Um corvo, um cobre

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sábado, 10 de setembro de 2011

LÁZARO





O sol escondia-se por trás do alto muro envelhecido. Raios dourados, preguiçosos, recolhiam-se mansamente ao encontro da bola de fogo, que agora, não parecia mais tão flamejante. O que acontecera? O mundo novamente era-lhe um lugar estranho, sombrio... Surreal seria a palavra para descrevê-lo neste momento... mórbido pesadelo que começara numa certa manhã de agosto, e o frio e a noite que há tempos moravam em sua alma a envolveram de vez. Não sabia o que fazer a jovem senhora... sentiu o peso da absoluta solidão, cada vez maior, cada vez mais abrangente. Saber que teria que continuar cada vez mais só... não perdera apenas o marido.. perdera o amigo, o irmão, o amante... Deixou-se cair prostrada no divã da sala. A casa tão grande ... os dias cinzentos, mesmo com e apesar do sol... Como dirigir-se å pequena câmara mortuária na capela da família? Como velar, como olhar para aquela pessoa amada, já sem vida, como aceitar isso? Ainda não parara de chorar ... nenhum trunfo nas mãos?.. nada ?... apenas o sacrifício de ter que continuar vivendo?.. só .. completamente só... cobriu o rosto com o pequeno véu, tomou a rosa vermelha de pétalas cintilantes e aveludadas que lhe dera na noite anterior, ainda exalava perfume, segurou-a entre as mãos como quem guarda um segredo ...  dirigiu-se å capela... não ousaria perguntar mais... não discutiria com Deus... mas havia ... a palavra... a palavra que se não lembrava ... anos de estudo de magia para quê?! Ao chegar o momento, nada poder fazer? Quais os propósitos da vida? Como alguém tão bom, tão especial poderia partir assim, simplesmente, num momento de desatino, ter sua vida ceifada por um inútil saído das profundezas do inferno ... o desespero era gritante e tão grande ... ai, finalmente... lembrou-se ... a palavra... a palavra então veio-lhe å mente ... ainda tinha sim, um recurso, um último recurso... não poderia errar... Aproximou-se vagarosamente do caixão... aproximou-se mansamente do morto... eram tantas rosas... tantos prantos convulsivos.. tantos amigos... a rosa em suas mãos brilhou com uma luz sobrenatural... abaixou-se e sussurrou em seus ouvidos ... nada .. esperou a eternidade num instante ... nada... uma fraqueza... de repente, um subito desfalecimento ... a rosa ofuscante quase se desprendendo de suas mãos... agonia ... um estremecimento... um estalo ... seria seu coração... não ... um respirar ainda pesado ... uma mão que se estende para fora e segura a borda do caixão ... o corpo se levanta ... os olhos se abrem .... as flores caem ... o morto vive!

