Um corvo, um cobre

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sábado, 12 de abril de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA



DUAS HISTÓRIAS DE ASSOMBRAÇÃO

 
Fantasmas, assombrações, encantados. Quem é que não tem uma história para contar?
Eu, particula
Frmente, não acredito, porque vê, nunca vi. Nesses casos, sou igual a São Tomé. Mas, meu pai, minha mãe e outros membros de minha família tiveram alguns contatos com o incompreensível.
Comecemos, pois, por meu pai, que nunca cansava de contar-nos as diabruras aprontadas pelo primeiro marido de minha avó.
Nascido e criado no município de Santa Isabel do Rio Negro, papai era muito amigo de causos mirabolantes e se ao contá-los percebesse no ar qualquer sinal de incredulidade, jurava de pé junto que nem tudo era mentira.
Minha avó, que atendia pela alcunha de Branca (Eleutéria, seu nome de batismo, que ela, com toda razão, detestava) enviuvara cedo.
Mulher arrogante; autoritária, possuía algum dinheiro, herança de Casemiro, o pobre coitado que havia passado dessa para melhor.
Com um toque de maldade, (sei que não é de bom tom falar mal dos mortos, mas, olvidemos um instante este detalhe), em se tratando de Casemiro, passou mesmo pra melhor, chegou aos meus ouvidos que os mandos e desmandos de vovó eram terríveis! Suportá-la, deveria ser uma provação, um castigo, por um pecado cometido ao longo do caminho, e que agora exigia expiação.
Fato é que coisas estranhas começaram a acontecer na casa de minha avó. Louças voavam, objetos sumiam, nem as crianças escapavam; levavam sovas quando, pensando que ninguém estava vendo, preparavam alguma travessura. Aliás, no início, elas é que levaram a culpa pelas louças quebradas e os objetos sumidos. Levavam sovas dos vivos e também dos mortos (aqui, no caso, do morto). Tentavam se defender, dizendo que era tudo culpa de Casemiro, mas não adiantava, e tome sova, ouvindo repetidamente, que era feio mentir, e ainda por cima culpar os mortos. Quem morre, morreu, não volta, e tome sova. Coitados.
Vovó começou a lhes dar razão quando os empregados, reunidos na roça conversavam animadamente. Nisso, um deles contou uma piada, mas ao pararem de rir, uma risada continuou, alta, sarcástica e bem-humorada. Não tiveram dúvidas, era mesmo Casemiro metendo bedelho em assunto de vivo.
Na casa, ai daquele que fosse se sentar à cabeceira da mesa. Todo dia, na hora do almoço, lá estava prato, copo e talher, do jeitinho que era antes. Olhe, foi tanta aporrinhação, ninguém agüentava mais. Não se conseguia esconjurar o fantasma e mandá-lo de volta pro breu de onde veio.
Entretanto, minha avó, sangue quente de espanhol que, estranhamente, não havia sido molestada, resolveu acabar com aquilo. A gota d'água se deu no comércio, quando ela, muito distraída, fazia o balanço do dia. Suavemente, sentiu algo lhe subir nas pernas e parar em lugar proibido. Ah! Pra quê, só podia ser artes do safado, que nem morto sossegava de suas safadezas. Desta vez, haveria de voltar, por bem ou por mal, pros quintos dos infernos, de onde nunca deveria ter saído. Disposta, foi até em casa e pegou uma espingarda de grosso calibre e saiu atirando. Correria geral. Branca, quando se enfezava, sei não, melhor sair da frente.
O fantasma, eu não sei se, a principio, intimidado, se aquietou, mas quando viu o trabuco virar pro seu lado, mesmo morto, apavorou-se; apavorou-se tanto que na hora de sumir, deixou o relógio cair. Minha avó, que possuía um raciocínio rápido e frio, associou logo o relógio à aparição, e naquela noite mesmo, fez desenterrarem o defunto e enrolando o relógio, muito bem enrolado, num pano liso e fino, meteu-lhe no bolso da roupa carcomida, devolvendo-o depois à sepultura. Posso afirmar, dizia meu pai, embora nessa época não fosse nem nascido, que dessa noite em diante, nunca mais o assombroso apareceu.


