Ele podia não saber "como havia chegado até ali", mas eu sabia... Estava cansado da casa vazia, das noites insones, do abandono, da solidão, da loucura generalizada, da repetição dos dias... A indiferença, a desesperança, o desamor e o auto-engano foi o que, então, o levaram até ali, uma longa jornada... Primeiro um passo, depois outro, outro e mais outro... para ele não restava mais nada, apenas o asfalto, lá embaixo, só... às vezes, a vida, para alguns, não é apenas difícil, é extremamente insuportável... Primeiro um passo, depois outro e mais outro e ele, ignorante de tudo, mesmo dos motivos da própria morte, "nem sabia como havia chegado até ali"... mas, eu sabia... Primeiro um passo, depois outro, outro e mais outro...
Um corvo, um cobre
Se quiser jogar um cobre a um corvo pobre, será muito bem vindo: chave pix: virginiallan@hotmail.com
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segunda-feira, 5 de maio de 2008
domingo, 4 de maio de 2008
SOTURNO
KAMIKAZE
Uma certa tristeza no jeito de olhar trai a tranqüilidade que tenta passar. Impossível se controlar o desespero de uma alma sobrecarregada. O odor da bebida, no bafo quente é a dor que sai pelos poros em forma de suor.
Onde dói?
Doem os dentes; doem os olhos; doem os ouvidos; dói a mente...
Onde dói?
Doem os dentes; doem os olhos; doem os ouvidos; dói a mente...
****
Onde dói?
Dói a garganta; dói o peito; dói o coração; dói o pulmão...
****
Onde dói?
Dói a barriga; doem as pernas; doem os braços; doem as mãos; doem os pés...
Onde dói?
Dói a garganta; dói o peito; dói o coração; dói o pulmão...
****
Onde dói?
Dói a barriga; doem as pernas; doem os braços; doem as mãos; doem os pés...
****
Enfim,
Dói o corpo inteiro; dói a vida; dói a morte; dói a alma; dói o amor; dói a dor; 1;2; 3; inspirar; 1;2; 3; expirar; inspirar;expirar; devagar... para não enlouquecer. Se adiantasse - ou tivesse coragem!? - arrancaria a cabeça; se adiantasse - ou tivesse coragem!? – se faria em pedaços; se adiantasse - ou tivesse coragem !?- lançar-se-ia janela afora e se estatelaria no chão, lá embaixo, feito fruta madura que ninguém mais quer, cujo único e possível destino é apodrecer na solidão.
E uma vez, diante da tragédia consumada, a pergunta que todos se farão (será...?) será a mesma de sempre: “O que foi que aconteceu...!?”.
Como epitáfio, por piedade ou brincadeira, (que importa...;... quem se importa?) apenas uma frase escrita às pressas num velho pedaço de papel: “Aqui jaz um grandíssimo F.D.P. Perdôo a quem disser ou pensar o contrário”.
Dói o corpo inteiro; dói a vida; dói a morte; dói a alma; dói o amor; dói a dor; 1;2; 3; inspirar; 1;2; 3; expirar; inspirar;expirar; devagar... para não enlouquecer. Se adiantasse - ou tivesse coragem!? - arrancaria a cabeça; se adiantasse - ou tivesse coragem!? – se faria em pedaços; se adiantasse - ou tivesse coragem !?- lançar-se-ia janela afora e se estatelaria no chão, lá embaixo, feito fruta madura que ninguém mais quer, cujo único e possível destino é apodrecer na solidão.
E uma vez, diante da tragédia consumada, a pergunta que todos se farão (será...?) será a mesma de sempre: “O que foi que aconteceu...!?”.
Como epitáfio, por piedade ou brincadeira, (que importa...;... quem se importa?) apenas uma frase escrita às pressas num velho pedaço de papel: “Aqui jaz um grandíssimo F.D.P. Perdôo a quem disser ou pensar o contrário”.
sábado, 3 de maio de 2008
RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-DESEJOS - UM CONTO REGIONAL SOBRE O PODER MALÉFICO DA NEGRA SENHORA DAS ÁGUAS
Todo mundo estranhou o jeito calmo de Raimundo. Era sempre tão nervoso; tão ansioso. Trabalhava duro. Queria ficar rico. De tanta ambição, Raimundo começou a modificar-se. Quem te viu e quem te vê! Largou os amigos e só pensava na realização de seus desejos mundanos: casa bonita com piscina, viagens pro estrangeiro, carro do ano, mulheres e mais mulheres. Por isso é que estranharam quando Raimundo voltou a freqüentar o velho bar do Osmar, onde podia encontrar todos os fins de tarde aqueles que; um dia, começara a esquecer.
Chegou; lépido e festeiro, como quem havia tirado um enorme peso de cima dos ombros. Pediu sua cervejinha com um pratinho de tira-gosto e sentou-se à mesa junto aos outros.
“O que te aconteceu Raimundo. Não era hora de estares trabalhando?”.
“Que trabalho o quê João. Eu agora vivo assim, de cara pra lua ou pro sol. Não quero saber mais de nada. E olha, sabe a tua dívida...?”
“Eu sei Raimundo, que ainda te devo, mas pretendo pagar”...
“Espera, homem! Nem acabei de falar; pois bem, a tua dívida está perdoada. O que eu quero mesmo são meus amigos de volta, tomar as minhas cervejas e apreciar o pôr-do-sol. Enfim, sossego. Quero sossego. Amigos, eu estava à deriva. Não há nada pior que confundir os meios com o fim”.
“Mas, o que é que te deu?” Perguntaram os outros, a uma só voz”.
“Vou contar. Aconteceu algo fora de série comigo, mas ouçam, o acontecido pouco importa já que tudo é passível de acontecer. Importante mesmo é o significado desta aventura que me fez ver a vida com outros olhos. Prestem atenção e vejam se não é coisa de doido”.
“Outro dia, cansado de tanto trabalhar, arrumei minhas tralhas de pesca e sai na pequena lancha que uso para estas ocasiões. Saí meio que sem rumo, adoidado, não pra muito longe. Eu estava começando a ficar acabrunhado. Os negócios; que iam bem, me deixaram ranzinza, pesado, obsessivo e desalentado. Só pensava em fazer dinheiro e me divertir. Sentimentos ruins, mesquinhos, começaram a tomar conta de mim, - tanto é que me esqueci o quanto era bom estar aqui com vocês - mas, acreditem ou não lutava contra isso. Então, larguei tudo naquele dia. Parei a lancha no meio do rio. Acontece que não tive paciência para pescar. Acabei me recostando, puxei o chapéu e tirei uma soneca”.