domingo, 28 de agosto de 2011

A Vida é um Blues


por Moysés Mota


Moysés Mota - Na reunião do Greens

O horizonte era total escuridão. A noite, inóspita, de sentir e, principalmente… ver. Apertou os olhos para melhor percepção do céu. Partiu através do que via – ou não via -, para a dedução: “Essa escuridão são pesadas nuvens de chuva; encobriram a lua, as estrelas, o firmamento; tão logo o céu se torne róseo, a chuva desabará!“ Envolveu-lhe um manto de tristeza e depressão. Pensara e repensara a sua vida: “ Muito mais erros que acertos; não acertava uma; não acertava nada, nada”, disse entre irritado e resignado, a si mesmo. Perambulara de bar em bar, mergulhando profundamente no âmago de vários copos de uisque, articulando, concatenando, caindo em si. Vivera o bastante para ver e fazer muita coisa. Mas, agora, meio a madrugada, via-se sem saber aonde ir (“Para casa? Mais um uisque noutro bar? Assistir um strip?…“ Caminhou… Uma, duas ruas, anúncios luminosos de neón; taxis caçavam-lhe como se fora a última alma viva a vagar. Haviam poucas pessoas nas ruas. A maioria abrigava-se nos bares, como ele, que acabara de sair de um, de dois, de vários… Perdera a conta. Lembrou da infância pobre; começara a trabalhar aos 11 anos de idade, estudara bastante, também. Advogado já aos 25 anos, passara a vida defendendo pessoas; ganhara muito mais causas que perdera, acumulando bom patrimônio para uma vida tranquila; conhecera inúmeras mulheres que fizeram de tudo, tudo mesmo, para envelhecer com ele… Era isso! Estivera de bar em bar festejando seu aniversário. Primeiro, com dois velhos amigos. Beberam, brindaram, relembrando infância, adolescência, alegrias, tristezas; sorriram, gargalharam, sentiram saudades… Os amigos, cansados, exaustos de festejar, com dificuldade entraram num taxi e partiram, extasiados de felicidade ”A vida é bela!”, exclamaram na despedida, com as linguas perceptívelmente pesadas, os corpos ligeiramente arqueados. Ficara, como sempre, só. “Fiz ontem 70 anos! Minha vida é só passado. Nunca houve futuro. Hoje, pelo menos – nesse momento um raio rasgou o céu verticalmente como se este fora uma negra cortina, em seguida, um estrondo medonho ecoou… A idade, o alcool, um ou os dois juntos – não soube precisar – imunizaram-lhe do susto que abalou toda a cidade. “Sinto e vejo agora o presente. É negro, mas há raios a iluminá-lo, e trovão a trombetear, nos alertar.” A escuridão tornara-se cinzenta e, agora, rósea… ventania em redemoinho anunciou-se… fria garoa estabeleceu-se. “É isso! Vou a outro bar. Um piano, um saxofone, um contrabaixo, uma bateria é tudo que preciso… Minha vida é um blues! Não… A vida é um longo blues! Sentiu-se feliz como nunca. Seguiu em direção aos acordes de sax. Sorrindo, respirando fundo o orvalho e o cheiro de chuva, lamentou-se, apenas, por entender a vida só após os 70 anos.  A VIDA É UM BLUES!

domingo, 17 de julho de 2011

JANELAS







JANELAS

Jefferson Nunes/Virgínia Allan

Adoro Billie
esta me faz chorar
sei que somos dois 
vc e eu
somos dois 
melancólicos aos extremos 

Sim!

E hoje está um dia lindo
Billie
não combina com um dia assim
faz tempo que não a escuto
tem vento

Fora do seu escritório o mundo continua a girar 
O céu está azul e cheio de pipas 

Siim!

E hj, mais do que nunca, precisavas ver
como está lindo aqui...

Pela minha janela aberta
a luz entra e invade a sala
invade a mim...
O vento entra sem pedir licença e me invade também

As pipas lá no alto serão mais livres do que vc ou do que eu? 

Penso que não

As pipas lá no alto do espaço azulado são apenas nossos reflexos dispostos em cores

domingo, 3 de julho de 2011

Greenstube 04 - Sayonara Melo (Virgínia Allan)



Sayonara Melo é escritora, autora de vários livros e blogs, entre eles o "Vai me toca um blues" um dos Blogs nacionais mais importante sobre o Blues. Nesta entrevista exclusiva ela fala sobre o Blues, sobre sua vida e trabalho.

Mais sobre a entrevistada em:
http://vaimetocaumblues.blogspot.com/
http://virginiallan-cantilenadocorvo.blogspot.com/
http://mardehistoriassemfim.blogspot.com/
http://www.facebook.com/sayonara.melo
http://www.facebook.com/virginiaallan

Sayonara Melo é atualmente uma das administradoras da página do Projeto Greens no Facebook:
http://www.facebook.com/pages/Projeto-The-Greens/134372476597993

Link para o texto "Só o Blues Salva", citado na entrevista acima (a história do Brasileiro que começou a gostar de Blues na prisão) e disponibilizado no Blog "Vai me Toca um Blues":
http://vaimetocaumblues.blogspot.com/2010/05/so-o-blues-salva.html





Quero deixar meu agradecimento ao Anfremon D' Amazonas, pelo trabalho que tem realizado ao registrar a memória musical de nossa cidade. Grata pelo contacto, carinho e oportunidade de falar sobre nós e nossa cultura manauara! Um abraço


Uma correção: o blues tem raizes africanas.. mas não dava pra entrar em detalhes... claro, que a essência é africana, mas o gênero em si, o que chamamos de blues, é um caldeirão de misturas


Ao falar de André e da Banda Veneno da Madrugada, a foto em que aparece os três amigos juntos, na verdade, tratam-se de Leonardo Pimentel, que entrou na banda tempos depois, como baterista, Matheus Gondim, guitarra e vocal e André Gomes, contrabaixo.. Denys Rangel aparece apenas na foto de jornal, sentado ao lado de André e Matheus, no pátio da casa de Matheus no começo dos anos 90! Achei importante esclarecer. :))

