Um corvo, um cobre

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segunda-feira, 24 de março de 2008

NO MEIO DO REDEMOINHO



NO MEIO DO REDEMOINHO



A menina no meio do redemoinho
A ovelha no meio do redemoinho
O pastor no meio do redemoinho
O tempo no meio do redemoinho

A menina chora
A ovelha bale
O pastor se cala

O tempo dança
 

No meio do redemoinho

A criança expirou
A ovelha se perdeu
O pastor nada encontrou


No meio do redemoinho
O tempo, que era pouco, se acabou


Do livro RÉQUIEM; Virgínia Allan, Editora Scortecci

sábado, 22 de março de 2008

A BUSCA





Na ânsia de encontrar o Amigo, demorei-me à beira do abismo; meus olhos ardiam, mas, não cansavam de O procurar e meus lábios, ressequidos, não cansaram de O chamar. 
Na ânsia de encontrar o Amigo, vaguei perdido, noite e dia, perambulando por todos os caminhos, mas Ele não estava por onde andei.
Na ânsia de encontrar o Amigo, tateei na escuridão, clamei e chorei. Mesmo assim, Ele não teve piedade e para mim não voltou a Sua face. 

Na ânsia de encontrar o Amigo, não pude me calar, e, fui consumida pela dor. Meus dias foram somente pena e solidão.
Na ânsia de encontrar o amigo, despojei-me de tudo e vestido de andrajos,  mergulhei na aflição. Humilhado rastejei-me diante de Sua porta.
Quando, porém, meus apelos foram atendidos e o Amigo surgiu diante de mim, tive medo, e, tentei retornar sobre meus próprios passos, mas senti o peso de Sua mão e o terror dominou meu coração.
Ele me perseguiu com o fogo nos olhos e a violência das tempestades. 
Fui aniquilada por Seu beijo. 
A visão resplandecente do Amigo, me matou.


sexta-feira, 21 de março de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA - PARÁBOLA



Ao doente, a água doce em sua boca, possui um sabor amargo” (El Mutanabbi)


PARÁBOLA 
 

Sexta-feira da paixão de Cristo... chove lá fora... outra vez... e só a chuva corta o silêncio que paira na rua. Dentro de casa, o barulho da televisão e os brinquedos de minha filha espalhados pelo chão. Na cozinha, o cheiro de comida... Sexta feira da paixão... Em outros tempos, era muito diferente...
Apesar de ter sido criada dentro da religião católica, faço parte do grupo dos “não praticantes”, não por descrença, não por ser destituída de fé, mas, sim pelo simples fato de querer mais do que a religião socialmente estabelecida pode me dar. Não entrarei em detalhes dessa minha busca pela verdade, é pessoal demais, quero aqui, nesta sexta feira da paixão, contar uma história, um episódio da vida de Isa Ibn Mariam, ou Jesus filho de Maria bem pouco conhecido, relatada pelo filósofo sufi do século XII, Imã Al-Ghazali
[1].

Jesus, filho de Maria, um dia, viu algumas pessoas em estado de lamentosa miséria, sentadas sobre um muro, e dirigindo-se a eles, perguntou: “O que lhes aconteceu?”.
No que então lhe responderam: “Nos reduzimos a este estado por puro temor ao inferno”.
Jesus continuou sua caminhada e mais adiante, à beira do caminho, viu umas pessoas perdidas, desconsoladas. Ele novamente se aproximou e lhes perguntou: “O que foi? O que lhes aconteceu?”
“Nos reduzimos a esse estado por almejarmos ardentemente o paraíso”.
Jesus retomou sua jornada e seguiu assim até deparar-se com um terceiro grupo de pessoas, que, pelo aspecto, pareciam haver sofrido muito, entretanto, seus rostos mostravam uma alegria incomum, resplandecente: “O que foi? O que lhes aconteceu para deixá-los assim?”
E eles responderam: “O Espírito da Verdade. Vimos a REALIDADE e esquecemos de nossas metas mesquinhas”.
Disse Jesus: “Estes são os que chegam. No dia do Juízo certamente estarão em presença de Deus”.