*********

Agora, quero falar de minha mãe, que tal qual meu pai passou muito tempo, escondida nos matos.
Conta-se que meu avô, cabra macho da Paraíba, sumiu de casa aos dezesseis anos, vindo parar aqui, neste fim de mundo. Isso faz muito tempo, e ninguém se zangará se repetir que aqui era ''um fim de mundo''. Expressão engraçada, mas, menina ainda minha mãe, ela achava mesmo que aqui era o fim. Sempre metida por dentro dos matos, carregando quilos de piaçava
1 nas costas, fizesse chuva, fizesse sol; estivesse boa, estivesse doente. Vida dura, sofrida, de gente com apenas o pirão de farinha e peixe para comer.
Moravam nas cabeceiras do rio Ipixuna onde, pra se encontrar um vizinho, haja chão pra percorrer, e minha mãe, menina ainda, tinha toda razão em acreditar que aqui só podia ser um ''fim de mundo''. Quando não estava ocupada carregando piaçava, ficava cuidando dos irmãos menores, que meu avô, cabra macho da peste, tratou de providenciar. Sozinha menina ainda, com tantos afazeres, chegava a chorar de tanta solidão.
Vovô poderia ter enricado e prover assim um futuro melhor para sua família, mas era daqueles que não ligava contente por ter um prato de pirão de peixe e uma rede armada no jirau. Era um cabra da peste, daqueles que achavam que mulher havia nascido para ser escrava, melhor dizendo, burro de carga, sem vida pra viver, sem sonhos pra sonhar.
Para os outros, era um deus benfazejo. Seria capaz de dar a roupa do corpo, ou o último alimento da família ao ''necessitado''. Era o melhor amigo do regatão
2, e nem por isso, por causa de uma briguinha besta, escapou de ser quase assassinado pelo dito amigo.
O regatão, “amigo da onça”, isto sim, era um homem ruim, tão ruim que um dia, ao anunciarem-lhe a morte de um dos pescadores, desabou num choro convulsivo. Preocupados e admirados; os outros lhe consolaram, dizendo que se soubessem que tinha tanta estima pelo fulano, teriam tido mais cuidado ao lhe darem a funesta notícia.
O homem enxugou os olhos na manga amarelada da camisa e muito zangado, disse: ”Ora, e eu estou lá incomodado porque fulano morreu... O que me deixa passado, na verdade, é o fato do desgraçado, que me devia dinheiro, ter morrido sem me dar sequer um tostão. Se soubesse que seria assim, teria lhe despachado antes”.
Mas nada disso animava vovô a arredar os pés dali. Ele somente concordou após um fato, que por mais cabeça dura que fosse, foi forçado a se render.
Eis aqui o ocorrido: Já disse que, naqueles tempos, perdidos no ''fim de mundo'', para se achar um vizinho, devia-se percorrer, léguas e léguas de mata fechada, enfrentando escuros e os perigos do caminho; ou então, pegar a canoa e sair remando rio afora, até chegar no próximo vilarejo. Também já disse que moravam nas cabeceiras do rio Ipixuna, na mais completa solidão.
Um dia, minha mãe, sozinha (como sempre), lavando roupa na beira do rio, no meio do dia, deu em cheio com uma assombração, solenemente pairando acima das águas. Levantou os olhos devagar, e foi subindo, o corpo todo se acabando em tremedeira, o arrepio correndo a espinha. O fantasma não surgiu inteiro, podia-se ver apenas da cintura para baixo, mas era mulher e usava um vestido (ou saia) verde, e não demorou a pedir um favor.
“Ouça, minha filha, ouça com muita atenção. É do favor que me farás que obterei meu descanso eterno, não precisando mais importunar o mundo dos vivos. Guardo um segredo que me consome e preciso revelá-lo. Chamo-me Ana e moro pros lados do Matupiri. Hoje está fazendo um mês de meu falecimento. Há alguns anos atrás, roubei um São Benedito do oratório de minha irmã. A coitada sofreu tanto com o sumiço da relíquia! Aquele santo escurinho só lhe dava alegrias. Peço que o devolvas e desculpe-se por mim, implore que me perdoe. O santo está num nicho, aberto na parede, atrás do velho armário da cozinha. Vamos, prometa que vai me ajudar”...
Mamãe ouviu, prometeu e correu. Medo do que não se conhece, todo mundo tem.
Contou sua história, porém, vovô não acreditou e teria ficado por isso se minha avó, impressionada pelo relato, não tivesse se amofinado. Ficou tão doente, que o marido, foi constatar se era ou não verdade. Pegou sua canoa e rumou para o Matupiri. É não é que era realidade real e verdadeira! Encontrou o viúvo da assombração, que confirmou que dona Ana falecera há mais de um mês e foi enterrada com seu melhor vestido; um vestido verde; de bom caimento, que só usava aos domingos. Acorreram à cozinha e empurraram o armário; lá estava, dentro de um nicho aberto na parede, a imagem do santo.
Acontece que a irmã de dona Ana morava na capital, e meu avô ainda relutou em cumprir o prometido. Então minha avó continuou, dia a dia, amofinando. Não teve outro meio e com palavra dada não se brinca. Era sina da família teriam que cumprir. Assim, vieram para Manaus e minha mãe, fez o que devia ser feito. Aos pés de São Benedito, a irmã de dona Ana acendeu uma vela, para que iluminasse a passagem da alma recém-libertada. Mamãe nunca mais viu nada; vovó curou-se e vovô aprendeu uma lição.