Sobre a fala dos escravos muçulmanos e o blues, para entender melhor a relação, consultar os links

segunda-feira, 13 de junho de 2011

SOBRE ONTEM


Chuva caiu rapidinho
assim como caiu, passou
molhou o quintal do vizinho
mas não molhou o meu amor

domingo, 30 de janeiro de 2011

LIGHT OF THE SUFI

Metropolitan Museum of Art; 
Light of the Sufis: The Mystical Arts of Islam at the Brooklyn Museum;
“Portrait of a Sufi,”
Deccan India, 17th century.


Anseios de voar! 
Meu coração é um pássaro que se debate 
aprisionado na gaiola de carne e sangue, 
rodeado por lamentos!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

PIÁ ANDIRA, O SENHOR DOS AGOUROS TRISTES, E UMA AVENTURA EM BUSCA DO SOL



Era uma vez, há muito tempo, às margens furta-cores do rio Andirá, piá Andira, que vivia em uma crypta rochosa, perto de uma velha sumaúma. Mas, era só o sol fechar o olho amarelado e ir se deitar que piá Andira começava a se divertir, indo, primeiramente, à pescar no rio os pequenos e distraídos peixes, que, sob o luar, pareciam mais pedacinhos flutuantes de prata.
Embora piá Andira fosse um filho da noite, ele tinha um sonho e o sonho de piá Andira era ver o sol bem de perto; olhar se possível, dentro de seu olho.
“Sonho besta esse de pia Andira” dizia-lhe a lua, “Sabia, piá Andira” continuava a lua em sua cantilena, “que um dia o sol e eu já fomos gente? Nos amávamos muito, mas, nossa sina, piá Andira, é vivermos separados um do outro... ele lá e eu cá... cada um com seus respectivos filhos... e tu, piá Andira, és criatura da noite... não podes jamais mirar o sol e o sol por sua vez, mora tão longe, longe, longe... nem eu mesma sei direito onde ele se esconde; sei que é para além do horizonte, pra lá de onde o vento faz a curva, é só o que sei.”
Porém, piá Andira ouvia a mãe lua, fazia carinha de muxoxo e nem ligava. Pensativo subia para o oco da sumaúma e lá ficava esperando o sol abrir o olho, mas era fiozinho dourado brilhante de luz aparecer e pia Andira sumir para dentro da crypta. Difícil coisa ver o sol... Quem sabe se ele chegasse mais perto? Iria bater à porta de sua casa, seguiria a linha do horizonte, lá onde o vento faz a curva, como disse a mãe lua.       
Piá andira, um dia, ouviu falar de uma festa no céu... aí, teve uma ideia... foi de mansinho, à casa do urubu cantor e se enfiou dentro de sua viola. Ficou ali, escondidinho, no escurinho.
Manhã seguinte, urubu cantor pegou a viola e voou, voou até escurecer, chegar ao céu e começar a tocar.
O plin, plin da viola perturbou piá Andira que saiu num instante de dentro do instrumento... foi uma confusão...os outros bichos se assustaram com o voo rasante e às cegas de piá Andira, que havia fechado os olhos só por um momento a fim de se acostumar à luz,  e, na correria era um tal de “fecha, fecha, pega, pega, mata, mata”... coitado de piá Andira, que por sorte encontrou uma saída no cuari de uma nuvem.  
Piá Andira estava longe demais de casa, longe demais das águas do Andirá... longe demais do sol... passou o resto da noite voando, nem fome sentia e finalmente, cansado, pousou no galho de uma velha mangueira aonde, vigilante, estava uma coruja: “De onde vens e pra onde vais, morceguinho?” perguntou-lhe a coruja.
“Venho de águas do Andirá, fugi de uma festa no céu em que queriam me matar e vou agora, em busca do sol, cuja casa fica além do horizonte, lá onde o vento faz a curva, foi o que me disse a lua. Quero olhar dentro do seu olho”.
“Em busca do sol!? Como pode um morcego ter um sonho tão maluco? O sol é do dia e tu pertences à noite... Nem sabes direito o caminho que vai dar a sua casa, nem eu mesma sei onde fica... é preciso mesmo  seguir a linha do horizonte, lá onde o vento faz a curva, mas, como pretendes, com essas asinhas e esse teu voo descuidado., chegar até lá? São tentos os perigos nessa aventura... eu mesma já poderia ter te comido, a tua sorte é que estou satisfeita. Dizem que o sol um dia foi gente... Bom, chega de blá, blá, blá... já, já amanhece,  preciso descansar.”