Termino meu artigo, deste modo, com as palavras do jovem Rabi Isa Ibn Maryam, ou Jesus filho de Maria, que sofreu na cruz para a remissão dos pecados de pobres, miseráveis e indiferentes mortais, que temem o inferno, almejam o paraíso, e pouco aprendem com o sofrimento... e se esquecem que todo dia é um renascimento,uma ressurreição, uma constante renovação da vida por completo, por inteiro.


[1] EL CAMINO DEL SUFI, Idries Shah, 1986, Ediciones PAIDOS

quinta-feira, 20 de março de 2008

VÁRIOS TONS...


Saudades, meu amor.
Onde estás? Estás a dormir,
comigo a sonhar?




VÁRIOS TONS...


Música; poesia; cor; amor; alma e coração...; solidão. Um pátio vazio; um quintal com flores. Vidas entrelaçadas... para sempre, amor... filhos, aconchego do lar; estudos; trabalho; compreensão... cansaço... dores, fuga; rotina... cortinas; cortinas de fumaça; brilho de seda; brilho de uma estrela que, de repente, passa; nuvem; ilusão... A obra inteira do Led Zeppelin; Wild Horse, dos Stones; Você é linda, do Caetano...; Dó, Ré, Mi... uma clave de sol... cadê o sol? O inigualável Jimmy... Anos 70 na veia; Tropicália, a vida inteira... rock ‘n’ roll; jazz; blues e sedução...“quebra um”... quebra... quebra... coração... cigarro aceso... black... black... black baby...black music; black... Miles Davis; Nina Simone... Blue Note... Pastorius; Nico Assumpção.. tom.. acerta o tom... Tom Jobim, o maestro e uma canção; uma canção para Luisa... Luisa... suave brisa... Um instrumento... lições; faculdade... lições; Brasília... sonhos e lições...; AnnaClaraLua; o Baby sol... baby soul... baby show... ainda pergunta por você.... sábado de manhã; domingo de manhã... descanso, futebol e corrida de Fórmula 1.. Fantástico, o show da vida... mas, “dinheiro na mão é vendaval” “e lá se vai mais um dia”... de lenta agonia... e na Tulipa Negra é servido o Veneno da Madrugada, mesclado a muita Soda e muito pó... pó de mico... tim... tim.. Fim da linha... amigo...
Agora não há mais o que temer, o sol já se pôs; The Songs Remains the Same, mas “O SONHO ACABOU”.



Do livro RÉQUIEM; Virgínia Allan, Editora Scortecci


terça-feira, 18 de março de 2008

AFORISMOS


“Toma como exemplo as desgraças dos outros,
para que os outros não necessitem tomar as tuas como exemplo”.

Saadi, O Jardim das Rosas (séc.XIII)

***
“Quando o camelo de nossos esforços se afunda no lodo,
o que importa se nosso destino está perto ou longe?”

***
“Em qualquer estado, o coração é o meu amparo. No reino da existência é o meu soberano.
Quando me canso da deslealdade da razão... Deus conhece minha gratidão por meu coração”.

Ustad Khalilullah Khalili
Quatrains (1975)


MAR DE ESTUPEFAÇÃO



Mergulhada em um mar de estupefação, assim é que me sinto e certamente não só eu, mas quanto mais vejo, quanto mais ouço, quanto mais eu vivo, mais fico estupefata diante de tudo.