1 piaçava ou piaçaba: palmeira de fibras usada em vassouras.
2 regatão: Aquele que regateia. Indivíduo que percorria os rios da Amazônia trocando ou regateando mercadorias. 

Do livro MORONETÁ; Crônicas Manauaras; Eidtora Valer

CANÇÃO NO ESCURO


Tempos outrora, o cego, na esquina da rua, cantava acompanhado da viola. Ao seu lado, deixava o chapéu surrado, para receber os trocados de alguma alma piedosa.

E eu, tal como o cego tocador de viola, também canto uma canção no escuro, que distrai meus pensamentos de antigas recordações. E sem chapéu surrado ou acompanhamento, me vejo pedindo esmolas do impiedoso tempo.











quarta-feira, 9 de abril de 2008




A word is dead
When it is said
Some say
I say it just
Begins to live
Taht day

(Emily Dickinson)

*****

A palavra morre
Assim que é proferida
Disse alguém com sabedoria
Digo eu apenas
Que a palavra uma vez proferida
Começa a viver a partir desse dia.

(Virgínia Allan)

terça-feira, 8 de abril de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA



Segundo os índios Kamayurá, Moronetá é toda forma de explanação verbal ou narrativa, mas que pode ser também visual. Moronetá é como o espelho, refletindo uma realidade de uma outra ordem, diferente daquela na qual julgamos viver.

*****

Escuta piá [1], a estória que vou contar. Há muito tempo eu queria fazer isso, mas tu não me davas ouvidos. Sempre entretido com a televisão, com os videogames ou com o computador. Hoje, que consegui te pegar num instante de devaneio, aproveitarei. Vem cá esquece um pouco estes teus amigos e senta aqui comigo no jupá [2]. A janela está aberta e assim poderemos apreciar a paisagem.
Em que pensavas antes de eu chegar? Estavas triste? Por que, piá?
Não ouves mais o canto da cigarra? É! Também eu, aqui, já não a escuto. Só quando penetro nos confins da floresta. Mas, se serve de consolo, ainda se ouve o cricrilar dos grilos e o coaxar dos sapos.
É noite! Lá fora, o vento passa sussurrando antigos segredos. Estava tão ansiosa para te contar a história que agora nem sei por onde começar.


MORONETÁ


Num tempo sem tempo, ainda na aurora do mundo, um curumim [3] vagava perdido pela floresta.
Depois de muito andar, chegou, por fim às margens de um lago, onde se sentou para descansar e matar a sede, mas, ao inclinar-se...''erê!'' [4] Assustou-se. Havia um outro menino dentro do lago. ''Como ser isso?’’ Pensou. Recuou, desconfiado. Mas, a sede era tanta que resolveu aproximar-se novamente. Devagar, inclinou-se, e só então percebeu que era ele mesmo refletido nas águas calmas.
O curumim, de assustado, passou a apreensivo. Nunca vira nada parecido, pois na taba onde morava a fonte possuía água escura como a noite.
''Kaáguara [5] brinca comigo. Roubou minh’alma e deu para os espíritos das águas.''
E foi assim que, tratando de recuperá-la, mergulhou no lago, transformando-se no mesmo instante, num pequeno e colorido pirá [6].
O peixinho nadava solitário e sempre subia à superfície, tentando, aos saltos, alcançar às suas margens. Nem sabia direito porque fazia aquilo, mas algo o impelia a fazê-lo. De dentro do lago olhava, com olhos tristes; para um estreito caminho que lhe parecia tão conhecido, porém, não demorava muito cuidando do assunto; logo mergulhava de volta e recomeçava a nadar, pra lá e pra cá, pra cá e pra lá...
Uma tarde, porém, em que jasytatá uasú [7] surgia linda e brilhante no céu, o peixinho conseguiu lançar-se para fora do lago e, no mesmo instante, voltou a ser menino. Olhou ao redor, procurando o estreito caminho que agora sabia estar escondido entre as árvores. O peixe esquecera que na verdade, ele era um menino, mas o menino não esqueceria jamais, que um dia, havia sido um peixe e graças a esse estranho fato encontrara o caminho de retorno.
Teria uma estória para contar ao redor da fogueira, naquelas noites vazias em que os velhos esperam a morte chegar. As crianças a ouviriam, e depois a contariam aos seus filhos, que, por sua vez, a contariam para os filhos de seus filhos que...
''Certa noite de lua, o nosso vovô, o valente guerreiro Curumim, mergulhou num lago de águas mágicas e virou um enorme pirá. Tão grande tão grande era o nosso avô, que virou rei!''
E o menino seguiu contente caminho afora, direto para casa, rumo à Grande Aldeia das Aves de Penas Brancas.