“Quando acordei, já era tarde, mas me incomodei. Estava tudo calmo demais”.
“A noite caíra e a lua; de bubuia, lançava sobre a escuridão delicados fios de prata”.
Apesar deste quadro magnífico que a natureza me oferecia, tive medo, pois para mim, só havia escuridão; a escuridão da noite; a escuridão da água e a escuridão de meu coração, esta mais tenebrosa e profunda que as outras. Meu Deu como ansiava pelo sol! Súbito um banzeiro leve; depois outro mais forte, e em seguida, o que vi jamais vou esquecer. De dentro d’água uma enorme cobra preta se levantou; seus olhos possuíam uma luz sobrenatural; uma luz amarela; cegante; apavorante. Não acreditei...Eis que diante de mim surgia a Boiúna, com chifre e tudo. Tremia sem parar; nunca tive tanto medo na vida. Em questões de segundo; vi a cobra engolir a lua. Seria mesmo verdade aquilo que estava vendo?; Ou seria apenas um surpreendente sonho maléfico?; Julguei que estava ficando louco, porém, uma segunda ondulação me fez acreditar e subitamente; ela abriu a bocarra e me engoliu também, com lancha e tudo. Fui escorregando garganta abaixo, até, finalmente, perder a consciência”.
Dentro da barriga daquele ser hediondo, dormi o sono da morte, tranqüilo e eterno. Quanto tempo durará a eternidade? Um segundo, uma vida inteira? Não sei dizer; não sei também porque ela me vomitou. Talvez restasse em minha essência algum tempero nocivo para o seu não muito exigente paladar.
Fui lançado no fundo do rio, e quando voltei à superfície, percebi que para salvar minha vida teria que lutar. Foi aí que me lembrei do punhal de prata presente de meu avô, de lâmina mais que afiada. Rezei para as forças não me faltarem. Mas, como acabar com um bicho daquele tamanho?
Aproveitando-se deste ligeiro instante de indecisão, pois vocês todos são testemunhas de que não desenvolvi este mau hábito, a maldita me pegou no seu abraço mortal, senti os ossos estalarem e comecei a gemer de dor. Não conseguia reagir. Entretanto, para minha sorte, ela afrouxou o abraço e rapidamente, puxei o punhal de minha cintura. Estava novamente, bem próximo à sua boca e podia sentir seu hálito quente e pestilento. Um arrepio gelado percorreu minha espinha. Era ela ou eu, e é lógico que optei por mim. Sem vacilar, com a mão segurando firme o cabo do punhal, enterrei-o em sua garganta, em seguida um outro golpe, depois outro, outro, outro e mais outro... Subitamente, os olhos, esbugalhados, voltaram-se para mim; não fugi; não chorei; não temi ficar cego ou ser consumido vivo; por aquela maldita luz. Estava desesperado e queria apenas sobreviver. O silvo lancinante que soltou fez a floresta inteira tremer. Ao longe pude ouvir o revoar de pássaros e os urros dos animais amedrontados. A Boiúna largou-me no mesmo instante e num segundo desapareceu nas profundezas das águas. Do meio do rio, nadei feito um condenado, torcendo para que ela, mais que enfurecida, não retornasse disposta a uma vingança.
Ao alcançar a segurança da margem, caí, exausto de sono e de cansaço. Por fim, sobre esta estranha madrugada desceu nova quietação.
Na manhã seguinte, fui encontrado pelos meus empregados, que acharam que a pesca estava demorando demais. Acordei sentindo uma terrível dor de cabeça. Minha testa estava ferida e na mão ainda segurava o punhal.
Ao meu redor, tudo estava normal outra vez, mas não igual. O banzeiro, provocado pela passagem dos barcos, os botos nadando ao longo do rio, a arara vermelha atravessando o céu, os gritos dos macacos, perdendo-se à distância. Tudo estava normal, mas não igual. Eu havia travado uma batalha e conquistado um troféu, um troféu que eu não poderia levar pra casa para enfeitar a minha sala ou para exibir pros amigos. Era um troféu merecido, resultado de uma guerra particular travada dentro e fora de mim. Isso tudo porque passei, gerara um homem novo, filho do sol e da lua. Um guerreiro com forças suficientes para combater e matar o seu dragão. Acreditem ou não, eu lutara comigo mesmo, lutara contra os pérfidos sentimentos que queriam me possuir. Percebi que tudo aquilo pelo qual ansiava, se não tomasse cuidado!... Meus desejos eram como a grande cobra a me envolverem num abraço mortal. Acreditem ou não, resolvi dar-me uma chance e, graças a Deus, estou aqui, renascido; livre e feliz sob este novo céu, sob este novo sol, sob esta nova lua, bem distante da goela e da barriga escura e fedorenta dos meus desejos mais delirantes.
Do livro Moronetá-Crõnicas Manauaras, Virgínia Allan, Editora Valer
Chegou; lépido e festeiro, como quem havia tirado um enorme peso de cima dos ombros. Pediu sua cervejinha com um pratinho de tira-gosto e sentou-se à mesa junto aos outros.
“O que te aconteceu Raimundo. Não era hora de estares trabalhando?”.
“Que trabalho o quê João. Eu agora vivo assim, de cara pra lua ou pro sol. Não quero saber mais de nada. E olha, sabe a tua dívida...?”
“Eu sei Raimundo, que ainda te devo, mas pretendo pagar”...
“Espera, homem! Nem acabei de falar; pois bem, a tua dívida está perdoada. O que eu quero mesmo são meus amigos de volta, tomar as minhas cervejas e apreciar o pôr-do-sol. Enfim, sossego. Quero sossego. Amigos, eu estava à deriva. Não há nada pior que confundir os meios com o fim”.
“Mas, o que é que te deu?” Perguntaram os outros, a uma só voz”.
“Vou contar. Aconteceu algo fora de série comigo, mas ouçam, o acontecido pouco importa já que tudo é passível de acontecer. Importante mesmo é o significado desta aventura que me fez ver a vida com outros olhos. Prestem atenção e vejam se não é coisa de doido”.
