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sábado, 4 de abril de 2009

PEDRO MENTESIMPLES



Conto de tradição oral
Reconto/ Virginia Allan

E haveria alguém, lá em terrinha de meu Deus, que não conhecesse Pedro Mentesimples? Homem bom, bonzinho mesmo, estava ali, correto em seus sentimentos, honesto a mais não poder. Nunca, nunquinha, nunca em toda a sua vida, havia tirado vantagens das desvantagens dos outros, isto é, “não passava a perna” como diriam uns ou “não puxava o tapete” como diriam outros, em/de ninguém. Como disse era um homem bonzinho, amável e muito trabalhador, mas, que, apesar de, ou vai ver, até por isso, ainda não havia tido sorte alguma na vida. Era sozinho no mundo. Não tinha família, nem sequer bicho de estimação. Por ser assim desse jeito, Pedro Mentesimples era sempre, esculachado; traído, explorado, mas isso não lhe martelava o pensamento o tempo todo, não, porque sabia, e nisso estava certo, que a maldade dos outros não poderia manchar a sua própria honestidade... Mas, apesar de tudo, bem no fundo de si mesmo, Pedro Mentesimples não estava lá muito contente e às vezes, ele perguntava o “por quê” da existência? Por quais motivos estávamos aqui nesse mundo, alguns rindo, outros chorando. Como tratar de fazer as coisas ou como deixar simplesmente que elas acontecessem, se ele tampouco sabia qual era, ou seria, a sua sina? Se fizesse algo que lhe fosse contrário, sofreria do mesmo jeito, já que sua sina não mudaria. Se, por outro lado, não fizesse nada, sua sina se encolheria e certamente não teria nela nada de interessante, seria qual e tal a sina de montes e montes de gente por aí, que viviam vidas comuns, sem qualquer relevância. Não queria isso para si. Devia começar, desde já, a pensar num modo de mudar de vida. E Pedro Mentesimples, pensava, pensava, pensava... pensava mais um tanto e não chegava a uma conclusão. A cabeça pesava e lhe doía de tanto que pensava. Homens iguais a Pedro Mentesimples já existiram antes e mesmo depois dele, homens assim continuarão a existir. É sina mal desenhada de quem não tem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir.
Pedro Mentesimples danava a falar quando encontrava com alguém sobre como precisava rapidamente mudar de vida e melhorar sua sina. Estava cansado das faltas de oportunidades e de como nada para ele dava certo, embora não duvidasse da justiça divina que tarda, mas nunca falha. Foram anos a fio a só fazer o certo e o bem.

