Um corvo, um cobre

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sábado, 23 de outubro de 2010

MANAÓS



Manaus de muitas cores 
Manaus de mil amores
Icamiaba
Valente
Amazona
Guerreira 
Onça pintada
Moleque Saci
Mapinguari
Jurupari
Curupira 
Makuna-imã
Trapalhão atrapalhado pajé 
Muiraquitã talismã
Des-corado boto cor de rosa paixão
Tucuxi
Coração
Garantido
Caprichoso
Toada
Vermelha
Azulada
Cidade
Céu verde
Esmeralda
Adormecida
Contida
Esperança
Dança
Dança
No bojo da Caninana
Cobra malvada
Indiscreta Senhora das Águas
Mãe da cidade sagrada
Guardada pela Yara
Nas profundezas do rio
Escondem-se mistérios
Espelho secreto
Onde
Serena surge
A lua Jaci
Menina/moça/mulher
Cabocla morena
Vistosa
Cunhãporanga
Nua  
Cheirosa
Brejeira
Perdida na feira
Casas de palafitas
Amantes do velho Cais do Porto
Seguro
Rodway flutuante
Pr’além do rio
Uirapuru verde oliva
Se disfarça
Em meio à fumaça,
Em meio à tinta
Em meio à resina
Em meio ao quase
Esquecido passado
Uma Manaus moderna
Quase psicodélica
Teima em se sobressair
E pra sempre existir
Mas, no coletivo in-consciente
Persistem os temas
Renovam-se os poemas  
Recontam-se as lendas
Histórias inventadas
Desconhecidas
Descabidas  
Nunca contadas
Nunca sabidas
Ecoam
No silencio
Cantigas
Perdidas
Luzes cintilantes de fogo-fátuo
Olhos mágicos e medonhos de M’boy tatá
Um pedaço do teatro trazido da Europa
Papagaios
Verdes
Azuis
Araras
Vermelhas
Amarelas
Se projetam na tela
Salve, salve ela...
Mon amour, tres joli
A Paris das Selvas
Ainda é aqui!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

GATITO MIO











Gatito pula da cadeira
Senhora dona acabou de chegar
Grande pátio à espera lá fora
Correr é sempre hora
Brincar até cansar

Lua não apareceu no céu, bela preguiçosa
Noite escura, venta sem parar
Ora, ora senão é a chuva
Que já, já vai despencar

sábado, 16 de outubro de 2010

O MESTRE


O Mestre

 


Naqueles tempos, em que a escuridão dominava a terra, José de Arimateia, acendeu uma tocha feita de pinho e desceu das colinas até ao vale. Tinha algo que fazer na sua própria casa.
E viu, ajoelhando-se sobre as duras pedras do Vale da Desolação, um jovem nu que se lamentava. Os seus cabelos eram da cor do mel e o seu corpo como uma flor branca, mas tinha-se ferido e colocado cinzas no cabelo, como se de uma coroa se tratasse.
Ele, o que tanto possuía, disse para o jovem que estava nu, a chorar: «Não me surpreendo que o teu desgosto seja tão imenso, pois Ele era certamente um homem justo».
Nesse instante, o rapaz respondeu: «Não é por Ele que choro, mas por mim próprio. Eu também transformei a água em vinho e curei o leproso e dei vista ao cego. Caminhei sobre as águas, e dos túmulos que tinham por esconderijos, expulsei demónios. Alimentei esfomeados em desertos onde nada existia que se pudesse comer, e ressuscitei mortos das suas estreitas habitações, e à minha ordem, diante de uma grande multidão, uma figueira estéril frutificou. Todas as coisas que esse homem fez, também eu as fiz. E, contudo, ninguém me crucificou.»

 

in Poemas em Prosa, Oscar Wilde
Traduzido por Possidónio Cachapa


terça-feira, 12 de outubro de 2010

UM MUNDO DO LADO DE FORA... UM MUNDO DO LADO DE DENTRO...


 Griot 

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         Era uma vez numa velha aldeia africana, um menino pequeno, franzino, miúdinho, miúdinho...

         Todo dia ele se levantava junto com o sol e ficava à espera... Lentamente o sol ia abrindo caminho, clareando tudo na silenciosa manhã. Mas o silêncio não tardava a desaparecer, perturbado que era por toda espécie de sons, ruídos e cheiros, tanto de homens quanto de animais... Êheheh!