A coruja encolheu-se no galho e piá Andira encolheu-se também, achou melhor contrariar seus hábitos e enfrentar a luz do dia. Nem bem havia amanhecido e piá Andira saiu dali.
A luz ainda doía-lhe nos olhos, pois havia tentado desesperadamente mantê-los abertos para ver o sol se levantar, e os raios queimavam-lhe a pele... Voou um tanto mais na linha do horizonte, quando deparou-se com as águas frescas de um riacho. Estava com fome e sede, resolveu parar à sombra que se estendia ao longo da margem. Enquanto comia, apareceu a onça para beber água.
 Piá Andira ficou desconfiado em ver um bicho tão grande por ali àquela hora do dia, mas a onça lhe falou: “Não se preocupe morceguinho... não vou lhe comer. Não me interessam essas asinhas fininhas e essas perninhas fraquinhas, tão magrinhas... se ainda fosses uma raposa... Aí sim... Estás perdido? Que fazes aqui a esta hora do dia?”
“Engraçado dona onça estava a me fazer a mesma pergunta sobre a senhora.”
“Ora... estive metida em uma caçada que não deu muito certo... mas, e você? De onde vens e para onde vais?”
“Venho das águas do Andirá, fugi de uma festa no céu, escapei dos gracejos de uma coruja e sigo em minha busca... vou à procura do sol, cuja morada fica além da linha do horizonte, assim me disse a lua, assim me disse a coruja”.
“Em busca do sol? Uma criatura da noite? Ai, não me faça rir... realmente estás no caminho correto, porém, a casa do sol é mais longe do que se possa imaginar... não estás nem no começo da jornada... nem eu mesma sei onde fica e depois são tantos os perigos...”
“Não importa quão longe esteja e que perigos existam pelo caminho. Eu nada temo.”
“Bravo morceguinho, louvo tua coragem, mas és como a formiguinha dentro do formigueiro tentando alcançar a lua.”
“Preciso ir” disse piá Andira “por enquanto só importa a viagem.”
“Vá, morceguinho, vá, vá... voe logo daqui e boa sorte.”
Piá Andira voou mais longe, seguindo a linha do horizonte, - onde será que o vento fazia a curva? - sem desviar um instante de seu objetivo. 
A noite caiu, a lua surgiu, as estrelas se acenderam e se apagaram... passou pelo vagalume, que, curioso, lhe perguntou de onde vinha, fugia do quê e de quem e para aonde ia, respondendo piá Andira que vinha das águas do Andirá, que fugira de uma festa no céu, dos gracejos de uma coruja e do sorriso falso de uma onça... “vou, vagalume, em busca do sol... sigo a linha do horizonte, onde o vento faz a curva... assim me disseram a lua, a coruja e a onça.”
“Siga por aqui, reto toda a vida”, disse o vagalume “e logo adiante encontrarás o vento que, ultimamente, anda um pouco lento. Pegue no seu pé ou suba em suas asas que num repente você chegará ao seu destino.”
Piá Andira voou, voou, voou... passou floresta, passou mar, passou, frio, passou fome, passou ponte, passou monte, passou chuva, chuvarada, passou pássaro, passarada... Passou, passou tempo, passou tormento... passou, passou... A noite caiu, a lua surgiu; as estrelas se acenderam e se apagaram... finalmente, piá Andira encontrou o vento, meio sonolento, fazendo hora dentro do campanário de uma igreja, brincando com os sinos, fazendo-os balançarem pra lá e pra cá, em um monótono blein, blein, blein...
Piá Andira aproveitou-se da mansidão, da frescura do vento e agarrou no seu pé e do pé, pluft, num segundo, pulou pras suas costas.
“Quem subiu em minhas costas sem pedir licença? De onde vens e para aonde pensas que vai?” Perguntou o vento, zangado.
“Eu, piá Andira, senhor dos agouros tristes, mas, que, se tornará o senhor felicidade quando encontrar o sol... Venho de águas do Andirá, fugi de uma malfadada festa no céu em que queriam me matar, escapei dos gracejos de uma coruja e das falsas intenções de uma onça e aceitei o bom conselho de um vagalume... por isso aqui estou... preciso que me leves, pois desde muito persigo a linha do horizonte onde mora o sol, assim me falaram a lua, a coruja, a onça e o vagalume... faltava apenas te encontrar para saber aonde fazes a curva... Estou cansado... minhas asas estão queimadas e minha visão prejudicada. Preciso que me leves.”
