Um corvo, um cobre

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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-ÁRIA DE CARNAVAL


ÁRIA DE CARNAVAL

Paris das Selvas, Carnaval de 1915.

Em verde cidade, em verdes anos, bailam foliões ao som de antigas marchinhas.
Belos carnavais de outrora!
Dentro e fora dos salões, a mascarada se anima. Afinal, é carnaval, é pierrot, é serpentina! Fantásticas cores, leves balanços.
Ao longe passam arlequins e colombinas, travando inocentes guerras de confetes, enchendo a rua de pontos coloridos, transformando as calçadas em adoráveis campos de batalhas.
Mas, também são verdes os olhos do ciúme, e observadores, na figura de Diana, se deleitam. Os tristes olhos que a deusa vigiam, guardam nos lábios palavras de queixas.
É a doce Ária
1, adolescente ainda, que de deusa Diana se fantasia e do Olimpo desce para entre os mortais vir brincar, e nem percebe os tristes olhos frios, que de longe a vigiam, e feliz corre para seu novo par.
Tantos planos, tantos sonhos, para depois do carnaval. Por ora, só o baile é importante, a correria no salão é contagiante e todos esperam a aurora raiar!
Porém, eis que os acordes mágicos de um violino interrompem a brincadeira e os foliões, embevecidos, param, ao ouvirem a canção.
É Ária, que em seu violino toca uma valsa - talvez um presságio! ''Subindo ao Céu'', ela toca, quando um tiro é disparado!
O amor e harmonia que a melodia espalhava, são logo substituídos por confusão e espanto! E o baile, antes tão colorido, cinza torna-se!
Ária cai com o violino, deixando no ar os últimos acordes; de vermelho vivo se tinge o vestido e a tristeza, com seu manto, a todos envolve.
O novo par de Diana, na figura de um caçador, a arma dispara; na luta que trava com o oponente sofredor.
O tiro mortal a disputa encerra, pois a causa, jaz, estendida no chão!
Agitam-se os foliões e o leve corpo carregam, formando estranho cortejo!
A partitura fora rasgada, para sempre, calou-se a cantiga. Não é a deusa Diana, ''a caçadora'' quem nos braços carregam, mas sim, a doce Ária já sem vida!


1Ária Ramos era uma jovem violinista de dezessete anos da sociedade manauara. Foi morta num baile de carnaval, por um tiro disparado por seu namorado que usava uma fantasia de caçador. Dizem alguns que tal tiro foi acidental. A arma disparara durante uma briga do rapaz com o ex-noivo da moça. Outros dizem que não houve briga nenhuma, e até hoje permanece um mistério o motivo de sua morte.



Do livro MORONETÁ-Crônicas Manauaras; Virgínia Allan, Editora Valer

domingo, 22 de fevereiro de 2009

EM TEMPOS DE CARNAVAL, VAI, ME TOCA UM BLUES...


Em tempos de Carnaval, prefiro escutar um blues... há irrealidade nesta festa profana, há tristeza profunda nesta “alegria barata”. Billie Holliday me invade os ouvidos, enquanto o vizinho ao lado escuta uma velha marchinha... bom, meus vizinhos são das antigas e ainda brincam o Carnaval de um modo antigo, mas prefiro a tristeza intraduzível, desprovida de máscaras de minha querida Billie... não estranhem se pareço intimo assim... me sinto intimo, um membro da grande família do Blues. Carnaval nunca me deu sossego... é barulho pra todo lado e não consigo me afastar de toda essa bagunça... não dá... faz parte de nossa cultura, faz parte de nossa história... Hum, devo admitir, faz parte de mim, mas eu, como “bicho” urbano, não agüento a solidão de um sitio afastado. Pobre de mim... Fico assim... Nem lá nem cá... Aproveito para escrever e ler... em momentos de descuido, mergulho em breves devaneios... Meus devaneios, às vezes, são temáticos e como estamos no Carnaval, viajo de volta a um passado romântico, onde os personagens estão sempre felizes. É Carnaval, não pode ser diferente e esta alegria é real, embora brote de um sonho. Na minha passarela desfilam as belas morenas, os passistas de outrora, o imenso Rei Momo, Chiquinha Gonzaga, com seu “Abre Alas”, Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola e toda a Velha Guarda da Mangueira, Adoniran Barbosa, Lamartine Babo, Ary Barroso, Carmem Miranda... e há também “o pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau”; a loirinha dos olhos claros de cristal”... “a nêga maluca”... e por aí afora, são tantos brincantes importantes... e há, ainda os carros enfeitados, o folião misterioso sob a Máscara Negra, o Arlequin desencantado, a Columbina ingrata e o alegre Pierrot e “é tanto riso, tanta alegria, mas de mil palhaços no salão”... Contudo, embora sejam belíssimas histórias, hoje não vou junto neste compasso... vão eles passando, desfilando sob uma chuva de confetes e serpentinas, bailando e cantando antigas marchinhas... desfilam ao som das maravilhosas orquestras, do delirante frevo, das barulhentas batucadas... Os sons e os ritmos se misturam, se confundem numa orgia de cores e sabores, afinal é Carnaval... Entretanto, a nostalgia não me abala e permaneço firme, sem vergar a alma e ouço apenas a voz inconfundível de Billie, que me invade os sentidos... Em tempos de Carnaval, prefiro escutar um blues... VAI, ME TOCA UM BLUES.
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RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-E O ASSUNTO AGORA É CARNAVAL?