Entretanto, essa minha estupefação, que bem poderia ser um estado de encanto relativo à felicidade com os progressos que vamos fazendo em nossa evolução material e espiritual, infelizmente, é um estado de total paralisação diante do horror, da brutalidade e da banalidade da qual estamos cercados e de certa maneira condenados a viver, conviver, com todos obedecendo de forma literal os antigos ditados do tipo: “Quem for podre que se quebre”; “Cada macaco no seu galho” e outros afins... É uma pena que nos dias de hoje a frase “não vejo, não ouço, não falo” seja a cartilha pela qual rezamos todos. Isolados, pedimos proteção aos anjos e demônios; desejamos a intervenção divina e extraterrestre; andamos com guias, terços e amuletos, mas, sabemos que nada disso nos adianta; nada disso nos salva, para a verdadeira proteção o que nos adiantaria mesmo seria, sim, o entendimento, a união e a solidariedade (esta então cada vez mais rara, cada vez mais distante de nós) entre as gentes, isso sim, nos protege, isso sim, nos dá poder. Sozinhos, somos vulneráveis, "quase" impotentes. Pouco, quase nada podemos fazer diante do perigo de uma realidade que de repente torna-se sem sentido, parecendo mais uma espécie de sonho ruim, pesadelo delirante do qual tentamos desesperadamente fugir, escapar, acordar... Para onde? Para os braços protetores de quem? Temos a humildade suficiente para reconhecer que estamos com medo; que vivemos com medo? Como nos proteger? Como pedir ajuda se mal podemos andar nas ruas? Uma espécie de confraria cujo interesse visasse o bem estar de todos, poderia ajudar? Sofremos de excesso de orgulho e abusamos de nossa auto-confiança... Prepotência ou ingenuidade, pura e simplesmente? Só nos mobilizamos quando somos pessoalmente atingidos, se isto acontece, ai, sim... saímos em passeatas, fundamos ONG’S, gritamos e choramos... Abramos os olhos, estejamos atentos, a dor do outro é também a minha, a nossa dor. Abramos os olhos e estejamos atentos antes que sejamos todos vítimas do caos que ameaça nos devorar.
Em uma situação extrema em um bairro qualquer de qualquer cidade deste nosso país, quiçá, do mundo, seja ele periférico ou não, cuja vizinhança é quase parede com parede, e, alguém, dentro de seu próprio território, no recesso sagrado de seu lar; seja invadido em sua privacidade em todos os sentidos e surpreendido por um terror inimaginável, inesperado, é incompreensível ouso dizer, até mesmo inadmissível que ninguém veja ninguém ouça, ninguém saiba de nada. Pronto! Está consumado?!Voltemos a pôr a cabeça no buraco, como faz o avestruz, voltemos a nossa vidinha mesquinha, cuidemos de nossos afazeres; voltemos a nossa alienação e falta de consideração, afinal, o que poderíamos fazer? Por isso não nos adianta apontarmos culpados, pois culpados somos todos, coniventes com a omissão, a injustiça e desamor que reinam entre os homens. Tudo o que fazemos e dissemos, soa-nos falso; uma forma de amenizar, de nos desculpar daquilo que, lá no fundo de nós mesmo, sabemos sermos também culpados.

Não podemos parar o mundo e pedir para descer, como dizia uma canção do Raul, mas muito me impressiona a falta de solidariedade, indiferença e o cinismo com que damos prosseguimento a nossa vida Realmente estou mergulhada em um mar de estupefação, espero apenas nele não me afogar, já que não sei nadar. Dentre tantos candidatos a “salvador da nação” haverá um com motivos realmente justos?

PAZ E AMOR




Para que a paz
possa ser constante,
vivamos a vida
e celebremos os sonhos,
poupemo-nos a dor
e desfrutemos o amor,
o amor irmão,
o amor amigo,
o amor amante,
o amor humano,
o amor divino.




Do livro RÉQUIEM, Virgínia Allan, Editora Scortecci

sábado, 15 de março de 2008

A FORMIGA E A CIGARRA





Ilustração by Jean Okada





Canto 1


No inverno, as formigas puseram a secar os grãos molhados pela chuva.
Uma cigarra faminta reparando na fartura espalhada em volta do formigueiro, se aproximou e lhes pediu algo para comer. Porém, as formigas lhe perguntaram:
“Onde estão as tuas provisões? Não guardaste nada durante o verão?”.
“Oh, eu cantei o verão inteiro”, respondeu a cigarra, e não tive tempo de guardar provisões.
“Cara cigarra! Tiveste tempo para cantar, agora tens tempo para dançar”.
Assim lhes disseram as formigas, e então se foram, rindo sem parar.