“Outro dia, cansado de tanto trabalhar, arrumei minhas tralhas de pesca e sai na pequena lancha que uso para estas ocasiões. Saí meio que sem rumo, adoidado, não pra muito longe. Eu estava começando a ficar acabrunhado. Os negócios; que iam bem, me deixaram ranzinza, pesado, obsessivo e desalentado. Só pensava em fazer dinheiro e me divertir. Sentimentos ruins, mesquinhos, começaram a tomar conta de mim, - tanto é que me esqueci o quanto era bom estar aqui com vocês - mas, acreditem ou não lutava contra isso. Então, larguei tudo naquele dia. Parei a lancha no meio do rio. Acontece que não tive paciência para pescar. Acabei me recostando, puxei o chapéu e tirei uma soneca”.
“Quando acordei, já era tarde, mas me incomodei. Estava tudo calmo demais”.
“A noite caíra e a lua; de bubuia, lançava sobre a escuridão delicados fios de prata”.
Apesar deste quadro magnífico que a natureza me oferecia, tive medo, pois para mim, só havia escuridão; a escuridão da noite; a escuridão da água e a escuridão de meu coração, esta mais tenebrosa e profunda que as outras. Meu Deu como ansiava pelo sol! Súbito um banzeiro leve; depois outro mais forte, e em seguida, o que vi jamais vou esquecer. De dentro d’água uma enorme cobra preta se levantou; seus olhos possuíam uma luz sobrenatural; uma luz amarela; cegante; apavorante. Não acreditei...Eis que diante de mim surgia a Boiúna, com chifre e tudo. Tremia sem parar; nunca tive tanto medo na vida. Em questões de segundo; vi a cobra engolir a lua. Seria mesmo verdade aquilo que estava vendo?; Ou seria apenas um surpreendente sonho maléfico?; Julguei que estava ficando louco, porém, uma segunda ondulação me fez acreditar e subitamente; ela abriu a bocarra e me engoliu também, com lancha e tudo. Fui escorregando garganta abaixo, até, finalmente, perder a consciência”.
Dentro da barriga daquele ser hediondo, dormi o sono da morte, tranqüilo e eterno. Quanto tempo durará a eternidade? Um segundo, uma vida inteira? Não sei dizer; não sei também porque ela me vomitou. Talvez restasse em minha essência algum tempero nocivo para o seu não muito exigente paladar.
Fui lançado no fundo do rio, e quando voltei à superfície, percebi que para salvar minha vida teria que lutar. Foi aí que me lembrei do punhal de prata presente de meu avô, de lâmina mais que afiada. Rezei para as forças não me faltarem. Mas, como acabar com um bicho daquele tamanho?
Aproveitando-se deste ligeiro instante de indecisão, pois vocês todos são testemunhas de que não desenvolvi este mau hábito, a maldita me pegou no seu abraço mortal, senti os ossos estalarem e comecei a gemer de dor. Não conseguia reagir. Entretanto, para minha sorte, ela afrouxou o abraço e rapidamente, puxei o punhal de minha cintura. Estava novamente, bem próximo à sua boca e podia sentir seu hálito quente e pestilento. Um arrepio gelado percorreu minha espinha. Era ela ou eu, e é lógico que optei por mim. Sem vacilar, com a mão segurando firme o cabo do punhal, enterrei-o em sua garganta, em seguida um outro golpe, depois outro, outro, outro e mais outro... Subitamente, os olhos, esbugalhados, voltaram-se para mim; não fugi; não chorei; não temi ficar cego ou ser consumido vivo; por aquela maldita luz. Estava desesperado e queria apenas sobreviver. O silvo lancinante que soltou fez a floresta inteira tremer. Ao longe pude ouvir o revoar de pássaros e os urros dos animais amedrontados. A Boiúna largou-me no mesmo instante e num segundo desapareceu nas profundezas das águas. Do meio do rio, nadei feito um condenado, torcendo para que ela, mais que enfurecida, não retornasse disposta a uma vingança.
Ao alcançar a segurança da margem, caí, exausto de sono e de cansaço. Por fim, sobre esta estranha madrugada desceu nova quietação.
Na manhã seguinte, fui encontrado pelos meus empregados, que acharam que a pesca estava demorando demais. Acordei sentindo uma terrível dor de cabeça. Minha testa estava ferida e na mão ainda segurava o punhal.
Ao meu redor, tudo estava normal outra vez, mas não igual. O banzeiro, provocado pela passagem dos barcos, os botos nadando ao longo do rio, a arara vermelha atravessando o céu, os gritos dos macacos, perdendo-se à distância. Tudo estava normal, mas não igual. Eu havia travado uma batalha e conquistado um troféu, um troféu que eu não poderia levar pra casa para enfeitar a minha sala ou para exibir pros amigos. Era um troféu merecido, resultado de uma guerra particular travada dentro e fora de mim. Isso tudo porque passei, gerara um homem novo, filho do sol e da lua. Um guerreiro com forças suficientes para combater e matar o seu dragão. Acreditem ou não, eu lutara comigo mesmo, lutara contra os pérfidos sentimentos que queriam me possuir. Percebi que tudo aquilo pelo qual ansiava, se não tomasse cuidado!... Meus desejos eram como a grande cobra a me envolverem num abraço mortal. Acreditem ou não, resolvi dar-me uma chance e, graças a Deus, estou aqui, renascido; livre e feliz sob este novo céu, sob este novo sol, sob esta nova lua, bem distante da goela e da barriga escura e fedorenta dos meus desejos mais delirantes.