Para Clarice

Então Clarice, o assunto agora é Carnaval? Bela lembrança...! Pena que eu não guarde nenhuma em especial dos carnavais passados, nenhuma tão delicada quanto a tua, dessa época da infância. Abro e fecho as gavetas da memória, reviro-as e nada encontro de relevante. Estudava em colégio de freiras e o Carnaval para nós era um tempo de recolhimento e oração. Entediava-me e ficava torcendo em agonia para que logo chegasse “a quarta-feira ingrata”, a quarta-feira de cinzas, quando tudo então chegava ao fim. Na quarta-feira tudo se aquietava tudo se acalmava, até a natureza, tudo se recolhia em descanso, num silêncio respeitoso. Respeito a quê? A morte da “alegria”, que era preciso acabar para que tudo voltasse ao normal. Recordo-me ainda desses dias de festas, e das vezes em que víamos alguma coisa, como os blocos de sujo, passando em plena algazarra por dentro das ruas do bairro, jogando para todos os lados confetes e serpentinas. Achava linda a chuva de confetes e as serpentinas atiradas a esmo, eram como que laços que prendiam o expectador ao folião, unidos na mesma alegria nem tão barata assim. Lança-perfumes, já por esse tempo; usava-se muito pouco devido a proibição, mas os confetes coloridos que enfeitavam as ruas e calçadas, uma vez lançados eram re-reunidos em pequenos montes e lançados com euforia pela criançada, sucedendo o mesmo às serpentinas que ficavam dependuradas em fios ou galhos de árvores, balançando ao sopro do vento, como que pedindo para serem puxadas de onde estavam enroladas novamente e atiradas a uma longa distância até por fim acabar sua curta existência. Aos bailes infantis também nunca fui e fantasias só aquelas que eu vestia em minha imaginação. Ai, Clarice em meu tempo de menina fui sedenta como tu e nessa sede insensata absorvia a energia estranha e poética que saia da vida dos outros, pois, para mim só havia a alegria dos outros (uma alegria, aliás, que eu pouco entendia) e as máscaras não me metiam medo... o que eram máscaras de brinquedo diante das máscaras que realmente recobrem nossos rostos? Aprendi muito cedo a distingui-las. Aprendi muito cedo que as pessoas e seus mistérios, encantam e desencantam, as pessoas e seus mistérios fizeram dar-me conta do meu próprio mistério que de tão escondido era insuspeito em mim. Por muitos anos Clarice, não tive em casa ninguém doente, como tiveste tu em teus dias de infância, mas mesmo assim não pulávamos Carnaval (quero dizer nós, as meninas) entretanto, meus irmãos, os dois maiores, rapazolas, corriam soltos participando de tudo quanto era jeito. Liberdade não lhes faltava nunca; fosse Carnaval ou não, mas eu não lhes tinha inveja. Tinha meu próprio mundo. Usei uma vez um vestido de papel crepom e se não me falha a memória, não foi para um baile de carnaval, mas sim para uma festa junina. Não me lembro direito do modelo, só me lembro que era vermelho. O papel me deixou toda manchada, porém nada que um bom banho não resolvesse. Tu, Clarice, te preocupavas com a tua fantasia de papel que podia desfazer-se caso uma chuva viesse a cair e eu só me preocupava com o vestido, justamente, por ser ele de papel e que podia rasgar por qualquer motivo e a qualquer momento. Eu não pensava na vergonha que sentiria se tal coisa acontecesse, eu me preocupava era com a fragilidade e a feiúra do vestido. Bem, querida, em teu recordar tinhas apenas oito anos, eu, no meu repensar, era um pouco mais velha e talvez por isso mais vaidosa; sentindo em mim, aflorarem os primeiros anseios de menina-moça, e sem saber o que fazer, não me reconhecia, era como que outra pessoa abrindo caminho à força por dentro de meu ser. Para mim Clarice, os