“Se este é o desejo de teu coração, prepare-se então... segure-se pequeno amigo.”
O vento, zuuuuuummm, voou na direção do oeste, rápido e certeiro como uma flecha. Passou nuvem, passou ponte, passou fonte, passou monte... passou céu, passou ar... passou mar... cruzou o espaço, estirou o tempo até alcançar a linha do horizonte... mas, quando chegou lá, bem onde faz a curva, voou com tanta ligeireza, que Piá Andira se desequilibrou e caiu... o vento nem percebeu e sumiu assobiando na curva do caminho e Piá Andira, coitadinho, foi rolando, rolando... parando, por fim, aos pés de um enorme e velho pé de jatobá,que, de tão coberto por ervas de passarinho, possuía um aspecto medonho, deveras assustador.  
“Quem és tu? De onde vens e para aonde vais?” Perguntou-lhe o velho pé de jatobá.
“Que susto me deste” disse piá Andira “que esquisita esta tua aparência... sou piá Andira, senhor dos agouros tristes, mas que ficará feliz quando encontrar o sol. Para isso persigo a linha do horizonte até bem onde o vento faz curva, onde fica a sua morada, assim me disseram a mãe lua... Venho das margens do rio Andirá; fugi de uma festa no céu aonde queriam me matar, escapei dos gracejos de uma coruja e das falsas intenções de uma onça, aceitei o conselho de um vagalume e peguei carona nas asas do vento, entretanto, lá bem onde ele faz a curva, me desequilibrei e cai... agora eis-me aqui, perdido, sozinho, se nem ter vislumbrado um fiozinho dourado da pestana do olho do sol.”      
“Hummmmmm, pequenina criatura... esquisito por esquisito tu também és. Não sei te definir... és um morcego ou um menino feio? Nunca vi nada parecido... metade uma coisa, metade outra; realmente, nada sei dizer-te sobre a morada do sol, sei apenas que estavas no rumo certo até caíres das asas do vento. Não fique triste, amiguinho. Acomode-se aí em meu tronco, deite-se em cima de minhas raízes e descanse.”
Piá Andira achou estranha a observação feita pelo velho jatobá... metade uma coisa, metade outra? Como assim? Olhou para si mesmo e viu que suas asas e garras haviam se transformado em braços e mãos; tocou o rosto e sentiu a pele fina e macia; uma pele humana... tocou as orelhas, mas as orelhas ainda eram pontudas e peludas e as pernas e os pés eram de morcego... piá Andira ficou assustado, mas estava tão cansado que deixou para depois pensar no assunto. 
Piá Andira logo adormeceu aconchegado ao tronco. A mãe lua passou por entre a copa da árvore e iluminou o menino-morcego. Suavemente, ela tomou-o em seus braços e acabou a transformação. Piá Andira era agora um belo menino.
Na manhã seguinte, piá Andira acordou com alguém a chamar-lhe pelo nome... deparou-se com um outro menino, iluminado como o sol, que lhe disse: “Tua busca terminou piá Andira... finalmente me encontraste. Olha bem dentro dos meus olhos e vês que não há mais diferenças entre nós. Eu sou tu, tu és eu. Vem comigo temos muito trabalho a fazer. De hoje em diante, pertences ao dia e ele só está a começar.”
Piá Andira, sob as bênçãos do velho pé de jatobá, segurou firme a mão que lhe era estendida e fundiu-se a luz irradiante, cada vez mais forte, que emanava do sol até sumirem ambos dentro da paisagem do cotidiano.  
E foi assim que terminou a aventura de piá Andira em busca do desejo de seu coração. Porém, quando escurecia, mãe lua olhava, saudosa, para a samaumeira onde o morceguinho costumava pousar depois de uma boa pescaria. Sentimental como ela só, derramava algumas gotas de lágrimas prateadas dentro do rio que então, imediatamente se transformavam em luminosos peixinhos.
Quanto a piá Andira, embora tenha alcançado o ponto máximo de sua jornada; ainda se lembrava de mãe lua e dos murmúrios noturnos das criaturas da noite se movimentando por dentro da mata e quando chovia forte sobre as águas furta-cores do rio Andirá, todos sabiam que era piá Andira, o sonhador menino morcego, a chorar, com saudades da mãe lua.         