         Logo a velha aldeia acordava e enchia-se de cores e num segundo, o menino, ao sentir no rosto a caricia amiga do vento, saia a correr desabalado, atravessando a aldeia, as campinas, as savanas, as florestas e as montanhas... até um deserto ele atravessou e chegou em casa antes que a mãe o chamasse para o almoço.

         Corajoso, passava perto das feras, pois, sabia que elas não o podiam deter; nada o podia deter. Era mais rápido que a chuva, mais veloz que o rio, mais ligeiro que o pensamento... o menino era um pé de vento... Pé de Vento seu apelido, Pé de Vento seu nome, Pé de Vento por todos na aldeia (e além da aldeia, conhecido)... Pé de Vento... só Pé de Vento.

         Muitas crianças da aldeia queriam ser como Pé de Vento, porém como não podiam alcançá-lo punham a culpa em qualquer parte do corpo, por exemplo: Os braços podiam ser maiores ou então bem que podiam ter um par de asas, que nem os pássaros, a cabeça devia ser mais redonda ou menos achatada, maior, menor, mais leve, nada pesada ou o nariz devia ser mais fino ou mais largo, mas, as pernas... não havia problemas com as pernas, não viam defeitos nelas... as pernas, não... as pernas nunca eram curtas demais...

         Pé de Vento tinha um mundo do lado de fora e um muno do lado de dentro. Via e ouvia o mundo pelo lado de fora... Via e ouvia o mundo pelo lado de dentro... percorria, nos dois, léguas e léguas, sem se cansar.

         Quem o visse quieto, já se punha a imaginar... Se não estava a voar pelo lado de fora, com certeza, estava a voar pelo lado de dentro... Pé de vento era assim, um menino muito sábio!

         No mundo do lado de fora Pé de vento espera o sol nascer e se deitar; no mundo do lado de dentro é o sol uma grande bola para brincar, mas também pode ser uma barcarola que percorre rio e o mar...
         No mundo do lado de fora, é a lua um disco de prata, dividido em quatro partes, no mundo do lado de dentro é a lua uma amável senhora que lhe conta histórias...

         Pé de Vento tem uma música dentro de si que começa na batida de seu coração e segue mundo afora... e se completa no ritmo da chuva e no silente passar da nuvens... no sorriso dos velhos e das crianças e nos suspiros dos enamorados...

         Pé de vento entende tudo; entende a linguagem cifrada do mundo... o de dentro e o de fora... pensa e dá-se conta de sua existência e saboreia com prazer o segredo de se andar em dois mundos... ah, se eles soubessem de quantos mistérios Pé de Vento é o único senhor e guardião... nem o xamã da tribo entende o menino Pé de Vento, sabe apenas que ele sábio... ah, como é sábio este menino...

         E o melhor de tudo é que Pé de Vento, mesmo sendo veloz como um raio, rápido como um tigre, ligeiro como um furacão, nunca tem pressa... Pé de Vento sabe esperar... Pé de Vento sabe aceitar... Pé de Vento sabe, sobretudo, amar... Ah, como é sábio este menino!

         Será, um dia, um belo homem com a força e a agilidade de um leão; um rei valente cuja grandeza nenhuma jaula será capaz de conter; será um homem com um eu de ouro, um homem que não esquecerá... Pé de Vento será, sobretudo, um homem que sabe amar.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

RECOMEÇAR

 

Khuffaash, o Vigilante, do tronco oco da velha amendoeira, olhou para o vale pensamento, perdido, lá embaixo, nas entranhas profundas do tempo, esquecido entre as dobras do passado e do presente. Não tinha mais pressa. Havia achado um lugar, um bom lugar! Finalmente, daqui para o porvir renasceriam e novamente se propagariam sobre a face da terra, para o mundo inteiro sem mais a perseguição ignorante e mortal dos humanos que acreditavam, outrora, que eles não passavam de ratos velhos ou raposas voadoras, cheios de doenças como a raiva, ou mesmo meros cadáveres amaldiçoados transformados em vampiros... seres híbridos, ambivalentes, meio pássaros, meio mamíferos, impuros, amigos de bruxas e demônios, associados a má-sorte, a tristeza e a melancolia e, que, pelo fato de dormirem de ponta-cabeça, seriam avessos à ordem natural das coisas, inimigos da luz, representantes da inveja escondida, mensageiros da morte!