Carnavais, até hoje, são “melancólicos”, quem sabe, seja assim por me lembrarem coisas que não vivi, e talvez tivesse gostado de viver e sobre as manhãs de Carnaval; na azáfama dos preparativos, tenho pra te dizer que um dia de travessura infantil e puro devaneio, um dia de manhã bem cedo, sai desfilando minha fantasia, minha fantasia de “louca varrida”, de sonhadora incorrigível, mas, ainda era muito cedo e todos dormiam, nem o sol havia despertado. Desfilei avenida abaixo, sem carro alegórico ou comissão de frente e para os quatro cantos, gritei minha poesia. Ninguém me jogou confetes. Ninguém me aplaudiu. Ainda era muito cedo e todos dormiam. Ninguém me ouviu. Em plena avenida, despi-me da fantasia, ficando completamente nua. Não era mais uma “louca varrida”, nem uma sonhadora incorrigível, era somente eu mesma menina-flor-mulher, em flagrante desabrochar, cândida, fresca e frágil... Ninguém me viu. Ainda era muito cedo e todos dormiam, nem o sol havia despertado. Mas posso te dizer Clarice, que a minha poesia ficou gravada na memória daquela manhã de carnaval. Das coisas que já me aconteceram, houve sempre o melhor e o pior, mas eu não acredito que o destino seja um jogo de dados irracional, não acredito nem sequer que nossa vida seja um jogo de qualquer espécie, porém, impiedosa, muitas vezes ela é, e certos fatos que nos sucedem são mesmo difíceis de superar ou sequer compreender e sinto que algo morreu em mim antes mesmo d’eu começar a viver, eu já nasci desencantada. Não quero com essa frase parecer trágica, mas é assim que me sinto. Quando alguma alegria tenta se instalar, lembro-me de todas as coisas ruins que me aconteceram e o que acontece aos outros cotidianamente e isso lança sombras escuras sobre o meu contentamento. E a alegria dos outros sempre me apavora, embora seja esta alegria compreensível e desejável, tanto para eles quanto para mim. Deve ser algum boicote, alguma sabotagem que faço a mim mesma, uma, um muro invisível que ergui para me impedir de ver ou sentir a luz do sol. Eu sou Clarice, uma rosa que ama o sol, mas que ao mesmo tempo teme o seu brilho. Ergo-me sobre este muro, esta barreira invisível e desafio a infelicidade que de forma irônica zomba de mim. Mesmo assim tento manter-me firme acima do muro, até um dia ter coragem de ir mais além. O sol amigo me diz que este muro inexistente deve sumir para sempre, pois não há felicidade sem tristeza ou vice versa. Ninguém é sempre alegre ou sempre triste, deve ser um meio-termo, algo assim entre os dois. Eu sou Clarice, hoje, uma rosa-mulher solitária ao pé de um muro invisível que há muito deixou de ser menina e que quando perdida em seus receios, se sente uma palhaça pensativa de lábios vermelhos, querendo então que algo surpreendente aconteça e de que tudo não seja apenas um sonho ou uma delirante fantasia, algo surpreendente, que traga consigo a centelha iluminada da verdade e que de repente me devolva a menina que fui um dia, menina com cheiro de rosa, com perfume e encanto de mulher.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-MANHÃ DE CARNAVAL


MANHÃ DE CARNAVAL

De manhã bem cedo, sai desfilando minha fantasia, ainda era muito cedo e todos dormiam, nem o sol havia despertado.
Desfilei avenida abaixo, sem carro alegórico ou comissão de frente e; para os quatro cantos, gritei minha poesia.
Ninguém me jogou confetes. Ninguém me aplaudiu. Ainda era muito cedo e todos dormiam. Ninguém me ouviu.
Em plena avenida, despi-me da fantasia, ficando completamente nu. Ninguém me viu.
Ainda era muito cedo e todos dormiam, nem o sol havia despertado. Mas, a minha poesia ficou gravada na memória daquela manhã de carnaval.