(Esopo [1])



Canto 2

Verão!

Trabalha a formiga, canta a cigarra.
Inverno!
A fome a porta bate; morte fria; vazia.
Primavera!
A formiga, um novo ciclo começa.
No bosque silencioso não canta mais a cigarra!


Canto 3


Tudo começou num ensolarado dia de verão. No alto da árvore mais alta da floresta de lugar nenhum, feliz, cantava uma cigarra. Despreocupada com o dia de amanhã, ela não fazia qualquer espécie de plano. Na verdade, o futuro pouco lhe importava. Sua única preocupação durante toda aquela estação, era não desafinar e desfrutar a vida ao máximo.
Logo abaixo, ao pé da árvore, havia um imenso formigueiro, cujas habitantes não paravam de trabalhar, recolhendo e armazenando provisões para a chegada do inverno.
Uma longa fila de formigas resolveu subir na árvore em que cantava a cigarra e ver o que mais podiam carregar. No sobe e desce que se seguiu do formidável batalhão, a cigarra não cessou de cantar e uma das formigas, ao percebê-la assim, tão distraída, disse-lhe: “Reconheço, amiga cigarra, como teu canto é bonito e alegre, mas porque não deixas disso um instante e vem recolher para ti as provisões necessárias para a chegada do inverno?”.
“Que ousadia!Quem pensa que és para falar comigo dessa forma? Põe-te em teu lugar, formiga operária. Tens é inveja, pois não sabes cantar. Vai-te daqui e me deixa em paz. Recolhe-te à insignificância de tua vidinha sem graça. Trabalhas tanto e para quê? Tu tens um objetivo? Ótimo, pois faça bom proveito.. Eu cá não tenho nenhum. Se bem conheço as formigas, tal objetivo deve ser tão inalcançável quanto à lua... Quanto a mim, persigo a felicidade, e felicidade é prazer, e prazer é comer, beber dormir e cantar, cantar, cantar...lá-rá- lá-lá.”
A orgulhosa cigarra logo deu a conversa por encerrada.
A formiga não disse mais nada, apenas pensou lá consigo. “Que mal educada...! É! Não temos mesmo mais o que conversar. Eu vejo uma coisa; ela vê outra. Seguirei meu caminho. Pelas leis da natureza, a cigarra sabe o que pode lhe acontecer.”
Então, certa de que havia feito o que estava ao seu alcance, a formiga se foi.
Algum tempo depois, o Inverno, velho senhor tenebroso, sobre a floresta de lugar nenhum, estendeu seu manto de silêncio e escuridão. Os animais, rapidamente, fugiram para a segurança de suas tocas, deixando do lado de fora apenas o vento frio que soprava tristemente.
No formigueiro, com todas as coisas em seus devidos lugares, as formigas esperaram com tranqüilidade o inverno passar.
A desditosa cigarra, não mais conseguindo achar abrigo e comida, sofreu terrivelmente e não suportando mais o frio, morreu.
O Inverno, após cumprir o seu tempo determinado pela natureza cedeu passagem à ditosa primavera.
A alegria voltou a reinar na floresta de lugar nenhum. Os pássaros inventaram novas canções, fazendo seus recitais por entre galhos e folhas das árvores. Mas, subitamente, notaram a ausência da cigarra.
“Onde estará essa danada orgulhosa? Como será que passou o inverno?”
Procuraram-na em todos os cantos e nada, até que, finalmente, resolveram desistir.
As formigas, também saíram do seu sossego. Um novo ciclo começava e elas precisavam, novamente, se preparar. Aquela pequenina que antes se avistara com a cigarra, quase quebrou o delicado pé ao tropeçar em algo semi-enterrado à porta de sua casa. Retirando o resto de neve que ainda o cobria, não com surpresa, reconheceu o corpo sem vida da cigarra.
“Pobre cigarra! Tão orgulhosa!” Pensou a formiga, soltando um profundo suspiro. “Quando a avisei achou que eu só queria lhe estragar o prazer e a alegria. O que lhe parecia importante, agora, acabou. Quanto a mim, devo prosseguir com o meu plano e como ela está tão bem conservada, ainda me servirá durante muitos dias como alimento”.
Então, a formiga, arrastando consigo o corpo da cigarra, entrou de volta ao formigueiro.