Do livro Moronetá-Crõnicas Manauaras, Virgínia Allan, Editora Valer
quinta-feira, 1 de maio de 2008
REFLEXÕES DE UMA ALIENIGENA SOBRE O INTRIGANTE COMPORTAMENTO DOS SERES HUMANOS PARTE III
“E para não dizerem que eu não falei das flores” ou que vivo por aí, de baixo astral,“arrastando correntes” apontando-lhes, com o dedo em riste, constantemente as suas imperfeições, vou, já que estou de bom-humor, mudar de assunto... vou hoje falar de milagres... pois é, quer queiram quer não, quer acreditem ou não, milagres acontecem... estou sendo otimista? Bom... vivendo na Terra, sob essa aparência humana, respirando esse ar abafado, não sou basicamente uma otimista de nascença, como diriam vocês, não sou eu uma otimista por natureza, mas, sim por opção (ou,seria, talvez, por necessidade?) e, tomando como minhas as palavras de um amigo meu, membro da mais alta cúpula planetária “é difícil ser pessimisticamente otimista ou otimisticamente pessimista”. Mas, justamente para que eu possa fazer meu trabalho da melhor forma possível devo eu me exercitar nessa maneira peculiar de ser feliz e ter esperança da qual se servem os humanos. “Em Roma aja como um romano” adaptando o ditado, “Em Terra aja como um terráqueo”... Olhemos, portanto, o lado bom das coisas... e depois é meu dever ir além de minhas próprias opiniões e expectativas. Devo estar aberto a outras formas de pensar e ver este mundo. Pois bem, retornando ao nosso assunto, os milagres têm uma razão para acontecer dentro desse contexto humano, os milagres exercem uma função, são um ensinamento, uma influência sobre os seres, tanto física quanto psíquica, esta principalmente, ao lhe proporcionar, apresentar alternativas de pensamento. Porém, aqui... cuidado! Pois, como tudo que sucede aos humanos, o “miraculoso” por ser um evento fortemente atrativo, possui efeitos colaterais quando usado ou pensado de forma aleatória ou indevida. Lembrem-se, os milagres só impressionam a quem quer ser impressionado ou, quando não, seu efeito sobre alguns outros é de pura zombaria, escárnio, completo cinismo diante do acontecido. Alguns outros ainda... alguns nada, muitos, aqueles tidos por aqui como os “mais espertos”, aproveitam-se da “boa fé” equivocada de seus irmãos em seu próprio beneficio. Mas, posso dizer, entretanto, que, em se tratando de milagres, reações emocionais ou automáticas, comuns nesses estados, partem não da essência, não do eu real, mas, sim de um outro “eu” que opera em segundo plano e que, ao cumprir devidamente a sua função, impede aos seres humanos de obterem a percepção exata da verdade, impede que estes seres simplesmente possam ir além do que estão. Do mundo de onde vim, cuja sabedoria milenar é passada e estudada desde os mais tenros anos, trouxe comigo a certeza no coração de que o verdadeiro saber reside não no apego ao eu, mas sim na devoção a verdade. Escutem... não quero bancar a mestra, a psicóloga, nem a psicanalista, muito menos lhes ensinar a pensar... longe de mim... longe de mim fazer um diagnóstico da raça... imaginem... Não sou uma depreciadora da inteligência sem limites, da qual todos os humanos são possuidores... Quem sou eu? Um grão de poeira na imensidade do Cosmos... Deixo tais julgamentos para os mais evoluídos, mas comecei estas conjecturas porque hoje acordei menos infeliz ou, se preferem, um pouco mais feliz e quis repartir... hoje não estou desesperada, nem amedrontada, nem carente, então, quis falar de milagres e de como eles são passíveis e “comuns”de acontecer... Eu não ligo muito para o “extraordinário”, não dou a ele mais importância do que realmente deve ter, de onde vim milagre acontece todo o dia, desde o momento em que se respira pela primeira até a última vez, fazem parte de minha rotina, do meu dia a dia. Eu considero quase tudo um milagre, é milagre para mim até o fato de continuar firme em minha missão apesar de todos os percalços ao longo da jornada. No entanto, aqui na Terra a reação perante o "inexplicável" é diferente, aqui, os milagres são acatados como raros, embora ultimamente, as estátuas que derramam lágrimas de sangue ou soltam óleos curativos, pessoas com visões ou em conversas privadas com Jesus ou a Virgem Maria sejam “milagres” quase corriqueiros. Vejam... Li outro dia o caso de uma mulher, em um vilarejo, no Peru, que foi dada pelos médicos como clinicamente morta devido às complicações de um câncer generalizado. Notícia dada aos familiares... desligamento dos aparelhos... Tudo pronto para o enterro... No dia do velório, os parentes e amigos, inconsoláveis, choravam copiosamente, ao lado do caixão, a sua perda. Uma tristeza...! Entretanto, eis que, de repente, em meio ao sufoco de mais um dia de pesar, por entre velas acesas, flores, terços, santinhos e rezas a mulher, subitamente, se levanta, assustada, porém, vivíssima, assombrando a todos que estavam ali presentes. Conclusão de tanto barulho... A mulher, que hoje leva uma vida normal, deu graças aos céus por ter escapado de um enterro prematuro, e, além de ressuscitar, estava totalmente curada de sua grave doença. A quem lhe indaga; curioso, a respeito do caso, ela diz somente que foi “tirar um cochilo”. Três vezes abençoada, ela pouco se importa com o apelido que lhe deram no vilarejo, “La Muerta”, embora seu nome original de batismo, mais sonoro e mais bonito, seja mesmo Felicidade... Felicidade... apenas isso... Felicidade... ela sabe o que é isso.
"Um operário parte de um monte de tijolos, sem significação especial senão serem tijolos para - sob a orientação de um construtor que por sua vez segue os cálculos de um engenheiro obediente ao projeto de um arquiteto - levantar uma casa. Um monte de tijolos é um monte de tijolos. Não existe nele beleza específica. Mas uma casa pode ser bela, se o projeto de um bom arquiteto tiver a estruturá-lo os cálculos de um bom engenheiro e a vigilância de um bom construtor no sentido do bom acabamento, por um bom operário, do trabalho em execução. Troquem-se tijolos por palavra, ponha-se o poeta, subjetivamente, na quádrupla função de arquiteto, engenheiro, construtor e operário, e aí tendes o que é poesia".
(Vinícius de Moraes)
quarta-feira, 30 de abril de 2008
PERFEIÇÃO?!
Minha irmã sempre me diz que eu costumo exigir demais das pessoas e que por isso elas acabam se afastando de mim. Nunca me doeu muito ver as pessoas se afastarem, há não ser aquelas que eu amava, amo, de paixão, mas a essas sempre dei, dou um jeito de trazê-las de volta e se elas voltam é porque estamos unidas por um laço de um sentimento em comum, um laço de amor, amor de verdade. Tenho poucas pessoas em minha vida, mas são pessoas especiais, junto as quais vivi e tenho vivido, todo tipo de situação. Sim, talvez eu exija demais de algumas pessoas, sempre espero não ter que exigir, pois amor a gente dá porque quer dar, porque pode dar, se o mesmo não acontece de volta ai então é que começam as exigências, posto que sentimentos de insegurança, e a sensação de desengano começam a aflorar, minando assim as relações. Banco a chata, a exigente, porque geralmente não quero que esta pessoa se vá; e passo um bom tempo, não muito longo, apenas o suficiente, exigindo de volta tudo o que dei, na mesma medida, mas se ela não pode, não quer ou não tem a mesma capacidade de devolver o que recebeu, é melhor mesmo que se afaste e procure em outra freguesia o seu igual.