*****

[1] piá: criança
[2] jupá: esteira
[3] curumim, colomi ou coromim: menino, rapazola.
[4] erê: interjeição que exprime espanto, surpresa, alegria ou mofa. Usual entre os índios e caboclos da Amazônia
[5] Kaaguara: Habitante do mato. Espirito do mal que constantemente prejudica os índios em seus afazeres.
[6] pirá: peixe
[7] jasytatá uasú: estrela grande. A grande estrela da manhã e da tarde.






Do livro MORONETÁ; Crônicas Manauaras; Editora Valer

segunda-feira, 7 de abril de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA


Cidade quente! O sol castiga sem piedade.
As idéias e as vontades ardem num fogo invisível, junto com os meus miolos.

(V. A)

DEPOIMENTO NATIVO

por André Gomes

Porra; porra; porraaa...
Estou perdido e com calor filho da puta, mas quando desço a ladeira,
ao longe vejo o rio; longe do meu corpo para me refrescar,
a carcaça e o crânio resfriar a agonia do nativo
massacrado pelo calor.
Porra; porra; porraaa...
Calor que desequilibra; adormece; queima e mata a vontade
de seguir em frente.
Calor; uma desculpa.
Mostra tua face, irresponsável; ruim mesmo, de nascença;
preguiçoso, desequilibrado; falta de vitamina quando criança;
louco; fraco; medroso;sem-vergonha...
Revela-te!


domingo, 6 de abril de 2008

CHAMADO ATENDIDO


A ninguém nada direi...
Silêncio!

CHAMADO ATENDIDO

Foi assim que aconteceu.
Numa bela tarde de sol, D. Morte dava sua costumeira volta ao mundo, quando subitamente ouviu alguém chamá-la das profundezas de seu desespero. Ficou um pouco atrapalhada. Além de detestar esses chamados fora de hora, (este sujeito não era único descontente da vida), havia resolvido naquele dia não atender a nenhum suicida. Por causa deles negligenciara as prioridades e D. Morte, sendo politicamente correta, pensava em obedecer rigidamente o esquema de trabalho estabelecido pelo Grande Senhor desde o princípio dos tempos.
Assim, tapou os ouvidos e seguiu um pouco emburrada o seu caminho. Mas tal esforço não lhe caia bem, pois D. Morte sofria de alguma espécie de transtorno que a impedia de deixar qualquer assunto inacabado e depois o chamado se fazia tão insistente que apesar de sua decisão, não resistiu à compulsão de dar ao menos uma espiada no infeliz, que num momento de pura insanidade, desejava encontrá-la urgentemente.
Finalmente, chegou ao local determinado e percebeu que precisava cumprir a tarefa para a qual fora designada. Era isso que dela esperava O Grande Senhor de todas as vontades. D. Morte soube, ali, naquele instante, que não cabia a ela, e, diga-se de passagem, a mais ninguém; nem ao dito celerado, movido a desespero, a decisão final de viver ou de morrer. Somente Ele possuía tal poder e a decisão já havia sido tomada.
D. Morte, sempre pronta a fazer o seu trabalho, acolheu então em seus braços o pobre desesperado.
Lá fora fazia uma bela tarde de sol.
O jovem suicida deixou mulher e duas filhas. Para elas, a tarde tornou-se cinza.




sábado, 5 de abril de 2008

UM TOQUE A MAIS...