Balelas... apenas balelas! Mitos, lendas, superstições, que ficarão para sempre no passado. É preciso ser justo, nem todos os trataram tal mal assim... Em muitas culturas, nós, os morcegos somos abençoados, sagrados, venerados, tidos, compreendidos como símbolos de inteligência, felicidade, esperança... e, neste momento em que quase toda a Terra mergulha em sombras, esperança, é o que os humanos hão de necessitar agora... urge, então, um harmônico recomeço, antes que tudo se acabe de vez.

A péssima idéia que os humanos tinham a respeito de sua espécie, de qualquer uma delas, repousará no passado; o período em que Khuffaash passara entre eles, entre os humanos, como um deles, lhe foi proveitoso, pois ajudou-os a verem as coisas exatamente como são, ajudou-os a perceberem o erro em que haviam caído, julgando-os de maneira tão maldosa, tão descabida... muitos humanos já sabiam, já conheciam o poder de sua espécie... Já a estudavam a gerações; conheciam suas famílias, seus habitats e seus hábitos alimentares... alguns humanos se tornaram verdadeiros e leais amigos e, ao contrário do que fora propagado por séculos, aprenderam que eles também não eram imortais, portanto, haveria a partir desse novo alvorecer, o reconhecimento e o respeito,  embora tardios, mas justamente devidos, de que os humanos deles precisavam; os humanos necessitavam urgentemente de sua ajuda para salvarem o mundo e assim a sua própria raça e existência, posto que, eles, em sua ambição desenfreada, por pouco não puseram tudo a perder. Até mesmo o último santuário, o ultimo refúgio verde que ainda havia sobre a  Terra, considerado como o “pulmão do mundo”, e que seria o patrimônio, o legado, a herança de todos, quase fora dizimado... a ambição falara mais alto aos seus empedernidos corações... Os humanos foram cegos durante um longo tempo e durante este longo tempo, eles os acusaram de cegueira absoluta... usavam a expressão “cego como um morcego” e no entanto eles é que não conseguiam enxergar a um palmo adiante, cegos à realidade ameaçadora que se descortinava diante de seus olhos. Cegos, eles, os morcegos?! Não eram... nunca foram, aliás, enxergavam muito bem... são os vigilantes; vigiam, enquanto dormem os resto dos seres, como faz Khuffaash neste exato instante... dormem os seres na incerteza dos dias e na inquietudes das noites... dormem sob as asas limitadas, ignorantes e protetoras da negra e inconsciente escuridão do não-ser...            

No cúmplice silêncio da noite, a lua cheia clareava tudo, inundando de luz e beleza o vale do pensamento escondido, que se estendia tranqüilo, além da imaginação.

 Khuffaash abriu as longas asas e aguçou o olfato e a audição... no ar captou o barulho de água, uma nascente de um rio que certamente estaria repleto de peixes, e cheiro de fruta madura... Porém, Khuffaash é um morcego hematófago, ou seja, um morcego vampiro, a espécie mais temida e menos compreendida pelos humanos, precisava mesmo era de sangue para viver, mas, depois... teria tempo suficiente para se alimentar mais tarde, quando a ordem estivesse pelo menos parcialmente restabelecida... três dias seriam suficientes para recomeçar...
        
Khuffaash, o Vigilante, estava cansado, entretanto sabia que a tarefa não podia mais esperar, era chegada a hora... havia tanto a fazer... nuvens de insetos e milhares de pequenos animais roedores já começavam a se espalhar pelo vale, não tardariam a se transformarem em pragas totalmente sem controle... árvores carregadas de frutos maduros, muitos caídos, apodrecendo no chão, já requeriam o transporte de sementes para a fertilização de novas florestas que voltariam a crescer por toda a superfície do globo terrestre, graças ao adubo natural contido em suas fezes, nas fezes dos seus, nas fezes dos morcegos, tudo isso sem esquecermos, é claro, a polinização das flores, que através do vôo direcionado, guiados pelo sentido adicional do biosonar, daria vida a centenas de outras espécies de plantas...