Com o passar do tempo, as pessoas passaram a lhe evitar, fugindo de seus reclamos assim como o diabo fugia da cruz. Mal viam Pedro Mentesimples se aproximando, quem estava por perto, dava uma desculpa e ó, ia embora estrada afora. Contudo, Pedro Mentesimples seguia com seu jeito de ser, sendo generoso e gentil até o mais não poder de suas forças; vivendo para fazer o bem, confiante na justiça que tais atos deveriam vir a somar ao longo do tempo, pois, convenceu-se que desse jeito é que haveria de ser. Mas, isso já havia dito antes, e volto a repetir agora, no fundo de si mesmo, Pedro Mentesimples não estava tranqüilo, de modo que achou por bem procurar um homem que vivia por ali mesmo, naquelas bandas da pacata cidadezinha em que morava; tido por todos na conta de sábio, a fim de saber o que deveria fazer, e, como não tinha satisfações a dar a ninguém, foi ao seu encontro.
O sábio era um homem já velho; altivo como um pé de palmeira, bonito, pouco judiado pelo tempo... ele, um dos mistérios daquele lugar, posto que ninguém sabia dizer com exatidão quem era, de onde viera e nem porque resolvera pousar ali. O fato, público e notório, é que era bastante popular procurado pelos aflitos, indecisos e confusos a mor de dar conselhos e tão bom naquilo que fazia que o sujeito parecia exatinho adivinhar cada pensamento ou intenção, vasculhando com seus olhos miúdos e cansados, cada mente e cada coração e por isso, por causa desses poderes estranhos, era, por todos respeitado e até um tanto temido; apesar de sua humilde aparência e franco bom humor.
Pedro Mentesimples sentiu-se à vontade diante desse homem e apresentou sua queixa.    
Após ouvi-lo, o velho homem lhe disse: “Filho, filho, a honestidade, o trabalho duro, a amabilidade, saiba que todas estas coisas são da maior importância para todos, se quiseres mesmo te sentir realizado; mas, deves antes de tudo estares certo de que és honesto de verdade; de que não estás a provocar um desequilíbrio entre a tua generosidade - esta, desde já, posta numa condição dificultosa, e temo que em alguma circunstância possa vir a te danar - e a obstinação em seguir tuas próprias opiniões sobre teu modo de ser e agir”.    
O velho sábio então, ofereceu-lhe um meio em que pudesse observar-se e desse modo, observando-se, corrigir-se. Porém Pedro Mentesimples não gostou nada de ouvir sua generosidade tachada de teimosia e chegou à conclusão, é claro, de que o velho homem estava errado, só podia estar errado...
Decidiu, assim, viajar até a um povoado vizinho a fim de ver e se consultar com um outro homem, ainda mais sábio e respeitado do que o primeiro; um grande santo. Talvez, ele lhe aconselhasse mais corretamente, quem sabe até lhe desse uma fórmula mágica, sobre não só como mudar a sua sorte, mas como também renovar suas esperanças em uma fonte de confiança que nasce dentro do espírito das gentes.
Com essas idéias fervilhando na cabeça, e como o povoado não fosse tão longe, Pedro Mentesimples, que não gostava de incomodar, e em casa “não tinha um pinto pra dar água”, sem dizer nada a ninguém, colocou algumas roupas dentro de uma mochila e dispensando qualquer outro tipo de condução, se pôs a caminho... 
Andou, andou e andou... Andou mais um tanto... 
Depois de um tempo, cansado de tanto andar, Pedro Mentesimples parou na orla de um bosque para descansar e comer o que tinha trazido consigo, mas eis que de repente, leva um tremendo susto... Deus do céu... é que bem ali, bem pertinho dele uma onça, de aspecto feroz, revolvia-se no solo, rolando de um lado para o outro e que parou tão pronto o viu a sua frente. 
Pedro Mentesimples, assustado, tremendo feito vara verde, achou que havia chegado o seu fim. 
A bicha olhou-o de cima abaixo por uns instantes e então, maliciosamente, lhe disse: “Grr.. grr... Filho do homem, aonde pensas que vai?”. 
Pedro Mentesimples, embora assustado, atentou para o fato de que falava com uma onça, mas controlando-se um pouco, respondeu: “Ai, senhora dona onça... A desventura há muito tempo, tem sido minha sina. Curioso em saber o por que das coisas acontecerem assim em minha vida, consultei um sábio que não me deu uma resposta satisfatória. Então, para acalmar este meu tormento, deixei minha casa e sai numa viagem de descoberta em busca de um outro santo, que mora num povoado um pouco mais distante. Sinto a incerteza do futuro; e, se for preciso, implorarei ao santinho por um conselho que possa mudar a minha situação. Vinha eu pelo cainho, tão distraído em meus pensamentos quando topei com a senhora”. 
“Que história interessante... Grr...grr.. Veja, eu sou uma onça voraz”, disse o animal selvagem, “mas, já que vais ao encontro do santo, faça-me um favor? Grr... grr... Não ando me sentindo bem... também preciso de um conselho. Pergunta a ele o que posso fazer para melhorar minha própria condição, pois, às vezes, me sinto tão miserável e de tão mau-humor...” 
Pedro Mentesimples sentiu-se tão agradecido por não ter sido comido pela onça. e se ela só queria um favor, que pensou e “por que não?”: “Está bem, senhora dona onça voraz,” disse ele com a maior boa vontade, “transmitirei sua mensagem ao sábio com muito gosto”.
Assim, Pedro Mentesimples, agora mais tranqüilo, acabou de comer, levantou-se, despediu-se da onça, retomando seu caminho.
Andou, andou, andou... Andou mais tanto. Não demorou chegou às margens de um rio e viu uma cobra enorme, com uma barriga maior ainda, meio enrolada num galho, meio dentro meio fora da água, abrindo e fechando a boca, tossindo desesperadamente, mas, que ao vê-lo, exclamou: “Aonde vais, cof, cof... filho do homem? Aproxima-te um instante. Não tenhas medo... Nenhum mal te farei... estou tão doente...”
