virou mulher
muito recatada
languidamente encostada
a um canto, quieta...
Mas, eis que a sua frente,
de repente, surge um rato
E a mulher vira gata
por instinto
e sem pretensão
acabou-se a confusão...
Ao cair da noite
Solitário no fio
Canta um passarinho
Voa por um instante pra lá e pra cá
Ao redor do velho poste
Que de tão carcomido quase não mais se sustenta
Abandonado, meio tombado para o lado
Cheio de fios amarrados
Mas passarinho não quer saber da miséria humana
acumulada que invade casas, ruas e calçadas
Que invade toda a gente...
Quer mais é cantar seu canto
Sem espanto
Sossegado solitário no fio
Um canto de passarinho
SEM BRINCADEIRA
Urutau[1] pousado no pau!
Todo empertigado, para o céu aponta o bico
Pássaro sério!
Pássaro feio!
Arredio urutau
pousado no pau.
***
EHE, EHE...FUMACÊ, AHA, AHA... FUMAÇÁ
Ah, essa fumaça que me rodeia, me chateia, deixa-me sem ar!
Tudo nublado... Sem vida, nem fado...
Eterno emaranhado que por enquanto é verde
mais tarde, quem sabe, marrom ou preto carvão,
de onde brota a fumaça, mas o verde não!
[1] Urutau: (Nictíbius grandis) Ave noturna, cujo canto, de tão triste, é considerado de mau agouro.
Para Clarice
Poderá ser verdade Clarice, humanamente possível a suspensão do tempo? Será que podemos limitar, tocar, saborear a eternidade? O que posso eu te dizer sobre ela a partir de minhas experiências e indagações?...O sabor mesmo, palatável da eternidade, assim como tu sentiste, deste jeito, não, nunca a experimentei, há não ser apenas, de forma abstrata, a sensação, como por exemplo, da primeira vez que me apaixonei e achei que seria para sempre. Existirá algo mais “doce” do que esses primeiros enganos da juventude? Alguns desses primeiros encantos são como o teu “chiclete”, a princípio doce, ou nem tanto, mas que você vai levando, “chupando” depois “mastigando’, tomada de curiosidade e espanto. Entretanto, “chupar”, “mastigar”, embora tentemos guardar, “ pregar em algum canto”, para voltarmos depois, no dia seguinte, a “chupar e a “mastigar” começa a cansar, e, contrafeita você não sabe o que fazer com aquela sensação que agora não tem mais gosto algum e que, contudo, era para durar a vida inteira, ser eterna, para sempre..Aí, o medo de magoar faz você carregar o desgosto e a culpa, mas saber que isso pode se arrastar ad infinitum só lhe causa aflição. Todavia um dia, não suportando mais, você toma coragem e se escondendo sob o manto protetor da mentira sincera, dá um jeito de soltar a mão da mão que te segura com tanta força, como o chicle caído da tua boca “sem querer”. A mão “doída”, “suada”, “machucada”... não volta nunca mais a segurar a outra, que, ainda estendida, espera...Porém (de novo a bendita frase) como tudo na vida, felizmente, a “eternidade” também se cansa de esperar...
A sensação, e até o medo da eternidade, veio-me de várias formas. Certa vez, assistindo a um filme antigo, vi uma ponte que, não sei por que, deu-me a sensação de infinito. Era uma pequena ponte por onde um casal caminhava, mas para mim, ficou a impressão de que a ponte nunca acabava...sendo engolida afinal por um denso nevoeiro. Os viadutos e pontes dão-me a impressão de que sempre nos conduzirão a um lugar melhor, mas, ao mesmo tempo parece-me que percorrê-los é bastante assustador...Uma de minhas vidas, das muitas que tive e que terminou não faz muito tempo, foi como a cena desse filme, do qual não lembro sequer o nome. Sabe, vou mais a fundo, Clarice e posso te dizer que a eternidade está sempre presente e sob as mais diversas formas. Vamos contando a nós mesmos a mesma história permeada de infinitos, que, como as rosas, se entreabrem a outros vários infinitos.
A eternidade, e o medo que sesente dela, se repete até nas pequenas coisas do dia a dia, tal como o abrir e fechar de portas e a preocupação de realizar uma tarefa que parece nunca acabar ou fazer-nos sair do lugar. Talvez não estejamos mesmo, Clarice, à altura da Eternidade, não falo da eternidade que te sufoca, que te condena a uma vida repetitiva, mas, falo sim, daquela Eternidade que se abre para o vasto espaço, num aprendizado cheio de glórias infindas que nos elevam a sabedoria dos anjos. Não seremos desse tipo de eternidade merecedores enquanto nos fizermos de tolos, egoístas e senhores de tudo.
Essa sensação de eternidade que nos é dada viver e reviver agora, cotidianamente, como que condenados, só nos aflige, se e quando, relacionadas a fatos desagradáveis achamos que não podemos, ou não temos, capacidade de impor-lhe um limite e seria ousadia em demasia de nossa parte dizer que A ETERNIDADE ACABA AQUI...Impor limites à eternidade em nosso viver diário não só é humanamente possível como totalmente plausível e não é necessário para isso ser um fanático religioso, um profundo estudioso, um intelectual exaltado ou um grande mago, basta que aprendamos a reconhecer e a respeitar, com humildade, nos detalhes que nos escapam, os princípios básicos da Lei Imutável, que rege a vida como um todo, nesse Universo incomparável, em constante expansão. Palatável foi a tua crônica, Clarice, cujo gosto de chiclete não poderei jamais esquecer. Veja quantas reflexões me proporcionou! Arrastar a eternidade com todo o peso e ignorância de nossa mortalidade, é mesmo muito desalentador, embora, no começo, ela pareça-nos “doce, cor-de-rosa, inocente, tornando possível o mundo impossível do qual mal começamos a dar-nos conta”. O peso da eternidade de cada um é incomunicável e livrar-se dele, quando o conseguimos, é deveras um alivio, um alivio divino.
Se eu não tivesse me apaixonado, talvez nem ligasse se o telefone não tocasse.
Se eu não tivesse me apaixonado, não faria questão de ouvir a tua voz.
Se eu não tivesse me apaixonado, não me importaria com o pouco caso que fazes de minhas necessidades.
Se eu não tivesse me apaixonado, te deixaria adormecer em paz, sem cobranças; sem o tom impaciente de minha voz.
Se eu não tivesse me apaixonado, não me preocuparia com tuas preocupações, nem me entristeceria com os dias tristes.
Se eu não tivesse me apaixonado poderia manter a calma e assim olhar com serenidade tudo o que acontece a minha volta.
Se eu não tivesse me apaixonado, não seria agressiva, nem diria palavras ofensivas, pois não me sentiria rejeitada, nem preterida.
Se eu não tivesse me apaixonado, não ansiaria novamente por teus beijos, nem pelo calor do teu corpo e me deitaria calmamente em minha cama, usufruindo o sossego solitário de uma boa e longa noite de sono.
Se eu não tivesse me apaixonado não contaria cada segundo dos minutos das horas, dos dias das semanas dos meses que constroem os anos, e que sob o nome de “tempo”, passa por nós tão rapidamente.
Se eu não tivesse me apaixonado, o silêncio não me atormentaria, a dor não me atingiria e não me seria fatal a tua indiferença.
Se eu não tivesse me apaixonado, minha alegria seria menos alegre, mas, certamente, seria mais tranqüila.
Tudo isso seria possível se eu não tivesse me apaixonado... Se eu não tivesse me apaixonado... Se eu não tivesse me apaixonado... Se... Se... Se...
Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...