Khuffaash sabe que no futuro que surge, promissor, a saliva de sua espécie, a saliva do tão temido, odiado e perseguido morcego vampiro, de forte ação anticoagulante, ajudará os humanos a tratar várias de suas doenças vasculares; percebem como isso é importante, e, certamente, devem ter ficado mais sábios após tão dura provação, tudo ficou por um triz. De agora em diante, humanos e morcegos, viveriam em paz, em perfeito equilíbrio e equilíbrio, isto pode até soar como redundante e óbvio, é falta de desequilíbrio e vice-versa... para o bem de ambas as partes, os humanos entenderam que eles eram elos importantes, imprescindíveis da cadeia alimentar. Eram seres tão importantes quanto os próprios humanos, ou qualquer um dos outros... cada espécie tinha a sua missão, mesmo os seus inimigos, predadores naturais como corujas, falcões e gambás... era assim que a vida se perpetuava.

Khuffaash olhou para o céu e sentiu seus irmãos se aproximando, o rumor das asas era inconfundível. Desta vez nada havia pelo caminho para os impedir; logo, todas as famílias estariam ali... deixariam as ruínas, os escombros das cidades destruídas para o ambiente fresco, seguro e protetor da mata, para o escuro acolhedor do oco das árvores e das grutas... não demoraria também a chegada dos humanos, e, rapidamente, toda a terra seria novamente um lugar habitável, assim esperava Khuffaash, o Vigilante, e para que isto acontecesse, ele faria o que fosse necessário, até mesmo voltar a ser um deles e outra vez participar da roda viva do seu viver; se fosse necessário... mas, agora, o grande morcego, de longas asas brancas, precisava de descanso... Voltou-se para dentro do tronco; voltou-se para dentro de si mesmo...o sol, amarelo olho do dia, estava prestes a se abrir... esticou e recolheu as asas, manto protetor, cobrindo-se com elas... ao longe, rasgando a quietude do espaço, o canto piedoso de um falcão peregrino.         

       


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

INAPTIDÃO PARA VIVER


Haaa... as esquisitices dos seres... Foi de repente, assim num desatino, descri de qualquer boa intenção. Espanta-me a mesquinhez dos sentimentos que se revela sem querer; uma palavra mal pensada, mal colocada... um revolver de olhos, um dar de ombros, indiferença. Dói na alma estas constatações de pobreza de espírito, não a mesma pobreza de que nos fala um dos livros sagrados, no qual está escrito “que os pobres de espírito herdarão a terra”... Onde está a diferença entre uma e outra, sendo que, em si, a frase, basicamente é a mesma? Feliz é aquele que tem olhos para ver e sabedoria pra entender o que eu cá não posso explicar. Sei apenas que os interesses que nos ligam aos outros são dos mais inúteis, variados e escusos, claro está, que, sendo assim, duvido até de mim. Contar com ajuda de vizinho, parente, amigo ou irmão, é esperar que se importem e esperar soa-me demais penoso e abstrato... Portanto sou adepta do "faça você mesmo" embora seja isto também algo bem difícil e algumas vezes constrangedor, quiçá, simplesmente impossível! Que se há de fazer? Amoldar-me à forma, à fôrma à força? Melhor a forca! Vive-se num constante “Deus nos acuda”, um “entre a cruz e a caldeirinha.” Falo com propriedade, que tudo, tudo me dá nos nervos, sensibilidade à flor da pele, banho-me em suor e tem dias insuportáveis pela sua lentidão e calor, mas cada dia a sua vez e penso na vida e penso na morte e penso na morte e penso na vida e, por fim, em como viver, daí então, depois de tanto pensar e não chegar a nenhuma conclusão, repenso tudo novamente. Ai... dá um cansaço carregar o mundo nas costas! Concluo, finalmente, que sou uma tola, que sofro de inaptidão para viver! Se a pele se rasgasse por inteiro sairia de dentro dela um pássaro ou um tigre faminto? Talvez, em verdade, nenhum dos dois. Sairia sim, uma noite escura, despida de estrela, ferida de lua, afogada em solidão

sexta-feira, 23 de abril de 2010

COTIDIANO


:(

Aconteceu de estar impaciente
A quentura do dia
Mal me deixa pensar
Logo a chuva cai
Logo o sol volta a esquentar
Cansa-me o cotidiano
De sorrisos impostados
E frases clichês
Eu mesma sinto-me uma impostora
Desprezando na vida
O que deveria/poderia me valer
Detalhes, pequenas coisas
Mas ainda assim importantes
As tristezas fazem parte
Mas não consigo me adequar
Por que não um pedaço do paraíso na terra?
Meu mundo se alarga e se estreita
Em questões de segundos
Sentimentos bipolares
Ligo a TV, desligo-a em seguida
As noticias são de arrepiar
Ou de matar
Treme a terra
Faz-se a guerra
Sofro em meu pensar
Pena de mim, não...
Do mundo em si
No fim de tudo
Quedo-me mudo!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