Pedro Mentesimples se aproximou e acocorando-se à beira do rio contou a cobra tudo o que, até ali, tinha lhe sucedido: “Curioso em saber o porque das coisas em minha vida acontecerem de uma forma que não me agradava, consultei um sábio que não me deu uma resposta satisfatória. Então, deixei minha casa e sai numa viagem de descoberta em busca de um outro santo, que mora num povoado um pouco mais distante. Vinha eu em meu caminho, quando, de repente deparei-me com uma onça...”      
“Que história interessante...” Disse a cobra, bastante interessada. “Veja o meu caso... Eu sou uma grande e bela cobra d’água, mas por algum motivo que escapa ao meu entendimento, não posso nadar; algo em mim não está bem. Preciso de ajuda... Por favor, já que vais ao encontro do santo, pede a ele um conselho para que eu possa resolver o meu problema”.
Pedro Mentesimples compadeceu-se da cobra e com a maior boa vontade do mundo, prometeu ajudá-la como antes havia prometido a onça, e, serelepe, continuou sua jornada.
Andou, andou e andou... Andou mais um tanto e aí chegou a um belo campo verdejante, onde em meio à arvores frondosas saltava aos olhos uma velha árvore, de tronco descascado e galhos secos e retorcidos.
“Ai... ai ...” gemia a árvore, “alguém me ajude”. Foi então que viu Pedro Mentesimples e perguntou-lhe: “Aonde vais, filho do homem?”
Pedro Mentesimples ouviu o apelo da árvore e aproximando-se, contou-lhe tudo o que lhe tinha acontecido até ali: “Curioso em saber o porque das coisas em minha vida acontecerem de uma forma que não me agradava, consultei um sábio que não me deu uma resposta satisfatória. Então, deixei minha casa e sai numa viagem de descoberta em busca de um outro santo, que mora num povoado um pouco mais distante. Vinha eu em meu caminho, quando, de repente topei com uma onça voraz, em seguida com uma cobra, meio enrolada num galho, meio dentro, meio fora da água... ”
“Que história interessante”.... disse a árvore. “Já que vais em busca do homem santo vê se ele não tem um conselho para mim? Há dias que não me sinto bem. Estou perdendo minhas folhas e minhas raízes estão frouxas”.
Pedro Mentesimples compadeceu-se da árvore e com a maior boa vontade do mundo, prometeu ajudá-la, como antes havia prometido a cobra e a onça.
Pedro Mentesimples continuou sua jornada. Andou, andou, andou... andou mais um tanto. Eis que chega a um terreno árido; castigado pelo sol, onde três homens, cansados, escavavam arduamente. Detendo-se diante deles, Pedro Mentesimples perguntou: "Olá, amigos... dia quente, não?! Por que se cansam ao escavar uma terra tão pouco promissora?".
"Dia... viajante... Está mesmo um dia muito quente". Disse o primeiro homem, puxando um lenço do bolso da calça e enxugando o suor do rosto.
"Muito, muito quente!” Disse o segundo dos homens, tirando o chapéu de palha da cabeça e abanando-se.
"Muito, muito, muito quente!” Disse o terceiro homem, arregaçando a camisa e apoiando-se, distraidamente, no cabo da enxada.
“Nós somos os três filhos de um homem muito bom, falecido recentemente”. Respondeu o irmão mais velho.
“Muito, muito bom!” Disse o irmão do meio.
“Muito, muito, muito bom!” Disse o irmão mais novo.
“Nosso querido pai deixou-nos por herança esta terra, pedindo que a escavássemos e é isso que estamos fazendo, cumprindo sua última vontade. Mas, puxa, é um trabalho vão, pois como vês, é tão pobre esta terra que nela, nada crescerá. Aquela foi a única árvore que restou, porém está tão fraca, descascada e feia, que nem desfrutar de sua sombra podemos. É vida dura...”
“Muito, muito dura!” Repetiu o segundo irmão.
“Muito, muito, muito dura!” Repetiu o terceiro irmão. 
E tu, viajante, para onde vais? Qual a tua missão?” Perguntou o primeiro dos três irmãos.
“É mesmo, viajante, aonde vais com tanta pressa? Qual a tua tarefa?” Perguntou o segundo dos três irmão.
“Diz lá, viajante, qual a tua prova, para saíres de casa em tão longa caminhada?” Perguntou o terceiro dos três irmãos.    
E Pedro Mentesimples contou, novamente, toda a sua história: “Curioso em saber o por quê das coisas em minha vida acontecerem de uma forma que não me agradava, consultei um sábio que não me deu uma resposta satisfatória. Então, deixei minha casa e sai numa viagem de descoberta em busca de um outro santo, que mora num povoado um pouco mais distante. Vinha eu em meu caminho, quando, de repente topei com uma onça voraz, em seguida com uma cobra, meio enrolada num galho, meio dentro, meio fora da água e logo depois com uma árvore de galhos secos e tronco descascado...”
“Que história interessante...” Disse o primeiro dos irmãos.
“Muito, muito interessante...” Disse o segundo dos irmãos.       
“Muito, muito, muito interessante...” Disse o terceiro dos três irmãos.
Assim, ao saberem para onde Pedro Mentesimples se dirigia lhe suplicaram também que pedisse por eles ao santo.
Pedro Mentesimples, com muita boa vontade; prometeu-lhes ajudar, como antes havia prometido à árvore, a cobra e a onça. Mais uma vez, lá ele se foi no rasto do vento.
Andou, andou e andou... Andou mais um tanto. Cansou-se outra vez. O povoado era perto, mas não parecia tão perto assim. Para seu alivio; viu uma casinha toda bonitinha, de portas e janelas pintadas de azul e enfeitadas com flores, que parecia lhe sorrir. Contente, foi em direção a moça que estava à janela. Ele pediu abrigo e ela se dispôs a abrigá-lo, feliz, depois de tanto tempo, em receber uma visita. Levou-o a cozinha, pediu que sentasse. Arrumou a mesa; serviu-lhe bolo, café com leite e outras gostosuras que havia preparado.