Do livro MORONETÁ; Crônicas Manauaras; Virgínia Allan, AEditora Valer

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

DEUS É MAIS FORTE


O pequeno Ibotity subiu num árvore, mas quando menos esperava pôs-se o vento a soprar. Fazia “vuuuuuuu, vuuuuuu...” com tanta força, pra cá, para li, pra acolá, que a árvore vergou e se partiu. Ibotity caiu e quebrou uma perna...
“Ai, ai.. que árvore forte”... disse Ibotity ...“é tão forte que quebrou minha perna”.
“Que nada, menino”... disse a árvore... mais forte do que eu é o vento, que sopra sem cessar. Deixa estar”.
Porém, o vento ouviu o que a árvore disse e, rapidamente, respondeu que mais forte do que ele era a colina que o podia parar. Então, Ibotity acreditou que a força estava na colina, uma vez que podia deter o vento que derrubara a árvore que tinha quebrado sua perna.
“Não, nada disso...” disse a colina e pôs-se a explicar como o rato era mais forte, uma vez que podia esburacá-la.
“Ah, mas eu posso ser pego e morto pelo gato”, protestou o rato. Ibotity imaginou que a força estava no gato...
“O quê? Um exagero”... disse o gato que reclamou que podia ser apanhado por uma corda.
“A corda...” pensou Ibotity... “deve ser a coisa mais forte que existe”. Mas, a corda foi logo se queixando que podia ser partida pelo ferro... portanto, o ferro era muito mais forte. O ferro ouviu e negou tal afirmação, pois ele podia ser derretido pelo fogo. Ibotity chegou a conclusão de que o fogo era poderoso, o mais forte de todos, já que derretia o ferro, que partia a corda, que prendia o gato, que caçava o rato, que esburacava a colina, que parava o vento, que fazia tremer a árvore que quebrara a sua perna. Mas o fogo contestou dizendo que a água era mais forte. A água, por sua vez disse que era a canoa que por ela deslizava mansamente. A canoa negou e disse que mais forte era a rocha, que disse, enfim, que mais forte ainda era o homem, entretanto este afirmou que, na verdade, mais forte do que ele, era o mago que passava sem nenhum dano pela prova do veneno, que era um teste de Deus. Assim, Ibotity se convenceu que Deus era mais forte que tudo, já que ele punha a prova o mago, que dominava o homem que quebrava a rocha, que derrotava a canoa, que sulcava a água, que apagava o fogo, que derretia o ferro, que partia a corda, que prendia o gato, que matava o rato, que esburacava a colina, que parava o vento, que partira a árvore que havia quebrado a sua perna...



O CAVALO MAGICO e outros contos do Oriente para crianças do Ocidente; Edições Dervish