sábado, 15 de janeiro de 2011


Preocupado, engoliu o molho de chaves com certo desconforto,
mas, talvez assim, quem sabe encontrasse finalmente uma saída!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

PRIMAVERA NO MORRO


 
      Naquela manhã Tomás estava particularmente desanimado. O tempo passava muito rápido e ele precisava tomar uma decisão. Tentando organizar seus pensamentos, foi para a parte mais alta do morro e sentou-se à beira do abismo. O lugar, apesar de perigoso, é bastante agradável; lá, se tem a nítida sensação de que se pode tocar o céu. De repente, Tomás percebe que é primavera e uma alegria imensa inunda o seu coração, (é bom saber que ainda tem um coração.)
         Flores de todos os jeitos e tamanhos sobem e descem a encosta do morro, até os barracos estão tomados por elas. Havia se esquecido que esta é a sua estação predileta. Quem via tanta beleza espalhar-se como confete, não acreditaria que o morro, a cidade, o país, são como um esgoto a céu aberto, cheio de ratos e baratas. É triste ver como eles dominam tudo, contaminando e matando o que estiver ao seu alcance. Porém, ratos e baratas podem ser exterminados, embora, neste momento, isso pareça algo quase impossível de acontecer. Eles proliferaram tanto, adquiriram um poder tão grande; que ninguém mais sabe o que fazer. Enquanto a solução não vem, os monstros riem... e como riem... mas, a tragédia maior mesmo de tudo isso, reside no fato de ratos e baratas não se reconhecerem como tais; olham-se no espelho todo dia e mesmo assim não conseguem perceber o quão são sujos e feios. Apesar de ambos viverem em constante pé de guerra, de vez em quando, (como acontece em qualquer outra guerra), as baratas cooperam com os ratos e os ratos cooperam com as baratas, considerando isso, entre eles, um comportamento perfeitamente normal. 
         Na briga pelo poder, morro e periferia são sempre as partes mais visadas, já que ratos e baratas vivem dizendo que nestes lugares só mora gente pobre e ignorante, gente que sofre e sente medo e que por isso se deixa mais facilmente envolver. Todavia, nos bairros elegantes da cidade as coisas não são diferentes. É que lá, uma névoa densa de ilusão engana a mente, os olhos e o coração, aí você pensa que tudo é mais limpo e mais bonito. No final, somente escombros restarão e quem pagará a conta de tudo isso? Gerações inteiras com o futuro comprometido por uma espécie de mutação da qual está cada vez mais difícil fugir. Cedo ou tarde a mutação acontece e alguém acaba se transformando em um dos dois; rato ou barata, ou ainda qualquer outro tipo de bicho asqueroso. Não tem essa de rico, pobre. Entretanto, há um tipo de mutação que de tão fantástica, é tida como conto de fadas e dela, quase não se ouve falar. Tomás acredita em contos de fadas e acha que é neles que está a sua salvação, mas por onde começar?
         O rapaz pensa em seu pai que morreu, não faz muito tempo. Sente tanta saudade que quase nada o consola, por isso ainda reluta em voltar para casa. Escuta alguém chamá-lo e imediatamente procura o intrometido... Ah... É Pingo, seu melhor amigo. Ele, infelizmente, já começou a dar os primeiros sinais da mudança; um desejo exagerado de ter o que não pode e a raiva incontida de se sentir excluído. Largou a escola e agora “só pensa em se dar bem.” Tomás não quer seguir o mesmo caminho do amigo, mas as circunstâncias fazem-no vacilar; mesmo assim, Pingo é seu irmãozinho do peito. Tomás lhe sorri e num segundo o menino está ao seu lado.
         “Te assustei, mano?” Diz Pingo, sentando-se ao lado de Tomás.
         “Pensou que fosse quem?” 
         “Aí Pingo; tudo bem?...”
         “Ó Tomás, te trouxe uma coisa; coisa boa. Presente de Dom Ratão.”
         Então, Pingo tira de dentro de um saco plástico um revolver de grosso calibre; munição e outras coisinhas.
         “Malandro, o negócio é o seguinte. Tem uma parada aí e Dom Ratão qué que tu participe. Ele acha que no futuro tu vai dá um bom patrão. Tu tá garantido e por tabela, teu maninho aqui tá também.”  