Pedro Mentesimples se sentiu muito bem, como nunca tinha se sentido antes. Então, ela, curiosa, pois pouca gente passava por ali, perguntou-lhe: “Filho do homem, aonde vais?” Conversa vai; conversa vem e ele contou toda a sua história e do seu encontro com a onça, com a cobra, com a árvore, com os três irmãos e das promessas que lhes havia feito. Assim que ela soube aonde ele ia, disse-lhe: “Embora eu tenha uma boa vida aqui neste meu canto, às vezes, me sinto muito só. Pergunta ao sábio se ele não tem um conselho para mim?”.
Pedro Mentesimples prometeu perguntar, como antes tinha prometido aos três irmãos; a árvore, a cobra d’água e a onça feroz. Finalmente, Pedro Mentesimples chegou ao seu destino. Não tardou em achar a casa do santo que se encontrava sentado, como sempre, modestamente e sem ostentação, com um pequeno grupo de gente que tinha acorrido ali a fim de ouvir e aprender suas lições. Pedro Mentesimples se aproximou e o santo pediu que falasse. Ele, sem pestanejar, obedeceu e disse: “A benção meu santinho! Mas que posso eu dizer ou perguntar?! Diga-me que eu, com certeza, poderei reconhecer minha fortuna, já que é bem sabido que o destino de uma pessoa é somente a própria imagem de si mesma e, sendo assim, acho que posso reconhecer alguém que se pareça a mim, tal qual se olhasse num espelho”.
“Não te enganes. Uma imagem de ti mesmo não precisa se parecer contigo feito alguém de carne e osso”. Disse o homem santo. “Todo mundo, e tu também, possui tantas partes que se torna difícil ver a si mesmo refletido, como num espelho, em todas as suas formas. Deves ter cuidado para não seres engolido pela fera da ignorância. A quê vieste meu filho, que conselhos vieste pedir e que conselhos posso te dar?”.
“Meu nome é Pedro e venho aqui em busca de tua ajuda sim, mas antes de pedir para mim, quero pedir em nome de uma moça, três homens; uma árvore, uma cobra e uma onça, para que estenda também a eles a tua bondade e sabedoria”.
O santo balançou a cabeça, concordando, e Pedro Mentesimples contou toda a sua história e tudo o que lhe havia sucedido até aquele momento, falando, sobretudo, das dificuldades pelas quais passavam a moça, os três homens, a cobra e a onça. Depois de ouvi-lo, o santo deu os devidos conselhos e para finalizar, disse: “Meu filho, a tua resposta, aquela ao qual tanto anseias a modo de resolver as questões de tua vida, está contida em tudo isso que já te foi dito”.
Pedro Mentesimples então, despediu-se do santo e volveu sobres seus próprios passos, tentando encontrar entre tudo o que o santo havia dito, a chave da compreensão que o ajudaria a reconhecer o seu próprio destino.
Andou, andou, andou... andou mais um tanto. No tempo determinado, chegou à casinha pintada de azul, enfeitada com flores, onde morava a bela moça.
A moça ficou tão feliz em vê-lo de volta... Convidou-o a entrar e sentar. Outra vez arrumou a mesa, colocando nela vários tipos de guloseimas. Eles comeram e conversaram e Pedro Mentesimples pensou que nunca em sua vida havia se sentido tão bem. A moça, com olhos brilhando, finalmente perguntou: “Então... viste o homem santo? O que ele te disse? Tinha ele um conselho para mim?”.
"Sim” respondeu Pedro Mentesimples, contente em poder ajudar. “Ele disse que às vezes, você se sente infeliz por viver na mais completa solidão. Tens que encontrar uma companhia e se assim o fizer hás de viver feliz, por muito e muitos anos”.
A moça ficou tão ou mais vermelha do que a rosa vermelha do pé de roseira de seu jardim que crescia perto da cerca, mas mesmo assim, cheia de vergonha, olhou para Pedro e perguntou: “Não queres tu ficar aqui comigo? És um homem bom e atencioso e certamente seriamos felizes”.
“Há moça, creia-me, se pudesse ficar... ficaria... mas procuro respostas que me ajudarão a entender minha vida. Não posso ficar parado, quieto a um canto, só comendo e bebendo e jogando conversa fora como se nada tivesse a fazer, mesmo sendo com você, bela e agradável companhia. Deves, desde já, procurar outra pessoa. Hás de encontrar. Adeus”.
E Pedro Mentesimples deixou a moça e seguiu seu caminho. Muito atento, olhando para todos os lados, a ver se encontrava a cópia de si mesmo que lhe mostraria o seu destino e lhe faria entender afinal a finalidade de sua vida.
Andou, andou, andou... andou mais um tanto e logo chegou ao campo ressequido onde se encontravam os três irmãos, cabisbaixos, ainda ocupados em sua peleja.
“Arre, manos, se não o viajante de volta?” Disse o mais velho dos três irmãos.
“E num é que é ele mesmo?” Disse o irmão do meio.
“É ele sim... vivinho e inteirinho da silva!”. Disse o mais novo dos três irmãos.
Pedro Mentesimples se aproximou, parando em frente dos três homens.
“Dia, viajante... Então? Encontraste o santo? Tinha ele um bom conselho a nos dar?” Perguntou o primeiro irmão.
“Diga lá, amigo viajante... tinha o santinho um conselho bom, bom mesmo a nos dar?” Repetiu o segundo irmão
“Tinha lá o santinho um conselho porreta, um conselho daqueles, danado de bom, bom mesmo, bom a mais não poder a nos dar?” Disse o terceiro irmão.
“Bom dia, amigos....” Disse Pedro Mentesimples com um baita sorriso no rosto, contente por poder ajudar, “é um prazer voltar a encontrá-los. O santinho tinha sim, um conselho para vocês. Ele disse que devem cavar exatamente bem no meio do campo. Se assim o fizerem encontrarão um tesouro maravilhoso que só vocês poderão deitar a mão . Este é o significado do pedido de seu pai quando lhes mandou escavarem o campo”.
Pedro Mentesimples juntou-se aos três homens e ajudou-os na escavação do campo. Rapidamente encontraram um tesouro de valor inestimável e entre este tesouro, achavam-se também algumas ferramentas, extraordinárias, que se usadas pelas pessoas certas, deixariam as gentes espantadas, maravilhadas.
