo, não pude me calar, e, fui consumida pela dor. Meus dias foram somente pena e solidão.
Na ânsia de encontrar o amigo, despojei-me de tudo e vestido de andrajos,  mergulhei na aflição. Humilhado rastejei-me diante de Sua porta.
Quando, porém, meus apelos foram atendidos e o Amigo surgiu diante de mim, tive medo, e, tentei retornar sobre meus próprios passos, mas senti o peso de Sua mão e o terror dominou meu coração.
Ele me perseguiu com o fogo nos olhos e a violência das tempestades. 
Fui aniquilada por Seu beijo. 
A visão resplandecente do Amigo, me matou.


sexta-feira, 21 de março de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA - PARÁBOLA



Ao doente, a água doce em sua boca, possui um sabor amargo” (El Mutanabbi)


PARÁBOLA 
 

Sexta-feira da paixão de Cristo... chove lá fora... outra vez... e só a chuva corta o silêncio que paira na rua. Dentro de casa, o barulho da televisão e os brinquedos de minha filha espalhados pelo chão. Na cozinha, o cheiro de comida... Sexta feira da paixão... Em outros tempos, era muito diferente...
Apesar de ter sido criada dentro da religião católica, faço parte do grupo dos “não praticantes”, não por descrença, não por ser destituída de fé, mas, sim pelo simples fato de querer mais do que a religião socialmente estabelecida pode me dar. Não entrarei em detalhes dessa minha busca pela verdade, é pessoal demais, quero aqui, nesta sexta feira da paixão, contar uma história, um episódio da vida de Isa Ibn Mariam, ou Jesus filho de Maria bem pouco conhecido, relatada pelo filósofo sufi do século XII, Imã Al-Ghazali
[1].

Jesus, filho de Maria, um dia, viu algumas pessoas em estado de lamentosa miséria, sentadas sobre um muro, e dirigindo-se a eles, perguntou: “O que lhes aconteceu?”.
No que então lhe responderam: “Nos reduzimos a este estado por puro temor ao inferno”.
Jesus continuou sua caminhada e mais adiante, à beira do caminho, viu umas pessoas perdidas, desconsoladas. Ele novamente se aproximou e lhes perguntou: “O que foi? O que lhes aconteceu?”
“Nos reduzimos a esse estado por almejarmos ardentemente o paraíso”.
Jesus retomou sua jornada e seguiu assim até deparar-se com um terceiro grupo de pessoas, que, pelo aspecto, pareciam haver sofrido muito, entretanto, seus rostos mostravam uma alegria incomum, resplandecente: “O que foi? O que lhes aconteceu para deixá-los assim?”
E eles responderam: “O Espírito da Verdade. Vimos a REALIDADE e esquecemos de nossas metas mesquinhas”.
Disse Jesus: “Estes são os que chegam. No dia do Juízo certamente estarão em presença de Deus”.

Termino meu artigo, deste modo, com as palavras do jovem Rabi Isa Ibn Maryam, ou Jesus filho de Maria, que sofreu na cruz para a remissão dos pecados de pobres, miseráveis e indiferentes mortais, que temem o inferno, almejam o paraíso, e pouco aprendem com o sofrimento... e se esquecem que todo dia é um renascimento,uma ressurreição, uma constante renovação da vida por completo, por inteiro.


[1] EL CAMINO DEL SUFI, Idries Shah, 1986, Ediciones PAIDOS

quinta-feira, 20 de março de 2008

VÁRIOS TONS...


Saudades, meu amor.
Onde estás? Estás a dormir,
comigo a sonhar?




VÁRIOS TONS...


Música; poesia; cor; amor; alma e coração...; solidão. Um pátio vazio; um quintal com flores. Vidas entrelaçadas... para sempre, amor... filhos, aconchego do lar; estudos; trabalho; compreensão... cansaço... dores, fuga; rotina... cortinas; cortinas de fumaça; brilho de seda; brilho de uma estrela que, de repente, passa; nuvem; ilusão... A obra inteira do Led Zeppelin; Wild Horse, dos Stones; Você é linda, do Caetano...; Dó, Ré, Mi... uma clave de sol... cadê o sol? O inigualável Jimmy... Anos 70 na veia; Tropicália, a vida inteira... rock ‘n’ roll; jazz; blues e sedução...“quebra um”... quebra... quebra... coração... cigarro aceso... black... black... black baby...black music; black... Miles Davis; Nina Simone... Blue Note... Pastorius; Nico Assumpção.. tom.. acerta o tom... Tom Jobim, o maestro e uma canção; uma canção para Luisa... Luisa... suave brisa... Um instrumento... lições; faculdade... lições; Brasília... sonhos e lições...; AnnaClaraLua; o Baby sol... baby soul... baby show... ainda pergunta por você.... sábado de manhã; domingo de manhã... descanso, futebol e corrida de Fórmula 1.. Fantástico, o show da vida... mas, “dinheiro na mão é vendaval” “e lá se vai mais um dia”... de lenta agonia... e na Tulipa Negra é servido o Veneno da Madrugada, mesclado a muita Soda e muito pó... pó de mico... tim... tim.. Fim da linha... amigo...
Agora não há mais o que temer, o sol já se pôs; The Songs Remains the Same, mas “O SONHO ACABOU”.



