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terça-feira, 24 de junho de 2008

ENCANTAMENTO


Para Márcia

Que os peixes nunca te deixem esquecer.

Ela pensava enquanto pescava. De uns tempos pra cá, as coisas andavam esquisitas. Lembranças que não eram suas se sucediam em sua mente como cenas de um filme antigo, não conseguia livrar-se delas por mais que tentasse. Saíra para pescar justamente para ver se podia, ao menos, entendê-las. 

Era montar quebra-cabeças. Uma aragem fria sacode-lhe os castanhos e compridos cabelos, encrespando também as negras águas do rio, e de repente, ela sente medo. Uma escuridão, vinda não se sabe de onde, envolve tudo, como se uma noite sem lua despencasse do céu em plena tarde. 

Pronto! Fim da pescaria. Não há mais peixes, não há mais pássaros não há mais sol; iria embora. Mas como? Pergunta-se. Com todo esse pretume jamais acertaria o caminho. Teria de esperar! Encolhe-se na posição fetal, assim é que ela sempre ficava quando se sentia insegura. Devagar, fecha os olhos e novamente as lembranças retornam.

Primeiro é a vastidão da floresta, com índios correndo nus por todos os lados. Livres, tomando banho nos rios. São muitos: crianças, todos crianças, curumins e cunhantãs. Grandes nações dizimadas, escravizadas, enfraquecidas, absorvidas pela ''civilização'' do homem branco, quase nada restando, a não ser os nomes, bonitos e poéticos: Baré, Uapés, Tarumã, Tupeba, Manáo... Manaú... Manaus, ''mãe dos deuses'' e deuses é o que eles pensavam ser, os poderosos senhores da floresta. Quando eles, os invasores, aqui chegaram abriram na mata, uma ferida mortal. Bem no coração verde da floresta, o branco, o homem branco, ergueu uma aldeia, logo depois, uma vila e finalmente uma cidade. Uma cidade que foi, que vai, crescendo desordenadamente, com ruas tortuosas e esburacadas; ruas que rasgam a selva fazendo-a gritar de dor. Ruas que vão tomando o lugar dos igarapés, sempre cheias de animais que por ela transitam livremente; ruas de nomes curiosos: travessa da estrela, travessa do sol, travessa da lua, travessa das gaivotas. As casas surgem em variados estilos arquitetônicos, mistura de raças e culturas. Olhos tristes de longe vigiam os acontecimentos e não gostam nada do que vêem. Luzes brilham, mas não são os olhos da cobra-grande, é a luz elétrica que mexe com a cidade. Mais uma invenção do homem. Para ele já não basta a luz do sol, da lua, das estrelas ou dos românticos lampiões. Invenção do homem, do homem...

Uma magnífica construção eleva-se do chão. Elegante, majestosa, e é dentro dela que eles realizam os seus sonhos. É no teatro mágico, fabuloso, como fabulosa é a cidade idealizada para ser a ''Paris das Selvas'', Paris dos sonhos; sonho amazônico de grandeza de um louco? De um visionário ou de um simples ''Pensador?''1 Talvez todos eles juntos, reunidos no espírito empreendedor de um único homem. Sonhos! Não dizem que tudo é sonho? A realidade é sonho e agora tudo passou. O sonho virou pesadelo, a fábula acabou como uma história mal contada. Ela não é mais a “Paris das Selvas”; não é mais a Paris dos sonhos, ela ganhou feios contornos de modernidade.

A cobra-grande não desperta mais, provocando tremores e temores, abalando a fantasia popular com sua imensa e poderosa cauda. O boto namorador já não dança nos bailes em dias de festa, somente Anhangá passeia debaixo deste sol, cada vez mais moreno, cada vez mais feliz. Os bons espíritos da floresta perderam seu lar e tiveram de se adaptar a nova realidade. Andam pelas ruas esquecidos de si, acreditando que são como uma gente qualquer. Esquecer e serem esquecidos.

Por fim ela compreende que as lembranças sempre foram suas, lembranças de quem sempre habitou este mundo verde desde os tempos sem memória. No mesmo instante dissipa-se a escuridão, então, se levanta e despindo-se da pele humana que vestira por muito tempo, mergulha na água de volta para casa. Os peixes ensinaram-lhe o caminho de retorno. Parte, deixando atrás de si um rastro de prata nas águas escuras do rio, enquanto se acendem as luzes, na cidade cada vez mais distante.