Os irmãos ofereceram a Pedro Mentesimples uma parte do tesouro, assim como também metade dos raros instrumentos, mas, disse-lhes Mentesimples: “Ora, meus amigos, deixem disso, eu sou cumpri o meu dever. Tudo isso pertence a vocês e somente a vocês, não tenho direito algum a nada. Não o cobiço. Agradeço a bondade para comigo. Fiquem em paz que eu já vou embora... Estou preocupado é com algo maior.... Preciso entender o porque de minha vida e encontrar assim o meu destino. Para isso deixei minha casa e parti nessa viagem de descobertas. Para que precisaria de um tesouro? Adeus e sejam felizes”.
Pedro Mentesimples se foi, sem nem olhar para trás.
Andou, andou, andou... andou mais um tanto. Não demorou chegou ao campo verdejante aonde a árvore de galhos secos e retorcidos e tronco descascado ainda gemia: “Já voltastes filho do homem? É muito bom vê-lo de volta. Encontraste o santo? Tinha ele um conselho para mim?”
“Encontrei-o sim, disse Pedro Mentesimples com um baita sorriso no rosto, contente por poder ajudar, “te sentes doente porque tens alguma coisa presa entre as tuas raízes. Deves encontrar alguém que possa arrancar o mal que está envenenando as tuas raízes e matando-te aos poucos”.
“Por favor, ajuda-me mais uma vez. Quase não passa ninguém por aqui...”
Pedro Mentesimpels fez o que a árvore lhe pediu... cavou, cavou, cavou... cavou mais um tanto e em pouco tempo encontrou presa as raízes uma caixa cheia de ouro que ele, num só fôlego, retirou.
“É uma bela caixa cheia de ouro...” Disse Pedro Mentesimples, mas a árvore, que na mesma hora, voltou a florir, só queria balançar suas folhas ao vento. Ficou tão agradecida que deu a Pedro Mentesimples a caixa cheia de ouro.
“Não preciso de uma caixa cheia de ouro por mais bela que seja. Fica com ela e seja feliz”.
Mas Pedro Mentesimples, estava preocupado com algo mais sério que era entender o porque da vida e qual era o seu destino. O que faria com uma caixa cheia de ouro? Assim, tomando a caixa andou um pouco mais longe e abrindo outro buraco, enterrou a caixa cheia de ouro, dando por encerrado aquele assunto.
Achando que tinha feito o que era certo Pedro Mentesimples seguiu seu caminho.
Andou, andou, andou... andou mais um tanto. Finalmente alcançou às margens do rio aonde tornou a encontrar a cobra meio enrolada em um galho, meio dentro, meio fora da água, que tão logo o viu, tossindo e silvando, perguntou-lhe: “Shhhhiii, Cof... cof... Já de volta, filho do homem. Então, falaste com o santo? Tinha ele uma solução para por um fim ao meu sofrimento?”
“Cobra” disse Mentesimples, contente em poder ajudar, “o homem santo, como grande sábio que é, mudou a sorte de três irmãos muito pobres, indicando-lhes o lugar onde deveriam cavar e assim encontrar um tesouro. Sobre ti e tua estranha situação, disse o santo o seguinte: ‘A cobra deve comer um bom punhado da erva que cresce em abundância do outro lado da margem do rio em que vive. Quando mastigada, o suco da erva a fará vomitar, livrando-a de seu tormento”.
A cobra, pela segunda vez, implorou ajuda a Mentesimples, de modo que este não pode esquivar-se, já que ela sentia-se tão mal, que nem conseguia se deserrolar do galho em que se encontrava. Pedro Mentesimples jogou-se na água e nadou até a outra margem, onde apanhou uma boa porção da erva, levando-a para a cobra, que, sem esperar mais, pôs-se a mastigá-la para lhe tirar o suco.
O suco, de um sabor amargo, fez a cobra vomitar e ela tornando a se sentir bem, desenrolou-se do galho, caindo dentro da água, nadando e brincando sem parar, tão grande era o seu contentamento. Mentesimples então lhe disse: “Cobra amiga, quando vomitaste os restos de tua última refeição, uma pedra, grande, luminosa e transparente veio também e certamente era isto que parecia estar dificultando a tua digestão, deixando-te doente, mas ó, veja aqui está a pedra, caída na areia e para tua satisfação é uma pedra preciosa; um diamante raro quase do tamanho de uma laranja, não sei como pudeste engoli-lo, pega-o ou alguém o roubará.”
“Ó, sim...” disse a cobra, “devia estar dentro do peixe que comi, mas isto não tem valor nenhum para mim. Ficas tu com ela. Será meu presente para ti; só sei que estou livre agora, livre e bem...” e lá se foi a cobra nadando para longe desejando a Pedro que fosse feliz.
Pedro Mentesimples, da margem, ainda chamou pela cobra, pedindo a ela que levasse consigo o luminoso diamante, mas vendo que os seus chamados em nada resultavam Mentesimples pegou a pedra e jogou-a dentro do rio, justamente no lugar aonde havia visto a cobra pela última vez.
Então, Pedro Mentesimples achando que tinha cumprido o seu dever, virou às costas e seguiu pelo bosque adentro, indo ao encontro da senhora dona onça.
Andou, andou, andou... andou mais um tanto. Finalmente chegou no lugar onde estava a dona onça. Sentou-se no mesmo canto onde outrora tinha parado a descansar quando do começo de sua jornada e após contar a onça tudo o que lhe havia acontecido até aquele momento, esta, ansiosamente lhe perguntou o que o santo receitara para o seu caso. “O santo”, disse Mentesimples, “para o teu caso, declarou com todas as letras e em alto e bom som que só obterás alivio se devorares um idiota completo. Faz isso e não terás mais problemas”.
“E tampouco tu...” rugiu a onça, saltando sobre Pedro Mentesimples, acabando, desse modo, com qualquer preocupação que ainda pudesse ter em relação ao futuro. Homens iguais a Pedro Mentesimples já existiram antes e mesmo depois dele, homens assim continuarão a existir... É, sina mal desenhada que nunca se acaba...