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

ROCK, A MÚSICA QUE TOCA


Infelizmente, não estou podendo atualizar os assuntos sobre o blues. Meu notebook pifou e todas as notas estavam lá... estou meio perdido... uma mente em branco, embora não queira isto dizer que esteja totalmente sem memória... Estou lendo ROCK, A MÚSICA QUE TOCA, do escritor sempre super-antenado Simão Pessoa. Uma leitura muito aconselhável a todos os amantes de uma boa música, assim como de uma boa história. Neste livro, Simão, em cuidadosa pesquisa, reconta a história do rock, com todas as suas divisões, começando com a Country Music/Hillbilly, Blues/R&B, Rockabilly/Rock 'n' Roll e assim por diante, chegando aos dias atuais com New Age/Guitar Dance, Britpop/Crossover... com todos os seus heróis e seus altos e baixos. Longa trajetória feita de tristezas, suor, lágrimas, mas alegrias também. Quem ainda não leu, deveria ler... Aliás, o livro faz parte de uma trilogia, sendo: Rock, a música que toca; Reggae, a música que pulsa, e Funk, a música que bate, estes dois últimos com edições esgotadas e sem previsão de reedição... é isso, “quem tem, tem, quem não tem se contêm”... é o que estou tentando fazer, me conter e não ficar me lamentando por ter perdido algo que me seria agora de grande ajuda. Lançado no verão de 2004, Rock, a música que toca passou por um episódio tragicômico que se não fosse pela persistência/paciência/resignação de Simão, teria ficado, para sempre, onde fora parar, isto é, na cesta de lixo, pelo desproposito de uma secretária do lar que Simão apelidou carinhosamente de “terremoto californiano”. Sim, lá se foram os originais, mais arquivos e recortes acumulados durante anos. Nessa época pensou até em defender a pena de morte para crimes hediondos. Mas, ainda bem que ele recomeçou e nos brindou com um excelente apanhado de uma preciosa história, comum a todos... senti falta apenas das presenças femininas, que, parece-me, Simão deixou um tanto de lado... talvez não de forma proposital, talvez apenas lhe tenha passado desapercebido... principalmente no Blues... Bom, nao será a primeira vez que ele ouve uma queixa sobre algo que deixou de comentar... já lhe aconteceu, na época do lançamento da primeira edição Passei anos só na vontade de comprá-lo, porém, nunca estava muito bem de grana a ponto de fazer a despesa. Há poucos dias, “sem quê nem pra quê” isto é só um modo de dizer, pois, na verdade, tudo tem um propósito) Rock, a música que toca, veio ter em minhas mãos, e eu, como bom cristão que sou, agradeci aos céus por este grande favor, embora, às vezes, lá no fundo, desconfie, que, tudo tenha sido mesmo obra e graça do demônio...

domingo, 15 de fevereiro de 2009

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-EGOTRIP



EGOTRIP

Sem toques ou retoques... amanheci cinzento, com gosto amargo na boca... não estou disposto... um gato cruza o meu caminho... ainda bem que ele não é preto; ainda bem que eu não sou supersticioso... quem sabe as horas? Mergulho em uma “egotrip” e me desconecto de tudo... procuro refúgio do mundo por dentro de mim... por dentro de mim eu não me sôo ridículo nem absurdo... por dentro de mim sou eu mesmo, aonde mexo e remexo, me viro do avesso... faço uma canção... caio em contradição... descomplico o complicado... desfaço o errado, o malfeito... por dentro de mim mesmo sou perfeito ou puro exagero... às vezes amo demais... às vezes amo de menos... às vezes amo a quem não deveria amar... às vezes amo a quem deveria... aí estou no lugar certo, com a pessoa certa, na hora certa... mas isso é tão raro, vocês sabem... é mais fácil um raio cair duas vezes no mesmo lugar... deixa como está... pra quê mudar?... Olha quem vem lá... vem tão devagar... nem dá para notar que está de azul... há sempre um blues a esperar... que é que há? Um suspiro de alivio... uma noitada no inferno devorou meu coração... de antemão o demônio me avisou... eu, como sempre o ignorei, pois é bom ceder a tentação, pouco importa o tamanho do pecado... mais tarde o preço cobrado nos prega um susto danado... aí, pra nos desculpar culpamos a fatalidade e o pobre do diabo, coitado... quantas cores mesmo tem o arco-íris? Qual a distância da terra ao céu? Quem ama quem me ama? Um objeto não identificado corta o espaço e minha canção pra ela nem está pronta... outro suspiro... entediado... me recomponho... pego aqui e ali, meu eu desconjuntado... aos pedaços... chove a cântaros... chove chuva sem parar...

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

CHUCK, CHUK...


E lá estava o rapaz, na mesma esquina, encostado à parede, a fazer ignotas rimas. Cantava ele uma canção antiga, e de sua guitarra arrancava as notas azuis e melancólicas de um blues...

CHUCK, CHUCK...

Chuck queria ser famoso
Chuck queria ganhar o mundo

Pegou a guitarra no quarto
E pela fresta estreita da porta
Deu uma espiada lá fora...

Nossa, que desassossego
Nossa, que confusão, mas, aí, meu irmão
Chuck aproveitou a ocasião
Tirou um riff de sua guitarra
E o mundo endoidou desde então

Chuck tocou e cantou um blues invocado
E deu asas ao diabo
Num instante, Chuck, voou
Virou o pai do rock ‘n’ roll

E tocando a guitarra adoidado
Chuck comprou um carro
Comprou uma mansão
E com os trocados que sobraram
Comprou um avião

Chuck ficou famoso
Era dono do mundo

Tinha muitas garotas
Uma diferente pra cada dia
Virava a noite perdia o dia
E fazia o que queria

Mas fama garotas e grana
Não consolaram sua solidão
E as noites silenciosas
Doíam-lhe no coração

Chuck era famoso
Era dono do mundo

Mas agora que tinha tudo
Só a guitarra lhe bastava
O mundo lá fora o esperava
Chuck, porém, nem ligava

Chuck sorriu
Chuck chorou
Chuck bebeu
Chuck fumou
Chuck bateu
Chuck apanhou

Chuck pensou que fosse fácil
Mas perdeu a hora
Pensou que fosse tarde
Ainda dava tempo de ir embora?