***

1 Pensador: Assim era chamado o então governador Eduardo Gonçalves Ribeiro.

domingo, 22 de junho de 2008

FESTA DO BOI BUMBÁ OU PAVULAGEM



A leste do Amazonas, precisamente a 325 Km de Manaus, se encontra, sob a benção de Nossa Senhora do Carmo, a padroeira, o município de Parintins, a ilha do folclore, assim conhecida por abrigar durante os dias 28,29 e 30 de junho a maior festa folclórica do estado, quiçá, do país. Perdendo apenas para o carnaval, a festa do boi-bumbá, é também conhecida por pavulagem, que no dizer do caboclo da região, significa gabar-se, contar vantagem.
A “ilha Tupinambarana” (falsos tupis) outro nome pelo qual Parintins é chamada, situa-se à margem direita do rio Amazonas e é formada por uma população de espírito moderno e empreendedor, vibrante, que detêm nos bois Garantido (vermelho) e Caprichoso (azul), as suas maiores paixões. Divididas em torcidas, nos dias de festa, a rivalidade chega ao extremo de se pintar a casa ou só se vestir com roupas da cor do boi de sua preferência.
A festa de boi-bumbá veio do Maranhão, que lá era chamada por bumba-meu-boi, com os primeiros imigrantes que aqui na Amazônia vieram se instalar, tomando desde então, devido à miscigenação existente na região, características próprias. Mas, apesar de afluírem para a “ilha dos falsos tupis” grandes levas de turistas não é só em Parintins que se respira folclore ou brinca-se de boi-bumbá, em Manaus, ainda é viva e forte a tradição desta dança dramática preservada com muito carinho no seio das comunidades e nos bairros. A morte e a ressurreição do boi são os pontos altos dessa festa magnífica, encenada nas profundezas da Floresta Amazônica, é o canto do branco, do negro e do índio misturados aos cantos dos encantados, dos pássaros e outros bichos, pedindo passagem para que o mundo ouça a sua mensagem e que, ao volver o olhar para esse mítico “paraiso/inferno verde”, pense que é preciso e possível a preservação, é possivel um futuro promissor, "garantido" e "caprichoso", duradouro, para nós, para todos.

sábado, 21 de junho de 2008

AURORA [1]



“Ai, que dia mais quente!”. Assim dizia o menino consigo enquanto tirava a camisa.
Ele caminhava às margens de um riacho em que crianças nadavam aproveitando o calor da manhã. A água, limpa e fria, era um convite tentador.
Dali de onde estava podia ver as casas em construções, imitando os velhos estilos europeus. Eram bonitas. Algumas possuíam janelões, com sacadas cobertas de flores.
O menino tem uns dez anos de idade. É inteligente e imaginativo; observa as coisas com muita atenção, tirando por fim suas próprias conclusões. Ele está sempre aprendendo.
Naquele dia não foi à escola e seguiu em direção ao riacho. Estava quase pulando n'água, quando, de repente, o barulho de uma porta fê-lo olhar para os lados da casa mais bonita, e de pé, na sacada, viu uma linda menina; linda de um jeito que nunca vira na vida.
Trazia nas mãos um jarro com o qual pôs-se a regar as flores e ao se inclinar, os longos e finos cabelos cobriram, como um véu, o seu delicado rosto. Era a própria deusa Aurora, radiante, perante as portas do alvorecer.
O menino, não podendo mais suportar o calor, refugiou-se à sombra de um muro, porém, na verdade, a visão inesperada afetara-o mais que o sol abrasador. Ele queimava por dentro. Em seu coração sentiu uma sede que nunca, nada poderia aplacar e sentiu também uma imensa felicidade. Uma leve brisa soprou, espalhando um suave perfume que ele, atordoado, não soube dizer se vinha dela ou das flores que regava. Devagar fechou os olhos e saboreou a doçura da descoberta do primeiro amor.