segunda-feira, 30 de março de 2009

DIAS FRIOS E NUBLADOS








E há cores nos dia frios e nublados
E há risos de crianças
Mesmo dentro de casas fechadas
E ruas silenciosas

E há doces com mil sabores
E gente com mil amores
Mesmo em dias frios e nublados

Há sonho em forma de pão
Pão em forma de sonho
Para quem tem fome
No forno quente da padaria ou na cama
aconchegante do fim de mais um dia

No casebre ou na mansão, porque não?   

É que em dias frios e nublados
Tudo fica meio escondido
Complicado fado
E a tristeza pensa-se infinita

Mas nos cantinhos acomodados
Estão os enamorados
E o pássaro encolhido no fio
Solta um assobio

Mesmo em dias frios e nublados
Há felicidade por todos os lados
E embora tímida, indecisa
Ela também sorri...



 
 
 


sexta-feira, 20 de março de 2009

BORGES E EU


Jorge Luis Borges


Vou manter a minha paz em algum lugar distante de você. Assim deve ser. Vou procurar no sossego do jardim, o bucólico cheiro de jasmim... Engano-me, bem sei, mas, por alguns instantes, jaz em mim a saudade antiga e dominante, que me abarca e me leva pra longe, vagando por outros céus, além dos cumes de inalcançáveis montes. Sentar-me-ei à sombra convidativa de um salgueiro e lerei nos compridos versos de Borges sobre a solidão ampliada nos espelhos e desse jeito tranqüilo aquietarei o tigre em minha mente... Penso em um tigre ao modo de Borges, tal como penso nas adagas, nas Bibliotecas, no Aleph e num velho poeta cego que um dia andou pelo campo de Castela... Perdida, na vastidão de seu mundo multiplicado, o dia correrá mansamente por dentro de mim...

sexta-feira, 13 de março de 2009

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-CINZENTO ENTARDECER











CINZENTO ENTARDECER


Era uma tarde viúva, de véu cinza e escuro manto
De feio semblante
Não havia o brilho, nem a quentura do sol
Não havia o frio, nem as gotas de chuva

Pensei num poema
Olhei em volta
Mas, a tarde viúva não me comoveu
Era um sonho, uma quimera...
Desfez-se... com o escuro da noite que logo desceu


sábado, 7 de março de 2009

O GIGANTE EGOISTA




Um conto de
 Oscar Wilde
Tradução de Oscar Mendes


Todas as tardes, ao regressar da escola, costumavam as crianças ir brincar no jardim do Gigante.
Era um jardim amplo e belo, com um macio e verde gramado. Aqui e ali, por sobre a relva erguiam-se lindas flores como estrelas e havia doze pessegueiros que na primavera floresciam em delicados botões cor-de-rosa e pérola, e no outono davam saborosos frutos. Os pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão suavemente que as crianças costumavam parar seus brinquedos, a fim de ouvi-los.
 “Como somos felizes aqui!”, gritavam uns para os outros.
Um dia o Gigante voltou. Tinha ido visitar seu amigo o Ogre de Cornualha e ali vivera com ele durante sete anos. Passados os sete anos, dissera tudo quanto tinha a dizer, pois sua conversa era limitada, e decidiu voltar para seu castelo. Ao chegar, viu as crianças brincando no jardim.
— Que estão vocês fazendo aqui? — gritou ele, com voz bastante ríspida e as crianças puseram-se em fuga.
— Meu jardim é meu jardim — disse o Gigante — Todos devem entender isto e não consentirei que nenhuma outra pessoa, senão eu, brinque nele.
Construiu um alto muro cercando-o e pôs nele um cartaz:


É PROIBIDA A ENTRADA

OS TRANSGRESSORES SERÃO PROCESSADOS


Era um Gigante muito egoísta. As pobres crianças não tinham agora lugar onde brincar. Tentaram brincar na estrada, mas a estrada tinha muita poeira e estava cheia de pedras duras, e isto não lhes agradou. Tomaram o costume de vaguear, terminadas as lições, em redor dos altos muros, conversando a respeito do belo jardim por eles cercados. “Como éramos felizes ali!” diziam uns aos outros.
Depois chegou a primavera e por todo o país havia passarinhos e florinhas. Somente no jardim do Gigante Egoísta reinava ainda o inverno. Os pássaros, uma vez que não havia meninos, não cuidavam de cantar nele e as árvores esqueciam-se de florescer.
Somente uma bela flor apontou a cabeça dentre a relva, mas quando viu o cartaz, ficou tão triste por causa das crianças que se deixou cair de novo no chão, voltando a dormir. Os únicos que se alegraram foram a Neve e a Geada.
— A primavera esqueceu-se deste jardim — exclamaram — de modo que viveremos aqui durante o ano inteiro.
A Neve cobriu a relva com seu grande manto branco e o Gelo pintou todas as árvores de prata. Então convidaram o Vento Norte para ficar com eles e o vento veio. Estava envolto em peles e bramava o dia inteiro no jardim, derrubando chaminés.
— Este lugar é delicioso — dizia ele — Devemos convidar o Granizo a fazer-nos uma visita.
De modo que o Granizo veio. Todos os dias; durante três horas, rufava no telhado do castelo, até que quebrou a maior parte das ardósias e depois punha-se a dar voltas loucas no jardim, o mais depressa que podia. Trajava de cinzento e seu hálito era frio como gelo.
— Não posso compreender por que a Primavera está demorando tanto a chegar — disse o Gigante Egoísta, ao sentar-se à janela e olhar para fora, para seu jardim frio e branco.
— Espero que haja uma mudança de tempo –
Mas a Primavera nunca chegou, nem tampouco o Verão. O Outono deu frutos áureos a todos os jardins, mas ao jardim do Gigante não deu nenhum.
— É demasiado egoísta — disse ele.
De modo que havia sempre Inverno ali e o Vento Norte, e o Granizo, e a Geada e a Neve dançavam por entre as árvores.
Uma manhã jazia o Gigante acordado em sua casa, quando ouviu uma música deliciosa. Soava tão docemente a seus ouvidos que pensou que deviam ser os músicos do Rei que iam passando. Era na realidade apenas um pequeno pintarroxo que cantava do lado de fora de sua janela, mas já fazia tanto tempo que não ouvia ele um pássaro cantar em seu jardim que lhe pareceu aquela a mais bela música do mundo. Então o Granizo parou de bailar por cima da cabeça dele, o Vento Norte cessou seu rugido e delicioso perfume chegou até ele pela janela aberta.
— Creio que chegou por fim a Primavera — disse o Gigante, saltando da cama e olhando para fora. Que viu ele?
Viu um espetáculo maravilhoso. Por um buraco feito no muro, as crianças tinham-se introduzido no jardim, encarapitando-se nas árvores. Em todas as árvores que conseguia ver achava-se uma criancinha. E as árvores sentiam-se tão contentes por ver as crianças de volta que se haviam coberto de botões e agitavam seus galhos gentilmente por cima das cabeças das crianças. Os pássaros revoluteavam e chilreavam, com deleite, e as flores riam, apontando as cabeças por entre a relva. Era um belo quadro. Apenas em um canto ainda havia inverno. Era o canto mais afastado do jardim e nele se encontrava um menininho. Era tão pequeno que não podia alcançar os galhos da árvore e vagava em redor, chorando amargamente. A pobre árvore estava ainda coberta de geada e neve e o Vento Norte soprava e rugia por cima dela.
— Sobe, menino! — dizia a Árvore, inclinando seus ramos o mais baixo que podia. Mas o menino era demasiado pequenino.
E ao contemplar o Gigante aquela cena seu coração enterneceu-se.
— Como tenho sido egoísta — disse. Agora estou sabendo por que a Primavera não vinha cá. Vou colocar aquele pobre menininho no alto da árvore e depois derrubarei o muro e meu jardim será para todo o sempre o lugar de brinquedo para os meninos.
Sentia-se deveras muito triste pelo que tinha feito. De modo que desceu as escadas e abriu a porta de entrada bem devagarinho, saindo para o jardim. Mas quando as crianças o viram, ficaram tão atemorizadas que saíram todas a correr e o jardim voltou a ser como no inverno. Somente o menininho não correu, pois seus olhos estavam tão cheios de lágrimas que não viram o Gigante chegar. E o Gigante deslizou por trás dele, apanhou-o delicadamente com a mão e colocou-o no alto da árvore. E a árvore imediatamente abriu-se em flor e os pássaros chegaram e cantaram nela pousados e o menininho estendeu seus dois braços, cercou com eles o pescoço do Gigante e beijou-o. E as outras crianças, quando viram que o Gigante já não era mau, voltaram correndo e com eles veio também a Primavera.
— O jardim agora é de vocês, criancinhas — disse o Gigante, que pegou um grande machado e derrubou o muro. E quando as pessoas iam passando para a feira ao meio-dia, encontraram o Gigante a brincar com as crianças no mais belo jardim que jamais haviam visto. Brincaram o dia inteiro e à noitinha dirigiram-se ao Gigante para despedir-se.
— Mas onde está o companheirinho de vocês? — perguntou — O menino que eu pus na árvore?
O Gigante gostava mais dele porque o havia beijado.
— Não sabemos — responderam as crianças.
 — Foi-se embora — Devem dizer-lhe que não deixe de vir amanhã — disse o Gigante. Mas as crianças responderam-lhe que não sabiam onde ele morava e nunca o tinham visto antes. E o Gigante sentiu-se muito triste.
Todas as tardes, quando as aulas terminavam, as crianças chegavam para brincar com o Gigante. Mas o menininho de quem o Gigante gostava nunca mais foi visto de novo. O Gigante mostrava-se muito bondoso para com todas as crianças, contudo tinha saudades do seu primeiro amiguinho e muitas vezes a ele se referia.
— Como gostaria de vê-lo! — costumava dizer.
Os anos se passaram e o Gigante foi ficando muito velho e fraco. Não podia mais tomar parte nos brinquedos, de modo que se sentava numa grande cadeira de braços e contemplava o brinquedo das crianças e admirava seu jardim.
— Tenho belas flores em quantidade — dizia ele, mas as crianças são as mais belas flores de todas.
Numa manhã de inverno, olhou de sua janela, enquanto se vestia. Não odiava o Inverno agora, pois sabia que era apenas a Primavera adormecida e que as flores estavam descansando. De repente, esfregou os olhos, maravilhado, e olhou e tornou a olhar. Era realmente uma visão maravilhosa. No canto mais afastado do jardim via-se uma arvore toda coberta de alvas e belas flores. Seus ramos eram cor de ouro e frutos prateados pendiam deles e por baixo estava o menininho que ele amara.
O Gigante desceu as escadas a correr, com grande alegria, e saiu para o jardim. Atravessou correndo o gramado e aproximou-se da criança. E quando chegou bem perto dela, seu rosto ficou vermelho de cólera e perguntou.
— Quem ousou ferir-te? Pois nas palmas das mãos da criança viam-se as marcas de dois cravos e as marcas de dois cravos nos pequeninos pés.
— Quem ousou ferir-te? — gritou o Gigante — Dize-me, para que eu possa tirar minha grande espada e matá-lo.
— Não — respondeu o menino — São estas as feridas do Amor.
— Quem és? — perguntou o Gigante, sentindo-se tomado dum grande respeito e ajoelhando-se diante do menininho.
E o menino sorriu para o Gigante e disse: — Tu me deixaste brincar uma vez em teu jardim, hoje virás comigo para o meu jardim, que é o Paraíso. E quando as crianças chegaram correndo naquela tarde, encontraram o Gigante morto sob a árvore toda coberta de alvas flores.