Mas, então, podem indagar de mim, não? Quem sou eu para exigir tanto de alguém, afinal, não sou eu também um ser humano tão errático, desprezível e adorável como tantos outros, e, como ser humano, falível, passível de erro? Não temos nós o direito (ou o hábito?) de errar? Não temos nós o direito (ou o hábito) de fazermos nossas escolhas, sejam elas agradáveis ou não?
Sim, concordo plenamente, temos todos os direitos do mundo, inclusive o direito e a obrigação de saber a linha limite onde termina o seu direito e começa o dos outros e, que os outros não tenham que viver sob o jugo da frase “ninguém é obrigado a nada”. Realmente ninguém é obrigado a nada, pois quem ama não se obriga a nada se doa; pois amor é troca, um contínuo dar e receber, porém se não existe ainda esta razão, há de se ter um mínimo de responsabilidade e respeito, o mínimo de caráter já que ser humano que se preze sabe que tem deveres e obrigações; senão para com todos pelos menos com os que estão mais próximos e se tal não fosse viveríamos uma anarquia com todos fazendo o que quisessem a hora que bem quisesse, sem contas a prestar a ninguém.
Em minha opinião, a única exigência que realmente faço e esta começa por mim, é que as pessoas que se aproximam, seja de mim ou uma das outras, é que as pessoas, estas pessoas, sejam somente elas mesmas e assim poderemos fazer nossas escolhas no velho estilo do ame-o ou deixe-o. A pessoa, sendo ela mesma, está nos dando, e se dando, a chance (aos outros, a mim e a ela) de nos aceitarmos mutuamente, com todos os nossos defeitos, medos, e imperfeições. Temos ambas, então, a opção do sim ou do não, de criarmos laços e construirmos passo a passo uma intima relação de amor / amizade / amor...
Quanto à pergunta feita antes de QUEM SOU EU...?! Quem sou...?! Já me fizeram essa pergunta; eu constantemente me faço essa pergunta... Ainda não sei quem sou... sei o que não sou, ou, pelo menos o que não tento ser. Sei apenas, que, como todos, busco uma saída às incertezas da vida, tentando ver e extrair de cada momento a reposta certa para tão enigmática pergunta que sempre vem no sopro do vento. Quem sou...?! Sou um desenho rabiscado; mosaico fragmentado de realidade, talvez sonhada, talvez vivida, mas que, entretanto, está sempre em busca de aperfeiçoar-se. Para alguns, isso pode parecer fora de lugar e acima das ambições humanas, perfeição, aqui, neste mundo, impossível!!! Sei que é impossível, mas nem por isso vou parar na metade do caminho ou retroceder, minha opção é ir em frente, sempre, mesmo que no fim deva estar só. Não sou e nem me sinto melhor que ninguém, somente busco compreender onde estão as falhas, onde estão os erros, para que, dessa forma, tente ser uma pessoa melhor.
terça-feira, 29 de abril de 2008
QUEM CANTA NÃO ASSOBIA
Canto 1
É noite... Debaixo de uma chuva fina, um homem caminha solitário; o guarda-chuva, usado como bengala, vai batendo levemente na calçada. O homem segue contente, assobiando uma canção, cortando desse modo, o silêncio ditado pelos caprichos do tempo.
As pessoas, esquecidas desse ato tão singelo e espontâneo, são surpreendidas na noite molhada e melancólica: “Quem é este, que em horas tão mortas caminha como se estivesse sob o sol? Vai contente da vida, indiferente à chuva ou a qualquer outro tormento. Sim. Caminha pelas ruas vazias como se estivesse caminhando sob o sol, num dia qualquer, assobiando uma canção, imensamente feliz”.
O homem que assobia, está cada vez mais distante e agora mal se ouvem seus passos e o “toc;toc” de seu guarda-chuva na calçada; ouve-se apenas a canção assobiada misturada ao monótono ruído da chuva.
De dentro de seu quarto, em uma das casas desta rua deserta, um menino, ao pé da janela, vê o homem passar. O homem o olha por alguns instantes e, com um sorriso compreensivo e um gesto sutil, lhe diz adeus. O menino volta para a cama e puxa para si os macios lençóis. Sob a escura solidão, com um assobio longo e afinado, ele recomeça a canção.
Canto 2
Era uma vez um menino que vivia a vida a assobiar. Já nascera assim, assobiando. Não pensem que assobiava porque não sabia falar. Ele falava, mas não gostava muito; seu negócio mesmo era assobiar. Tinha alma de passarinho, aquele menino. Assobiava de dia, de tarde, de noite. Era a alegria de uns e o desassossego de outros.
Sua mãe, às vezes, cansada de ouvir tanto assobio, o repreendia: “Ô, menino, em vez de ficar fazendo bico, porque não abre essa boca e canta?”.
E o menino, nem um pouco chateado, apenas respondia: “Ah, mãe, ‘quem canta não assobia’...!” E dando-lhe as costas, lá se ia, todo contente, brincar no jardim.
O menino não tinha muitos amigos, pois os outros garotos não entendiam: por que assobiar, se era bem mais fácil falar? E ele, o menino, nem um pouco chateado, tentava explicar: “Ora, falar todo mundo fala; quero ver é assobiar”. Depois, sacudindo os ombros, deixava a roda e lá se ia, todo lampeiro, assobiando de volta para casa.
Mas era tanto o incômodo e o espanto causado por esse seu jeito peculiar de ser, que o menino começou a achar que havia mesmo algo de errado com ele. De repente, desejou ser como os outros; de repente, queria que o vissem como um garoto “normal”.
Assim, tentou imitá-los, abrindo a boca e falando como todo mundo, porém, nem sempre dava certo: o danado do assobio escapava nos momentos mais inoportunos, e tinha sempre alguém mal-humorado que, xingando e resmungando, mandava-o parar; outros não suportavam nem a sua presença e “delicadamente” pediam-lhe para se retirar. Mas o pior mesmo acontecia quando passava uma moça bonita... um longo “fiuuuuuuuuu fiuuuuuuuuuu” feria profundamente os ouvidos dos mais “sensíveis”, irados com o incrível desrespeito e uma absurda conduta. Por causa disso, cansou de levar cascudo e de ser chamado de tudo, (menos pelo seu nome verdadeiro, é claro); era um tal de bico doce pra cá; flauta ambulante pra lá; curió bom de bico...).