***Inspirado em Saadi de Shiraz, El Jardín de las Rosas; Décimo quinto cuento

sexta-feira, 20 de junho de 2008

TAMBATAJÁ [1]


Amasuru, índio da tribo Macuxi, além de grande guerreiro, era belo e inteligente, pois os deuses o haviam agraciado com todas as graças que pudessem ser concedidas a um mortal. Mas um dia, enredado pelas artimanhas de Rudá, o deus do amor, o guerreiro apaixonou-se perdidamente por Jaciara, a filha do pajé.
Realmente, em todo Imenso Vale Verde não havia beleza igual. Cabelos longos, negros e brilhantes, emolduravam um rosto que de tão rosado parecia besuntado de urucum
[1].
Para felicidade de Amasuru, Jaciara também o amava e diante desse fato, foi acertado o casamento.
Depois de casados, marido e mulher viviam felizes, devotados que eram um ao outro.
O tempo passou e tudo ia bem até que o guerreiro precisou se ausentar. Uma sangrenta batalha o aguardava. Amasuru, que não queria saber de matanças desde que conhecera o amor, chorou bastante. Mas, por questões de honra, sendo ele o mais bravo e o mais forte, precisava ir.
Pegando as armas de guerra, subiu na ygar
[2] juntando-se aos outros, rapidamente desaparecendo nas curvas do rio.
Jaciara lamentava-se noite e dia. Perdeu o rosado do rosto e caiu doente. O que seria dela se Amasuru não voltasse?
No clamor da batalha distante, o guerreiro lutou com a força do desespero, matando muitos, pois queria, o quanto antes, voltar para casa.
Numa noite de lua cheia, o povo da aldeia Macuxi, ouviu ao longe o canto do inybi-á
[3]. Eles voltaram, mas Jaciara, doente como estava não pôde levantar-se. Amasuru, ao procurar sua amada e não encontrá-la em meio à gente, acorreu rapidamente à sua oca. Lá estava ela, ainda deitada e ardendo em febre. Seu pai, o velho pajé, desistira de suas pajelanças e procurava acalmar os delírios da filha.
Preparou-se uma festa, onde Amasuru seria o maior homenageado. Não compareceu, o que apenas lhe importava era ficar ao lado de Jaciara.
Naquela mesma noite, pela madrugada, Jaciara melhorou e ao contemplar o amado, as cores e o sorriso lhe voltaram, e durante algum tempo, o casal tornou a ser feliz. Para não mais deixá-la só, enquanto se recuperava, Amasuru teceu uma tipóia, onde a colocou, amarrando-a as costas, levando-a assim para todos os lugares.
Mas o contentamento teve a duração do tépido calor da manhã.
Certa feita, Amasuru, sempre carregando a tipóia, resolveu dar um passeio num lugar bonito, cheio de beija-flores, que só ele conhecia. Pelo caminho foi conversando com Jaciara, enquanto ia recolhendo água, flores e alguns frutos. Porém, ao chegarem no dito lugar e ao desamarrar a tipóia, o jovem índio constatou que Jaciara estava morrendo. Só teve tempo de retirá-la e ampará-la nos seus braços.
Tomado pela dor carregou seu corpo, embrenhando-se por dentro da floresta. Parou à beira de um riacho, onde, com suas próprias mãos, cavou uma sepultura. Depois, baixando o corpo da esposa, deitou-se ao seu lado, lá permanecendo até o fim.
Grossas chuvas despencaram, empurrando a terra que, aos poucos, foi cedendo e cobrindo os amantes. Amasuru olhou uma última vez para o céu. Um raio iluminou a escuridão, e o coração do jovem guerreiro se aquietou. Tupã havia aceitado seu sacrifício.
No retorno da lua cheia, em cima da sepultura, brotou um pé de planta, de folhas triangulares, de cor verde escuro; trazendo em seu verso uma outra folha de menor tamanho. É o tambatajá, a qual os índios e os caboclos da região atribuem poderes místicos.
Nas casas em que há amor, a planta cresce viçosa. Se na folha grande não existir a pequena é sinal de que não há amor, e se acaso apresenta mais de uma folhinha, então é porque há infidelidade entre o casal.