— Fim —


Fonte: WILDE, Oscar. Obra Completa. Organização, tradução e notas de Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

sexta-feira, 6 de março de 2009

LUAR PELA FRESTA






É noite! Há uma fresta em meu telhado por onde a lua me espia 

Demoro-me um tanto a espiá-la também Ligo a TV. 

Leio um pouco. 

Repouso. 

Desacelero o coração 

Rabisco palavras no papel, linhas ilegíveis de um pretenso poema, mas sou surpreendido com a queda de uma estrela, que, suavemente, passa pela fresta e inunda de luz o meu pensar.

Bom sinal! 

Quem sabe meu sonho se torne real? 

Assim como a lua e a estrela, o sol e a chuva entram pela fresta também 

E me acalentam e me dão de beber. 

Alimentam-me com novas palavras, muitas idéias... 

E com elas construo um castelo, um novo universo 

Renovo o discurso 

Refaço o verso.

segunda-feira, 2 de março de 2009

DESENHO DE GIZ








A chuva cai e apaga da calçada o desenho de giz que eu fiz, parece-me que há muito tempo, em uma outra vida, quando ainda era feliz.

Era um desenho de giz tão bonito, alegre, colorido... que, quem o via não pensava em o apagar e até mesmo as crianças ficavam encantadas e, em outra calçada, iam brincar.

Mas a chuva, que de nada se compadece, veio e borrou minhas esperanças, levando embora na enxurrada o desenho de giz, desfeito em água...

E minhas lágrimas foram tantas que competiram com a chuva...


domingo, 1 de março de 2009

SERENATA SELVAGEM








Os gatos debaixo do meu telhado
Os gatos em cima de minha janela
Os gatos em cima de meu telhado
Os gatos debaixo de minha janela
Oh cantoria maluca
Que não me deixa dormir
Lá fora
Os gatos no cio
Os gatos vadios
A noite escura é o seu cobertor, o manto protetor, a cama macia para o aconchego do amor
Nos longos gemidos emitidos por necessário capricho
O sossego humano perturbar
O bicho vai pegar
É hora de acasalar
A serenata selvagem corta o silêncio da noite
E não há água, pedrada ou sapatada que os espantem rua afora, se por perto houver uma gatinha manhosa e formosa, toda prosa
Cheia de amor pra dar
O bicho vai pegar
Os gatos debaixo do meu telhado
Os gatos em cima de minha janela
Os gatos em cima de meu telhado
Os gatos debaixo de minha janela
Alta madrugada
Lá fora
Os gatos no cio
Os gatos vadios
O sossego humano perturbar o bicho vai pegar
E hora de acasalar

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...