[1] A CIGARRA E A FORMIGA; FÁBULAS, 1997, Esopo, L&PM POCKET Editores.
A CIGARRA E A FORMIGA: Do livro RÉQUIEM, Virgínia Allan, Editora Scortecci

sexta-feira, 14 de março de 2008

DAS PROFUNDEZAS DO RIO[1]

Na floresta de um paraíso / inferno verde de uma grande planície, às margens de um rio-mar, vivia um caboclo muito pobre em uma estaca de palafitas..
Todo o dia, antes do amanhecer, para garantir o seu sustento, ele andava floresta adentro a recolher frutos, flores, mel, raízes e sementes, o que fosse para vendê-los no povoado que ficava do outro lado da margem, voltando para casa somente ao entardecer, lá sempre aparecia gente que vinha da cidade grande ou do estrangeiro, que gostava de beber, comer e apreciar “coisas diferentes”.
No caminho de volta, o caboclo, ao atravessar novamente o rio, atirava na correnteza tudo aquilo o que não havia vendido.
Um dia, choveu, choveu tanto, uma chuva daquelas.... torrencial, ali naquele mundo, isso acontecia muito, e, a travessia de costume tornou-se impossível, pois o rio enchera e apresentava violenta correnteza.
Sem saber o que fazer o caboclo nem se mexeu e ficou parado, só olhando. Ficou assim nessa pasmaceira durante algum tempo, quando então viu o danado de um boto vermelho vir ao seu encontro: “Venha amigo, precisas chegar ao outro lado. Se aceitas minha ajuda monta em minhas costas”.
O caboclo não se espantou ao ouvir falar um boto, ali naquele mundo isso acontecia muito, e depois já ouvira tantas coisas sobre aquelas criaturas; seres encantados da floresta, que só pensou que esta ajuda, que em tão boa hora lhe era oferecida, era mais do que bem vinda. Mas tão logo se acomodou em cima das costas do boto, o bicho, nadando rapidamente mergulhou, desaparecendo nas profundezas das águas.
Num abrir / fechar de olhos, mais rápido do que digo a palavra cisco, chegaram a um lugar muito estranho, porém belíssimo, aonde uma casa suntuosa, um verdadeiro palácio, erguia-se, resplandecente, e cuja dona era nada mais nada menos, que a Yara, a mãe d’água
Dentro dessa casa maravilhosa a bela senhora de cabelos negros e sorriso encantador, os aguardava e mal os viu chegar, pediu ao caboclo que se aproximasse e saudando-o calorosamente lhe agradeceu pelos presentes que todos os dias lhe traziam as águas do rio: ”Bem vindo sejas, meu amigo, ao meu reino, eu sou a Yara, a mãe das águas”. Disse ela. “Vem, aproxima-te, pois tu és o responsável pela beleza e alegria que enfeitam os meus dias”.
Depois, a mãe d’água, após fazê-lo sentar-se ao seu lado, bateu palmas três vezes e mandou que a festa começasse com delicadas melodias e harmoniosas danças de peixes e ainda um grandioso banquete. Encantado, o caboclo permaneceu ali por um longo tempo.
Todavia, tudo, um dia, seja bom ou ruim, chega ao fim e assim o hóspede, maravilhado e agradecido, decidiu que deveria retornar para casa. Foi ter com a Yara e lhe disse: “Mãe d’água é chegada a hora de voltar para casa a fim de cuidar do que é meu. Embora ame este lugar e a tua bonita presença, é com pesar que te digo que devo partir”. A Yara, após ouvir aquelas palavras de despedida, mandou que este esperasse um instante e ordenou que trouxessem à sua presença um curumim vestido apenas com uma tanga: “Amigo, vou pedir-te um favor. Cuida bem deste curumim. Se assim o fizeres, ele fará com que teus desejos se tornem realidade”.