*********
[
1] urucum: fruto do urucunzeiro, em que, da polpa, se extrai um corante vermelho.
[2] ygar: canoa
[3] inibi-yá: espécie de cornetim

Do livro MORONETÁ-Crõnicas Manauaras, Virgínia Allan, Editora Valer

quinta-feira, 19 de junho de 2008

DESABAFO


Gerei meu assombro ao divisar teu rosto entre um açoite de lembranças esquecidas. Dominou-me a amargura, cansado que estava em chamar teu nome. Aborreceu-me, então, o silêncio da noite.
Pensei em começar uma nova história em que fosses tu o principal personagem, porém teus atos traíram tuas palavras e dei-me conta, de repente, que, outra vez, mergulharia na mais banal das situações.
Letargia! Estou cansada dos rostos que se escondem sob as máscaras que não escondem nada... Será possível, meu Deus, que não haja, neste mundo, um ser real, um ser de verdade? Que não seja de plástico? Serão mesmo todos iguais...?! Decepção... Ó mundo, maldita fábrica humana de bonecos.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

terça-feira, 17 de junho de 2008

PROSA



Acho que alguém já disse que escrever é como tecer um tapete ou coser uma roupa... É bela e romântica a comparação...
Descobri outro dia, entre velhos papéis dobrados, rascunhos de desenhos e textos esquecidos, uma bela história escrita num antigo caderno de escola. A minha história... Nossa... fazia tanto tempo que o caderno estivera ali escondido que por pouco não o rasguei e joguei-o fora, quase ignorando a voz insistente, mas amiga, que não cansava de sussurrar em meus ouvidos para que não fizesse isto... Cedi, é claro, à minha intuição seria, realmente um gesto insensato, mas agora estou em dúvida se a conto ou não... A minha história é tão bonita, tão rica de detalhes e tão transparente... só não lêem os segredos revelados nas entrelinhas aqueles que nunca amaram ou nunca se libertaram de conceitos estereotipados...

PAUSA para pensar hummm... Pensando... Pensando...?!?!....Huuuummmm!

Não.... para o desconsolo de todos que apreciam conhecer um segredo, decidi-me por não contá-la , é pessoal demais para espalhá-la por aí, aos quatro ventos, então, sinto muito, mas a guardarei para mim... Por enquanto, porém, para que não morram de curiosidades, ou de inveja, limitar-me-ei aqui, apenas a contar sobre o tipo de material do qual é composta (a sua descrição, por si só, já garante uma boa dose de encantamento) um material especial do qual são tecidos todos os sonhos, como diria um famoso poeta inglês, uma vez que a minha história transpôs o papel e ficou pairando no mundo irreal (ou ideal?) e um tanto frágil da inevitabilidade das idéias...
Primeiramente, a fim de chamar a atenção, um fino e brilhante revestimento de palavras e frases de gentilezas vê-se logo na introdução, a costura, feita a mão, de um modo raro, entra e sai num alinhave de letras perfeito, unindo e reforçando os pontos de ação que não podem nunca ficar separados para dar boa impressão.
No meio do tecido, um bordado de suspense e romance, mesclado a um bom reforço com as fortes linhas do drama, entrecortado pelas finas linhas coloridas do riso, e justamente neste exato momento uma lágrima furtiva se aproveita, e perfurando o bloqueio anti-sensibilidade, escorre, manchando o tecido onírico, levemente amarelecido.
De uma linha a outra, na continuidade da costura cuidadosa, um perfume de lembranças, saudades ignoradas, nos assaltam e, pegos desprevenidos, somos obrigados a fechar os olhos e parar, outra vez, por mais um longo instante a fim de ouvir e entender o silêncio, e, como é uma costura comprida e ainda sem fim está repleta de pontas soltas.
O mistério da perfeição do tipo e modelo do tecido, se encontra nos pontos de exclamação e interrogação... para se poder entendê-lo, deve-se antes lapidá-lo como se faz com a pedra preciosa, pois, é somente depois desse árduo trabalho, que o entendimento reluz como as luzes maravilhosas de um glorioso dia de sol; é exatamente deste mistério que são feitos os preciosos botões mágicos que enfeitam o tecido, levemente amarelecido de minha história, que abrem e fecham as casas de nossas ilusões e doces pensamentos...

Cantilena do Corvo

DEMÔNIOS... OS MEUS, OS SEUS, OS NOSSOS

  Sempre indaguei da vida, se ela presta mesmo, apesar de, lá no fundo de mim, acreditar que sim, “a vida presta”, apesar de tantas barbarid...