         Tomás lança um olhar desinteressado para o ‘presente.’
         “Já não te disse Pingo, que eu não quero saber disso. Eu quero é ser escritor.”
         “Pô, acorda Tomás; qual é...! Desde quando ser escritor aqui nesse país enche barriga. Depois, ninguém entende mermo nada daquilo que tu escreve. Olha ao redor, mano. Onde é que tu vai encontrar essa chance que tu tanto procura? Quem é que vai te dar essa chance? Acorda, pô. Vivendo aqui nessa miséria, nosso destino já tá traçado des’da barriga de nossa mãe. Num temo escapatória, não." 
         “Tu é que tens que olhar ao redor, Pingo. Temos escapatória, sim. Eu não acredito que as coisas devam ser desse modo. Olha! É primavera! Tudo e todas as coisas se cobrem de flores. Até nos lugares mais feios e fedorentos elas vão deixando seu rastro de perfeição. Se quiseres, tu podes continuar sendo o Pingo; o Pingo de ouro; o Pingo d’água...; Tu me perguntas onde é que eu vou encontrar uma chance? Quem é que vai me dar uma chance? Ora, eu mesmo vou me dar esta chance. É uma questão de escolha. Se quiseres, tu podes continuar sendo o Pingo; Pingo de ouro; o Pingo d’água...”  
         “O Pingo de merda. É, Tomás,  teu papo é muito bonito, mas comigo num funciona não. Odeio, mano, sentir a barriga doendo de fome; odeio num ter dinheiro pra comprar o que eu quero; odeio ver minha mãe se acabando de tanto trabalhar; odeio ver ela se humilhar por um pedaço de pão. Só recebo esmolas e disso, não tô afim não. Esses são apenas alguns dos motivos que me faz odiar tanto. Mas, só posso falar de mim. O mal cresce e se espalha e quando a gente vai ver, ó... é tarde demais; parece um polvo de tantos braços que têm...; braços que te alcançam e te envolve onde tu tiver e depois que te pega, ó, já era... Duvido se soltar. O amor que sinto, apesar de grande e forte, num conta muito na minha vida para me salvar. Só tenho tu mano e minha velha mãe, as únicas pessoas com quem me importo e que sei, se importa comigo, mas vocês num pode me salvar não. Eu tô perdido. Talvez, mais do que vontade pra mudar, me falte capacidade. Sabe Tomás, quem acredita no mal tá de caso com ele, é dele pra sempre. Meu ódio num vai acabar é nunca, é mais fácil ele acabar comigo, mas e aí...? Num posso fazer nada. É...é primavera... e eu com isso? Pra mim, tanto faz como tanto fez. Entra estação; sai estação e a minha vida é a mesma. A tua verdade não é a minha verdade.  Num quero saber de flores. O meu negócio é outro. É braço armado e dinheiro no bolso. Mas olha; vou de te contar uma coisa que aconteceu hoje. Tu vai acreditar e vai gostar de ouvir, porque tu gosta mermo é de fantasia. Acho que é por isso que tu num brinca no carnaval. Nessa tua cabeça é carnaval o ano inteiro. Mas, sabe hoje fui obrigado a te dar um pouco de razão. Tem coisa que acontece, que, às vezes, por mais que se procure uma explicação, tu num encontra. Se outro tivesse me contado... Mas, não. Eu vi. Vi com os meus próprios olhos. Num que é que nasceu uma roseira bem na porta de Dom Ratão? Como é que pode? E na roseira tinha uma rosa, uma rosa bem bonita. Dom Ratão invocou e esmagou a rosa, mas, no mesmo instante, outra brotou. Pra lá de irritado, o grande rato pegou a tesoura e cortou a planta ao meio. Mano, assim que ele fez isso, ela cresceu de novo, bem na cara dele, e ainda com mais galhos do que antes; precisava ver, era galho pra tudo quanto era lado, tudo cheio de rosas... Aí, é que ele ficou furioso; tava assustado, mas também furioso e aí quis arrancar a roseira. Tu pensa mano, que adiantou de alguma coisa. As raízes eram tão fundas, que nem homens mais fortes do que ele conseguiram sequer arredá, um pouquinho que fosse, a roseira esquisita do seu lugar.”         