O menino sentia-se confuso, e uma grande sensação de inutilidade dominou-o totalmente. Com os olhos do desencanto, passou a ver seu futuro e um grande temor se apossou de seu coração.
Certa vez, em uma dessas ocasiões em que nada dava certo, o menino sentou-se à sombra de uma árvore, um velho salgueiro chorão, plantada no jardim por seu avô. Lá no alto, um pássaro cantou; o vento passou, mas o menino permaneceu imóvel, contemplando as folhas que caíam. Mansamente rodopiando, ora para cima, ora para baixo, uma dessas folhas veio parar em suas mãos. Ele olhou-a com curiosidade, examinando-a de trás pra frente e de frente pra trás. Seria uma folha igual às outras, se não fosse pelo cheiro delicioso e pelas linhas que formavam um desenho estranho. Inesperadamente, do desenho, saiu uma luz que, girando em círculos, tudo iluminou.
O menino fechou os olhos que haviam começado a arder, ofuscados pela luz, mas, ao tornar a abri-los não viu mais nada, nem a si mesmo. Ele não podia ver, mas seu corpo inteiro brilhava intensamente. Então, o menino, de repente, sentiu-se leve como uma pena. Pairava no ar? Estaria voando... virando pássaro? Ele ouviu uma voz que, a princípio, achou que viesse de alguém que estivesse a poucos passos de distância, mas, na verdade, ela partia das profundezas de sua mente e lhe falava de coisas que ele nunca mais poderia esquecer. A luz girante, num instante apagou-se, e o menino aquietou seu coração. Voltou a enxergar, mas desta vez de uma forma mais perfeita e brilhante. Levantou-se, guardou a folhinha no bolso e voltou a assobiar. Caíra em si; recobrou a alegria e a consciência das coisas e, com o tempo, sem sofrimentos, (para tudo há de se ter equilíbrio), ele aprendeu quando e com quem deveria falar ou assobiar; aprendeu também que a vida é como um desenho que vamos traçando, lentamente, com fios invisíveis.
Os anos passaram e o menino cresceu; virou gente grande, casou, teve filhos e netos e para eles, sempre contava a história da folhinha e de como ela o ajudara a superar suas dificuldades. Só não falava da luz girante e da voz que falara ao pé de seu ouvido. Esta parte da história guardou para si. Também nem precisava. Ele sabia que todos nós, uma vez ou outra, escutamos a tal voz (que alguns chamam de bom senso) e que atendê-la ou ignorá-la é uma decisão que compete a cada um. Ele a atendeu e se deu muito bem. E quando lhe perguntavam onde estava a tal folhinha mágica, ele, assobiando, metia a mão no bolso e pronto! Eis que ela surgia, “novinha em folha”.
Um dia, no outono, às vésperas de completar 100 anos, ele foi dormir e não mais acordou. Em cima do peito, bem junto ao coração, estava a folhinha, que se desfez em pó assim que alguém a segurou. Uma rajada de vento, talvez Zéfiro, o vento do amor, entrou pela janela e, soprando, levou o que ainda restava dela para muito longe, misturando-a com a poeira dos quatro cantos do mundo.
Fato é que a história do menino que gostava de assobiar, com o passar do tempo, se modificou e agora todas contam que certa feita, numa bela tarde de sol; o menino ascendeu aos céus, completamente livre, transformado em passarinho.
Canto 3
Falava-se de um enorme pássaro, cujas asas abertas pairavam soberbas sob o céu. Seu ninho, forrado com as folhas do salgueiro chorão, no alto de um monte inacessível, representava a esperança para os tolos mortais, que na ânsia de alcançá-lo, perdiam-se quase sempre; eles não podiam compreender que, “esperança”, era muito pouco para quem havia sido talhado para a grandeza. Aqueles que tinham a sorte de ouvir seu canto, que soava como o lamento de uma doce flauta, iam além de sua compreensão e a sabedoria tomava lugar em seus corações como uma rainha que retorna ao trono depois de um longo tempo de exílio.
Levado pelo vento, o canto mágico e poderoso, sempre acompanhado pelas folhas do salgueiro, atravessava os céus e os sete oceanos e possuía o dom de despertar a quem estava adormecido. Foi assim que aconteceu com o velho pirata, que após duzentos sonolentos anos acordou bastante faminto. O canto fê-lo lembrar-se de um tesouro que custara muitas vidas pelo caminho. A jornada em sua busca seria comprida e penosa, uma vez que este tesouro se encontrava agora oculto das ambições do mundo, enterrado na ilha mais distante e fantástica que se podia imaginar; e só ele somente ele, sabia que estrada tomar e por onde deveria seguir. Não precisava mais do mapa, pois a folha de salgueiro que acompanhava o canto maravilhoso seria a bússola que lhe guiaria rumo ao seu destino final.
Em certo vilarejo perdido castigado pelo sol, um outro velho, distraído em seu trabalho de lavrador, ouviu o canto e desejou mudar. A melodia era tão linda, que ele, no mesmo instante, resolveu abandonar o campo e perseguir o mais importante: a confecção de um instrumento raro, cujas notas, quando tocadas, fariam balançar os corações mais endurecidos. Antes, isto lhe parecia impossível, mas agora, não. A folha do salgueiro, que viera pousar em seu peito, lhe mostrou um estranho desenho e então ele soube o que era perfeição.
Para os lados onde sopra o frio vento norte, uma nuvem despencou do céu e caiu no mar, e, desta união impensada, nasceu um magnífico animal: um unicórnio mágico, cuja brancura, ao refletir a luz do sol, mostrava a infinita beleza do Universo; sua cauda era uma constelação de estrelas e o seu chifre, sempre apontando para o alto, indicava a presença de um único Deus.
O pobre poeta que não conseguia mais escrever, possuído que estava por uma palavra incompreensível que ouvira certa vez numa rua de Istambul, chorou ao perceber que, subitamente, a palavra que o consumira durante anos, adquiriu significado e a verdade lhe chegou como uma donzela radiante. Então, ele compôs um belo e longo poema, sobre um canto inesquecível e uma folha de salgueiro chorão. O poema era tão belo e distante, que o rei, ao ouvi-lo, mandou que fosse impresso em letras de ouro e espalhado pela cidade. Ficou decretado que todos teriam direito à paz e à celebração do amor e este foi o seu último ato como rei.