SÃO JORGE CELEBRADO POR ATTAR, O SÁBIO SUFI



Farid ud-Din Attar, “Elahi-Nâmeh” (O Livro Divino)
Tradução: André Sena

"Três vezes por entre fogo e sangue o pagão girava a roda sobre o corpo de Jorge.  Seu corpo despedaçou-se, pulverizado; e de sua poeira nasceu um jardim de tulipas. 

Em meio a este suplício e tormento, a Voz divina alcançou o supliciado 
através de um mensageiro celeste:

"Aquele que aspira e busca o Nosso amor não poderá beber vinho límpido 
e imaculado. Pois tal é a recompensa eterna dos que são Nossos amigos: a roda que lhes esmagará os sete membros.”

 Perguntou-se a Jorge:
"Homem, puro, desejas algo sobre esta terra?”

Ao que ele respondeu: “O que ora desejo é passar mais uma vez pelo suplício da roda e ter meus membros rompidos afim de que a Voz divina me alcance ainda uma segunda vez, pois Deus prescreveu todas estas penas a minha alma para caminhar ao meu lado em amizade.

Não reconheces em absoluto a grandiosidade dos amigos d’Ele, 
pois levas uma vida descuidada. Sê tu alguém que cultiva Sua amizade,
ou então coloca-te na fileira dos amigos 
de Seus amigos.”


*** 

quarta-feira, 21 de abril de 2010

GATO VADIO




Largado no sofá 
A porta aberta de par em par
A luz do poste me alumia

A noite é fria

Eu... as sobras do jantar
Nada a pensar
Sem chances, sem sonhos, amor
Já tenho a minha dor

A noite é fria

Atrás do ser, o que posso fazer
Na mesa, a garrafa de vinho, quase vazia
A taça virada, o cigarro apagado
São fiéis companhias

A noite é fria

Gato sem dono, vadio
Saio a pé pela cidade
Arrastando a minha agonia

A noite é fria

Lamento e curo a solidão 
Cantando pra lua a canção
Que era tua
Saiba apenas, querida

A noite é fria

Procuro lugar nos terrenos baldios
Nos becos sombrios
Por cima dos muros
Desligado da ilusão

Ahh... a noite é fria, coração

domingo, 18 de abril de 2010

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-CARMEM DOIDA

CARMEM DOIDA


 Mady Benzecry



Carmem-doida! Gritava
a criançada da antiga
praça da prefeitura,
a Carmem-doida endoidava
mandava banana pra todos,
cuspia a dentadura
xingava a mãe e a família
da garotada e berrava
os piores palavrões...

Carmem-doida! E a tua mãe,
está no hospício também?
"No céu! Seus mizerentos
rebentos do Satanás,
na paz do Senhô, ela está!"
E ia ao "Juizado
de Menores" se queixar!

"Seu juiz, não é prussive,
tanta, tanta bandalheira,
eu sou muié de respeito
e não ardimito brincadeira!
A gente tem de acabá
com esses moleque de rua,
já é a quinta dentadura
que eles me faz quebrá,
entonces esta, foi cara,
ganhei ela de natar
e tinha um dente de ouro
bem na frente, seu dotô
eles tem de me pagá!"

E lá se iam dois guardas
a garotada autuar...

Um dia, foi no Natal
uma "vaquinha" correu
na praça da prefeitura
e Carmem-doida ganhou
um presente dos meninos
com cinco dentes de ouro
uma nova dentadura!
E desde então Carmem-doida,
muito mais doida, ficou...