         Tomás achou a história maravilhosa e de repente, sentiu saudades de sua casa, de seus livros e de sua mãe. Sentiu o cheiro do café da tarde, pois apesar de serem pobres, e às vezes, quase não terem nada para comer, o café,  ela nunca deixou faltar. Tomá-lo, era como um ritual; um ritual antigo de purificação. Quanto tempo estava fora de casa? Sua alma se encolheu de vergonha. Rapidamente, Tomás apanha o presente de Dom Ratão e se levanta,  sob o lusco-fusco examina-o por um momento, então sorri. Pingo também se levanta, desconfiado. Tomás põe tudo de volta no saco e se aproxima um pouco mais do precipício. 
         “Tu estás vendo, Pingo. Essa história que tu acabastes de me contar só reforça a minha decisão. Eu te garanto amigo, não vou ser rato e nem barata. Vivi muito tempo à beira do abismo, mas eu não vou cair. Não vou deixar que me empurrem e nem me lançar nele propositalmente. Vou atrás de minha oportunidade. E já sei por onde começar. O meu talento é a minha salvação. Não sou um prisioneiro e as saídas existem sim, estão por aí... A primavera vem para todos e hoje, ela veio para mim também. Percebi que estou desperdiçando minhas oportunidades. Uma flor desabrochou dentro do meu peito; uma flor de  pétalas enormes; e muito perfumada.”
         “Oportunidade!? Onde?! Tá brincando?!” Disse Pingo com um sorriso largo que mostrava todos os dentes, ainda bons.
         “A questão, Pingo, na maior parte das vezes, não é se perdi ou não tive oportunidades, mas sim, eu as vi?”      
         Sem pestanejar, Tomás lançou o saco para as profundezas do abismo, na queda, que aos olhos de Pingo duraram uma eternidade, ele se abriu, deixando cair tudo o que estava dentro.
         “Pô, Tomás, pra quê que tu fez isso? O que é que eu vou dizer pro homem?”     
         “Sei lá, Pingo. Fala o que tu quiseres. Fala a verdade.” 
        “Tu sabe muito bem que se eu falar a verdade, eles te pegam e eu num quero viver com esse remorso”....
         “Talvez tu tenhas até razão Pingo, mas e daí... Quem sabe, se quando vierem atrás de mim eu já não esteja longe. Adeus Pingo; te cuida. Nossas vidas se separam aqui. Se um dia, mudares de idéia e teu modo de ver o mundo, me procura.”    
         “Vou me cuidar. E tomara mano, tomara que pra ti seja assim como tu diz. Quanto a mim, considero não somente uma batalha, mas a guerra inteira perdida. O mal tem raízes tão fundas quanto à roseira de Dom Ratão. Eu num fiz o que devia sê feito e o momento certo pra isso já passou. 
         “Isso, amigo”, disse Tomás, “é só porque tu queres.”
          O jovem achou estranho, porém simbólico, dizer adeus aos pés de um precipício. Jamais se esqueceria dessa tarde de primavera, nem da escolha feita por seu amigo Pingo. O Pingo que podia ser de ouro; O Pingo que podia ser tão brilhante e transparente como um Pingo d’água, e que preferiu ser um Pingo de m.... sua mutação não demoraria a acontecer, logo ele seria um rato poderoso ou apenas, um rato morto, mais um entre tantos.
          Tomás procura não pensar muito na tristeza dessa situação. Está a caminho de casa, entretanto, antes, vira num dos becos. Precisa ver a tal roseira. Sorrateiramente, aproxima-se da porta da casa de dois pisos de Dom Ratão. As ferramentas ainda estão espalhadas pelo chão, sinal de que Dom Ratão ainda não desistiu. Ele deve voltar a qualquer momento. Melhor se apressar. Tomás estende a mão e colhe uma rosa. É para sua mãe. Ela ficará contente de saber que existe uma flor que nunca morre. Presente bem diferente daquele que lhe enviara Dom Ratão.
         O jovem prende a flor em sua cintura e novamente, segue para casa. Mas desta vez, leva a certeza de que tudo será diferente. Corre, Tomás, senão o café esfria. Dentro do barraco a mãe, sempre à espera, recebe o filho com um beijo na testa.
         Tomás e Pingo nunca souberam, mas o saco com o seu conteúdo maldito fora parar dentro de um canteiro que crescia ao lado de um bueiro.
         Dom Ratão, após tentar várias vezes, desistiu de esmagar as rosas ou de arrancar a roseira que, sem explicação, viera nascer à sua porta num dia de primavera.





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EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...