Na manhã seguinte um homem nu foi encontrado morto na sala do trono.
Uma mulher grávida sentada perto de uma janela em um fim de tarde, também ouviu cantar o pássaro e desejou que seu menino pudesse entender a sua linguagem. Quando o pequeno nasceu, ela compreendeu que ele teria sabedoria suficiente para adaptar-se ao mundo e não titubear diante das dificuldades, pois ele, de dentro de sua barriga, também o ouvira cantar e sentira em seu rosto o leve roçar da folha do salgueiro que sua querida mãe guardava entre as mãos. Ele falaria e entenderia a linguagem dos pássaros e seria como um rei; seria grande como Salomão, o mais sábio e glorioso de todos os soberanos.
Outras crianças ouviram o pássaro cantar e o seu canto lhes dizia que na solidão de uma noite escura, um menino-rei voou em suas asas, percorrendo, por inteiro, o maravilhoso céu da China, mas eis que uma de suas penas caiu ao chão e desde então, aquele que ouviu dela falar, imaginou um desenho que tomou como verdadeiro em seu coração, portanto não é por acaso que sempre se diz: ‘Busca o conhecimento nem que seja na China’. Porém, o homem foi dominado pelo esquecimento e quanto mais crescia, quanto mais evoluía, mais se esquecia. O desenho impresso em seu coração está agora, quase apagado. Mas dizem, que de tempos em tempos, quando o pássaro canta, os adormecidos; os cansados e os famintos compreendem suas reais necessidades e partem em busca de seu destino, embora saibam bem dentro de seus corações, o quão longa e difícil será a viagem.
É noite... Debaixo de uma chuva fina, um homem caminha solitário; o guarda-chuva, usado como bengala, vai batendo levemente na calçada. O homem segue contente, assobiando uma canção, cortando desse modo, o silêncio ditado pelos caprichos do tempo.
As pessoas, esquecidas desse ato tão singelo e espontâneo, são surpreendidas na noite molhada e melancólica: “Quem é este, que em horas tão mortas caminha como se estivesse sob o sol? Vai contente da vida, indiferente à chuva ou a qualquer outro tormento. Sim. Caminha pelas ruas vazias como se estivesse caminhando sob o sol, num dia qualquer, assobiando uma canção, imensamente feliz”.
O homem que assobia, está cada vez mais distante e agora mal se ouvem seus passos e o “toc;toc” de seu guarda-chuva na calçada; ouve-se apenas a canção assobiada misturada ao monótono ruído da chuva.
De dentro de seu quarto, em uma das casas desta rua deserta, um menino, ao pé da janela, vê o homem passar. O homem o olha por alguns instantes e, com um sorriso compreensivo e um gesto sutil, lhe diz adeus. O menino volta para a cama e puxa para si os macios lençóis. Sob a escura solidão, com um assobio longo e afinado, ele recomeça a canção.
Canto 2
Era uma vez um menino que vivia a vida a assobiar. Já nascera assim, assobiando. Não pensem que assobiava porque não sabia falar. Ele falava, mas não gostava muito; seu negócio mesmo era assobiar. Tinha alma de passarinho, aquele menino. Assobiava de dia, de tarde, de noite. Era a alegria de uns e o desassossego de outros.
Sua mãe, às vezes, cansada de ouvir tanto assobio, o repreendia: “Ô, menino, em vez de ficar fazendo bico, porque não abre essa boca e canta?”.
E o menino, nem um pouco chateado, apenas respondia: “Ah, mãe, ‘quem canta não assobia’...!” E dando-lhe as costas, lá se ia, todo contente, brincar no jardim.
O menino não tinha muitos amigos, pois os outros garotos não entendiam: por que assobiar, se era bem mais fácil falar? E ele, o menino, nem um pouco chateado, tentava explicar: “Ora, falar todo mundo fala; quero ver é assobiar”. Depois, sacudindo os ombros, deixava a roda e lá se ia, todo lampeiro, assobiando de volta para casa.
Mas era tanto o incômodo e o espanto causado por esse seu jeito peculiar de ser, que o menino começou a achar que havia mesmo algo de errado com ele. De repente, desejou ser como os outros; de repente, queria que o vissem como um garoto “normal”.
Assim, tentou imitá-los, abrindo a boca e falando como todo mundo, porém, nem sempre dava certo: o danado do assobio escapava nos momentos mais inoportunos, e tinha sempre alguém mal-humorado que, xingando e resmungando, mandava-o parar; outros não suportavam nem a sua presença e “delicadamente” pediam-lhe para se retirar. Mas o pior mesmo acontecia quando passava uma moça bonita... um longo “fiuuuuuuuuu fiuuuuuuuuuu” feria profundamente os ouvidos dos mais “sensíveis”, irados com o incrível desrespeito e uma absurda conduta. Por causa disso, cansou de levar cascudo e de ser chamado de tudo, (menos pelo seu nome verdadeiro, é claro); era um tal de bico doce pra cá; flauta ambulante pra lá; curió bom de bico...).
O menino sentia-se confuso, e uma grande sensação de inutilidade dominou-o totalmente. Com os olhos do desencanto, passou a ver seu futuro e um grande temor se apossou de seu coração.
Certa vez, em uma dessas ocasiões em que nada dava certo, o menino sentou-se à sombra de uma árvore, um velho salgueiro chorão, plantada no jardim por seu avô. Lá no alto, um pássaro cantou; o vento passou, mas o menino permaneceu imóvel, contemplando as folhas que caíam. Mansamente rodopiando, ora para cima, ora para baixo, uma dessas folhas veio parar em suas mãos. Ele olhou-a com curiosidade, examinando-a de trás pra frente e de frente pra trás. Seria uma folha igual às outras, se não fosse pelo cheiro delicioso e pelas linhas que formavam um desenho estranho. Inesperadamente, do desenho, saiu uma luz que, girando em círculos, tudo iluminou.
O menino fechou os olhos que haviam começado a arder, ofuscados pela luz, mas, ao tornar a abri-los não viu mais nada, nem a si mesmo. Ele não podia ver, mas seu corpo inteiro brilhava intensamente. Então, o menino, de repente, sentiu-se leve como uma pena. Pairava no ar? Estaria voando... virando pássaro? Ele ouviu uma voz que, a princípio, achou que viesse de alguém que estivesse a poucos passos de distância, mas, na verdade, ela partia das profundezas de sua mente e lhe falava de coisas que ele nunca mais poderia esquecer. A luz girante, num instante apagou-se, e o menino aquietou seu coração. Voltou a enxergar, mas desta vez de uma forma mais perfeita e brilhante. Levantou-se, guardou a folhinha no bolso e voltou a assobiar. Caíra em si; recobrou a alegria e a consciência das coisas e, com o tempo, sem sofrimentos, (para tudo há de se ter equilíbrio), ele aprendeu quando e com quem deveria falar ou assobiar; aprendeu também que a vida é como um desenho que vamos traçando, lentamente, com fios invisíveis.