(Mady Benzecry [1] In: Sarandalhas, 1967)

****

O que foi feito de Carmem doida...?! A famosa louca que andava solta, nua ou enfeitada, pelas ruas da cidade, a vagar solitária por tão incompreensíveis e estreitos caminhos de sua mente em torvelinho?
Guardo comigo uma única lembrança de Carmem doida, uma lembrança dolorosamente nítida, que encheu-me de terror nos meus tempos de criança. Descobri como alguns seres humanos podem ser apenas carcaças sem compaixão; desprovidos da centelha de luz divina que ilumina e aquece o espírito, um poço de pura e total escuridão.
Carmem Doida costumava vir muito ao nosso bairro; especialmente a nossa rua, pois, muitas vezes ia à casa de G. C. onde sua esposa, sempre a sua revelia, lhe preparava um prato de comida. Carmem Doida, após saborear a comida e beber um copo de água, lá se ia, contente da vida, ladeira cima. Nós, crianças, ficávamos quietinhas, olhando aquela pobre moça, ainda jovem, tão perdida.
Um dia, para desprazer de todos o velho G. feito o ”ogro” dos contos infantis, chegou quando ninguém o esperava, surpreendendo a esposa no generoso ato de “repartir o pão”, como reza o ensinamento cristão.
O homem sem dó nem piedade, bateu em Carmem Doida com as próprias mãos, aplicando-lhe socos e pontapés. Era tamanha a sua fúria, que ninguém ousou defender a pobre louca e impressionou-me tanto, que eu nunca mais a esqueci. Até hoje me recordo da cena de violência explicita e gratuita. Carmem doida, já tão surrada pela vida, não suportou mais este desacato e  desapareceu, sumiu para sempre do bairro assim como também de nossas vidas e eu, nunca mais soube o que lhe aconteceu.    

<3

Bairro de São Geraldo_ Uma História em Duas Conjugações_Passado e Presente_Virgínia Allan, Edições Governo do Estado        


[1] Mady Benoliel Benzecry, poetisa, nasceu em Manaus em 19 de Fevereiro de 1933, no seio de uma família tradicional do Estado do Amazonas. Viveu por muitos anos no Rio de Janeiro; onde se dedicava, junto com seu marido, o entalhador pernambucano Eugênio Carlos Batista, as artes plásticas. Deixou duas obras publicadas: De Todos os Crepúsculos (1964) e Sarandalhas (1967), sendo, ambos os livros ilustrados pelo pintor Moacir Andrade. Mady Benoliel Benzecry veio a falecer no dia 11 de Julho de 2003

 
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CARMEM DOIDA 
por Moysés Arruda  


"Era uma mulher alta, magra, morena, olhos esprimidos, dos quais saíam ou faíscas de ódio ou uma tristeza cinza orvalhada. Gostava de dançar na rua, sozinha, infensa à curiosidade dos transeuntes."

O ódio nascia da provocação dos estudantes, que eram os principais autores do sobrenome indesejado: "Carmen Doida!" A resposta era imediata, furiosa e em forma de insultos diversos, normalmente atingindo a genitora dos interlocutores. "É a tua mãe, filha da putinha, vagabundo." E voltava à sua dança. Se a ofensa persistia, Carmen partia para a pedrada ou para a perseguição, e os estudantes tratavam de se safar como podiam. Sorte deles que sua indignação era passageira e o seu desejo de dançar era maior.

Na verdade, a atitude dos estudantes era uma vingança contra um hábito de Carmen. Ela não podia ver um casal de namorados entregue aos carinhos que logo falava aos berros: "Tapa, tapa logo!", ao mesmo tempo que fazia gestos obscenos. O incentivo servia de denúncia ao público e constrangimento ao casal. Carregava consigo um saco de estopa, que era jogado ao chão nos momentos de raiva. Porém, nas recordações da minha mãe e de outros, sua loucura não era uma ameaça a ninguém em momentos de normalidade, embora sua figura fosse usada pelos pais para garantir a disciplina das crianças. Carmen perambulava por toda a cidade, sempre que conseguia escapar do manicômio do bairro de Flores.

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Fonte: Mello, Thiago de. Manaus, amor e memória. Philobiblion, 1984. Foram úteis também os depoimentos no Blog do Rogelio Casado rogeliocasado.blogspot.com  Aproveito para parabenizar o autor do blog pelo magnífico trabalho na área da saúde mental que realiza em Manaus.  Agradeço a poetisa Rosa Clement pela permissão de reproduzir aqui o fruto do seu trabalho de pesquisa.

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...