O caboclo aceitou a tarefa e voltou para casa na companhia do curumim. Porém, ao chegar lá, deu-se conta da imensa pobreza de sua choupana e da extrema solidão daquele lugar. Recordando-se das palavras da mãe d’água, pediu ao curumim que mudasse tudo. Não precisou se repetir... Imediatamente, o pequeno, batendo palmas três vezes, transformou a palafita em uma magnífica construção, ricamente adornada, bem no meio da praça principal da cidade.
Eis que então, o tempo passou e o caboclo logo se acostumou aos rapapés e a vida boa, cheia de luxos, que o dinheiro lhe proporcionava. Tomou gosto. Agora tinha muitos amigos e o que comer não lhe faltava. Ao contrário, quase toda a noite dava um banquete e enchia a casa de música e gente. O orgulho se instalou e em breve o fez se esquecer completamente de sua origem humilde e foi exigindo, a cada dia, uma maior quantidade de coisas, e ali, num lugar tão esplendidamente luxuoso que era o seu palacete, o homem principiou a achar que o curumim, coberto somente pela tanga, não lhe ficava nada bem. Levou-lhe uma roupa bonita para que a vestisse e o curumim recusou-se dizendo que era feliz do jeito que estava.
O caboclo se aborreceu e por fim, chegou à conclusão de que já possuía tudo o que queria e sugeriu ao curumim que voltasse ao fundo do rio, coisa que o curumim se negou a fazer, mas ao ver o caboclo contrariado, concordou em partir.
Foram ambos então, caminhando pela elegante avenida que os separava da beira do rio. Não demorou. Ao chegarem, o curumim lançou um último olhar ao caboclo, misto de pena e adeus.
O caboclo, por sua vez, suspirando de alívio por ter conseguido se livrar daquele menino tão insolente e inconveniente, voltou cantarolando para casa. Porém, ao chegar, para sua total estupefação, a mansão suntuosa havia desaparecido inteiramente. Em seu lugar estava novamente a velha estaca de palafitas, na erma solidão da floresta; olhou para si e viu que suas ricas vestes foram substituídas pelas mesmas roupas de antes quando, outrora, era apenas um simples caboclo lutando por sobreviver. Percebendo o seu erro, o infeliz correu desesperado em direção ao rio, chamando pelo curumim. Mas era tarde demais... O curumim também havia desaparecido



[1] DAS PROFUNDEZAS DO RIO é reconto do conto O menino do palácio do dragão, do livro Histórias da Tradição Sufi; textos compilados e organizados pelo Grupo Granada de Contadores de Histórias; 1993, Edições Dervish.

A HOSPEDARIA





Jalaludin Rumi

O ser humano é como uma hospedaria. Cada manhã uma nova chegada, uma alegria, uma depressão, uma mesquinharia... Tal qual inesperados visitantes, dê boas vindas e receba-os, ainda que seja uma multidão de tristezas, que, violentamente, devasta tua casa, deixando-a desmobiliada... Mesmo assim, trate a cada hóspede com a devida honra. Ele pode estar a preparar-te para alguma presente alegria. Os negros pensamentos, a vergonha, a maldade, sorrindo, receba-os à porta e os convide a entrar. Seja agradecido a cada um que chegar, porque cada um te foi enviado como uma proteção do além.






Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...