Os anos passaram e o menino cresceu; virou gente grande, casou, teve filhos e netos e para eles, sempre contava a história da folhinha e de como ela o ajudara a superar suas dificuldades. Só não falava da luz girante e da voz que falara ao pé de seu ouvido. Esta parte da história guardou para si. Também nem precisava. Ele sabia que todos nós, uma vez ou outra, escutamos a tal voz (que alguns chamam de bom senso) e que atendê-la ou ignorá-la é uma decisão que compete a cada um. Ele a atendeu e se deu muito bem. E quando lhe perguntavam onde estava a tal folhinha mágica, ele, assobiando, metia a mão no bolso e pronto! Eis que ela surgia, “novinha em folha”.
Um dia, no outono, às vésperas de completar 100 anos, ele foi dormir e não mais acordou. Em cima do peito, bem junto ao coração, estava a folhinha, que se desfez em pó assim que alguém a segurou. Uma rajada de vento, talvez Zéfiro, o vento do amor, entrou pela janela e, soprando, levou o que ainda restava dela para muito longe, misturando-a com a poeira dos quatro cantos do mundo.
Fato é que a história do menino que gostava de assobiar, com o passar do tempo, se modificou e agora todas contam que certa feita, numa bela tarde de sol; o menino ascendeu aos céus, completamente livre, transformado em passarinho.
Canto 3
Falava-se de um enorme pássaro, cujas asas abertas pairavam soberbas sob o céu. Seu ninho, forrado com as folhas do salgueiro chorão, no alto de um monte inacessível, representava a esperança para os tolos mortais, que na ânsia de alcançá-lo, perdiam-se quase sempre; eles não podiam compreender que, “esperança”, era muito pouco para quem havia sido talhado para a grandeza. Aqueles que tinham a sorte de ouvir seu canto, que soava como o lamento de uma doce flauta, iam além de sua compreensão e a sabedoria tomava lugar em seus corações como uma rainha que retorna ao trono depois de um longo tempo de exílio.
Levado pelo vento, o canto mágico e poderoso, sempre acompanhado pelas folhas do salgueiro, atravessava os céus e os sete oceanos e possuía o dom de despertar a quem estava adormecido. Foi assim que aconteceu com o velho pirata, que após duzentos sonolentos anos acordou bastante faminto. O canto fê-lo lembrar-se de um tesouro que custara muitas vidas pelo caminho. A jornada em sua busca seria comprida e penosa, uma vez que este tesouro se encontrava agora oculto das ambições do mundo, enterrado na ilha mais distante e fantástica que se podia imaginar; e só ele somente ele, sabia que estrada tomar e por onde deveria seguir. Não precisava mais do mapa, pois a folha de salgueiro que acompanhava o canto maravilhoso seria a bússola que lhe guiaria rumo ao seu destino final.
Em certo vilarejo perdido castigado pelo sol, um outro velho, distraído em seu trabalho de lavrador, ouviu o canto e desejou mudar. A melodia era tão linda, que ele, no mesmo instante, resolveu abandonar o campo e perseguir o mais importante: a confecção de um instrumento raro, cujas notas, quando tocadas, fariam balançar os corações mais endurecidos. Antes, isto lhe parecia impossível, mas agora, não. A folha do salgueiro, que viera pousar em seu peito, lhe mostrou um estranho desenho e então ele soube o que era perfeição.
Para os lados onde sopra o frio vento norte, uma nuvem despencou do céu e caiu no mar, e, desta união impensada, nasceu um magnífico animal: um unicórnio mágico, cuja brancura, ao refletir a luz do sol, mostrava a infinita beleza do Universo; sua cauda era uma constelação de estrelas e o seu chifre, sempre apontando para o alto, indicava a presença de um único Deus.
O pobre poeta que não conseguia mais escrever, possuído que estava por uma palavra incompreensível que ouvira certa vez numa rua de Istambul, chorou ao perceber que, subitamente, a palavra que o consumira durante anos, adquiriu significado e a verdade lhe chegou como uma donzela radiante. Então, ele compôs um belo e longo poema, sobre um canto inesquecível e uma folha de salgueiro chorão. O poema era tão belo e distante, que o rei, ao ouvi-lo, mandou que fosse impresso em letras de ouro e espalhado pela cidade. Ficou decretado que todos teriam direito à paz e à celebração do amor e este foi o seu último ato como rei.
Na manhã seguinte um homem nu foi encontrado morto na sala do trono.
Uma mulher grávida sentada perto de uma janela em um fim de tarde, também ouviu cantar o pássaro e desejou que seu menino pudesse entender a sua linguagem. Quando o pequeno nasceu, ela compreendeu que ele teria sabedoria suficiente para adaptar-se ao mundo e não titubear diante das dificuldades, pois ele, de dentro de sua barriga, também o ouvira cantar e sentira em seu rosto o leve roçar da folha do salgueiro que sua querida mãe guardava entre as mãos. Ele falaria e entenderia a linguagem dos pássaros e seria como um rei; seria grande como Salomão, o mais sábio e glorioso de todos os soberanos.
Outras crianças ouviram o pássaro cantar e o seu canto lhes dizia que na solidão de uma noite escura, um menino-rei voou em suas asas, percorrendo, por inteiro, o maravilhoso céu da China, mas eis que uma de suas penas caiu ao chão e desde então, aquele que ouviu dela falar, imaginou um desenho que tomou como verdadeiro em seu coração, portanto não é por acaso que sempre se diz: ‘Busca o conhecimento nem que seja na China’. Porém, o homem foi dominado pelo esquecimento e quanto mais crescia, quanto mais evoluía, mais se esquecia. O desenho impresso em seu coração está agora, quase apagado. Mas dizem, que de tempos em tempos, quando o pássaro canta, os adormecidos; os cansados e os famintos compreendem suas reais necessidades e partem em busca de seu destino, embora saibam bem dentro de seus corações, o quão longa e difícil será a viagem.
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