Do livro RÉQUIEM; Virgínia Allan, Editora Scortecci


terça-feira, 18 de março de 2008

AFORISMOS


“Toma como exemplo as desgraças dos outros,
para que os outros não necessitem tomar as tuas como exemplo”.

Saadi, O Jardim das Rosas (séc.XIII)

***
“Quando o camelo de nossos esforços se afunda no lodo,
o que importa se nosso destino está perto ou longe?”

***
“Em qualquer estado, o coração é o meu amparo. No reino da existência é o meu soberano.
Quando me canso da deslealdade da razão... Deus conhece minha gratidão por meu coração”.

Ustad Khalilullah Khalili
Quatrains (1975)


MAR DE ESTUPEFAÇÃO



Mergulhada em um mar de estupefação, assim é que me sinto e certamente não só eu, mas quanto mais vejo, quanto mais ouço, quanto mais eu vivo, mais fico estupefata diante de tudo.

Entretanto, essa minha estupefação, que bem poderia ser um estado de encanto relativo à felicidade com os progressos que vamos fazendo em nossa evolução material e espiritual, infelizmente, é um estado de total paralisação diante do horror, da brutalidade e da banalidade da qual estamos cercados e de certa maneira condenados a viver, conviver, com todos obedecendo de forma literal os antigos ditados do tipo: “Quem for podre que se quebre”; “Cada macaco no seu galho” e outros afins... É uma pena que nos dias de hoje a frase “não vejo, não ouço, não falo” seja a cartilha pela qual rezamos todos. Isolados, pedimos proteção aos anjos e demônios; desejamos a intervenção divina e extraterrestre; andamos com guias, terços e amuletos, mas, sabemos que nada disso nos adianta; nada disso nos salva, para a verdadeira proteção o que nos adiantaria mesmo seria, sim, o entendimento, a união e a solidariedade (esta então cada vez mais rara, cada vez mais distante de nós) entre as gentes, isso sim, nos protege, isso sim, nos dá poder. Sozinhos, somos vulneráveis, "quase" impotentes. Pouco, quase nada podemos fazer diante do perigo de uma realidade que de repente torna-se sem sentido, parecendo mais uma espécie de sonho ruim, pesadelo delirante do qual tentamos desesperadamente fugir, escapar, acordar... Para onde? Para os braços protetores de quem? Temos a humildade suficiente para reconhecer que estamos com medo; que vivemos com medo? Como nos proteger? Como pedir ajuda se mal podemos andar nas ruas? Uma espécie de confraria cujo interesse visasse o bem estar de todos, poderia ajudar? Sofremos de excesso de orgulho e abusamos de nossa auto-confiança... Prepotência ou ingenuidade, pura e simplesmente? Só nos mobilizamos quando somos pessoalmente atingidos, se isto acontece, ai, sim... saímos em passeatas, fundamos ONG’S, gritamos e choramos... Abramos os olhos, estejamos atentos, a dor do outro é também a minha, a nossa dor. Abramos os olhos e estejamos atentos antes que sejamos todos vítimas do caos que ameaça nos devorar.
Em uma situação extrema em um bairro qualquer de qualquer cidade deste nosso país, quiçá, do mundo, seja ele periférico ou não, cuja vizinhança é quase parede com parede, e, alguém, dentro de seu próprio território, no recesso sagrado de seu lar; seja invadido em sua privacidade em todos os sentidos e surpreendido por um terror inimaginável, inesperado, é incompreensível ouso dizer, até mesmo inadmissível que ninguém veja ninguém ouça, ninguém saiba de nada. Pronto! Está consumado?!Voltemos a pôr a cabeça no buraco, como faz o avestruz, voltemos a nossa vidinha mesquinha, cuidemos de nossos afazeres; voltemos a nossa alienação e falta de consideração, afinal, o que poderíamos fazer? Por isso não nos adianta apontarmos culpados, pois culpados somos todos, coniventes com a omissão, a injustiça e desamor que reinam entre os homens. Tudo o que fazemos e dissemos, soa-nos falso; uma forma de amenizar, de nos desculpar daquilo que, lá no fundo de nós mesmo, sabemos sermos também culpados.

Não podemos parar o mundo e pedir para descer, como dizia uma canção do Raul, mas muito me impressiona a falta de solidariedade, indiferença e o cinismo com que damos prosseguimento a nossa vida Realmente estou mergulhada em um mar de estupefação, espero apenas nele não me afogar, já que não sei nadar. Dentre tantos candidatos a “salvador da nação” haverá um com motivos realmente justos?

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...