Chuck pegou a guitarra no quarto
E largou sua mansão
Chuck vendeu o carro
E tomou o avião
Voou de volta para casa
Despido de ilusão

Chuck era famoso
Era dono do mundo

Mas tudo o que queria agora
Era chegar em casa
E espiar a vida lá fora
Pela fresta estreita da porta

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-MAIS QUE UM DIA NUBLADO...


MAIS QUE UM DIA NUBLADO...



Há mais que chuva e frio em um tempo nublado... De vez em quando um raiozinho de sol escapa pelo furo de uma nuvem cinzenta e carrancuda... um presente para alguém hoje distraído como eu... Ando mais depressa... e, como sempre, na pressa, nem reparo na singeleza dos detalhes que todo dia me escapam, faça chuva ou faça sol... Alguns dizem que "Deus está nos detalhes"... Talvez seja verdade... Bom, cá estou eu a me repetir...“Oh, Lord! Save me”... Há perigo em cada esquina; você nunca sabe se hoje será ou não o seu último dia, pois esse pensamento nem ousamos pensar, já que, medo há só de soletrar a palavra morte, que dirá pensar nela todo dia, e, sem pensar, você passa, incauto, diante do perigo ou então vai direto de encontro a ele... “Há perigo na oportunidade?” ou “Há oportunidade no perigo?” Depende da situação; para alguns, ambas as frases significam a mesma coisa e para outros “nem todo igual é semelhante”... para mim, quase tudo que me é desconhecido é perigoso e nem sempre vejo nisso oportunidades escondidas... talvez não saiba avaliar bem as situações, guio-me muito pela intuição, portanto, se um olhar ou um timbre de voz me provocarem arrepios, ou, melhor dizendo, para que nada fique subentendido, “calafrios”, trato de “arrepiar carreira”... talvez haja mesmo uma oportunidade... para o outro do olhar sombrio e voz melíflua e suas obscuras intenções... Às vezes, há mesmo mais que chuva e frio em um tempo nublado... às vezes há um calor abafado e uma espécie de torpor... há impaciências revestidas de incertezas... há mesmo um certo temor de que o sol nunca mais apareça... Claro... sei que há o lado bom e feliz de um dia nublado, não precisam me lembrar e que, para mim, pode ser traduzido, ou musicado, como um cantinho de solidão e paixão, no longínquo e profundo vale pensamento, um cantinho reservado no oco do mundo de mim mesmo, onde não há vez para angústias que nunca se vão; um cantinho particular onde a música possui sabor e cor, um cantinho limpo, puro, onde a alma se alimenta, enquanto o coração descansa...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA-DESPEDIDA


DESPEDIDA

Havia flores espalhadas pelo chão
O portão, velho e enferrujado, pendia de lado

Evidente era o abandono
Evidente era a solidão

Desconfiado, o vizinho olhava-me, de soslaio
Mesmo assim, inclinou a cabeça, em singela saudação

Continuei minha inspeção...

Dentro da casa tudo estava como antes
Faltava apenas o calor humano a recepcionar o visitante
Ninguém...

Havia uma saudade impregnada nas paredes
De onde agora pendiam somente quadros
Flores ressequidas nos pequenos vasos e uma velha cortina
a balouçar ao vento

Embora triste, precisava vir me despedir
O passado ainda era ferida aberta, doída, no coração
Mas evidente era o abandono
Evidente era a solidão

Assustou-me a aparente calma
E o negro buraco percebido a tempo
Vozes, do nada, me assaltaram
Sai abruptamente...

Apressada, pisei as flores
Quase pus abaixo o portão...
Mandei um aceno mecânico para o vizinho que me olhara de soslaio
Fui embora pra não mais voltar...


Parei de chorar...
O tempo passa e com ele nossos desenganos

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...