Quando ele tocava, o dia ficava menos triste; tudo se enchia de música, e ele era todo contentamento.
O inferno transmudava-se em paraíso, e a esperança; débil e enganoso sentimento, como principal convidada, adentrava a casa e, educadamente, sorria para todos.
O sol, penetrando pela janela aberta, as sombras dissipava e sobre o adorável músico estendia seu manto de luz.
Inesquecível!
A partitura de Autumn Leaves sempre ao alcance: perto do maço de cigarros e do copo de água.
O rock e o blues na cabeça e no coração; o jazz na palma da mão; o funk e o soul saltando, no ágil dedilhar das cordas do instrumento.
Agora, o baixo e o violão, encostados em um canto, aguardam o retorno de quem não mais irá retornar.
A casa está vazia; apagaram-se as luzes, mas Eu sei que vou te amar, solfejado, ainda ecoa em meus ouvidos.
O legado que deixou é feito de música; paz e amor, mas, a saudade e a dor são as partes que me tocam.



Do livro  RÉQUIEM; Virgínia Allan; Editora Scortecci

sexta-feira, 4 de abril de 2008

OS MEUS, OS SEUS, OS NOSSOS SABERES E O DIA DE AMANHÃ

“Amor, dedicação, aprender e doar, o outro olhar, cura coração”. *

E eu na contra-mão procuro uma indicação do rumo certo a tomar. Solução...?! Decisão solitária de um coração abalado por peripécias sofridas das vicissitudes da vida. 

Nasce em mim o sentimento, de que não existe pior tormento do que aquele de manter-se indeciso, e, entre o sul e o norte, passeia a minha sorte, enquanto espero amargurado, que o céu, por mim, faça o trabalho.

Seria um alívio, a remissão total de um coração maltratado, escolher um caminho e por ele seguir sossegado, eu, cavaleiro andante, errante, ferido em minha dor, aprendiz do amor, peço, com a alma em oração, o poder de doar, a outro, o olhar que cura coração.





*frase de Pedro Armando Furtado Volkmann

quarta-feira, 2 de abril de 2008

RAMONES FOR KIDS

Não faz muito tempo fui a um aniversário de criança e, lá, um garoto charmoso e cabeludinho, usando com orgulho uma blusa preta, com o nome da banda The Clash, para meu prazer, deu-me uma overdose de Ramones... Ramones na veia, embora diluído, posto que era a versão RAMONES FOR KIDS, mesmo assim fez um baita efeito. De repente, vi-me de volta ao “túnel do tempo”, quando eu ainda em plena contestação juvenil fui atraída pelo movimento punk. Imaginem, cheguei a andar de coturno e cabelo pintado e espetado, quase beirando ao radicalismo dos “carecas”.. mas esta é outra história... Aliás, voltando ao assunto, a música sempre foi muito presente em minha vida, desde pequena. 

Na adolescência, vivenciando um pouco a “rebeldia sem causa”, mergulhei em sons e ritmos mais pensados / pesados, na tentativa de descarregar a raiva e a frustração interior. É que por baixo de minha aparência calma e tranquilizadora, era eu uma bomba; prestes a explodir, igual a qualquer adolescente, sem tirar nem por, e, nesse conturbado período da existência pelo qual todos nós passamos, nos perdendo e nos encontrando, tudo o que acontecia a nossa volta servia como pretexto, fonte de protesto e indignação, sendo o homem, como sempre, o alvo de toda essa marcação.

Há mais de um ano tenho mantido certa distância da música, desde a morte de meu marido, que era músico e tinha paixão por seu instrumento, o contrabaixo elétrico, e, só agora, lentamente, é que estou retornando a essa maneira maravilhosa de dar vida aos sentimentos. 

Pois é... Mas enquanto cantava, ou melhor, sussurrava, “I wanna be your boyfriend”, “Sheena is a punk rock” e outras, tendo ao fundo o coro infantil, ia pensando a quantas anda o mundo e me deu uma profunda tristeza, mas também um pouco de felicidade e satisfação. 

Lembrei-me com saudade desse tempo que já ficou pra trás e dessa gente que fez parte de minha vida e que nos dias de hoje pouco tenho visto ou tido noticias. 

Sou saudosista? Sou sim, e muitos de meus textos giram em torno de recordações, do que é “isto ou aquilo” ou do assim é, mas bem que poderia ter sido... Pura recordação e saudosismo de um tempo em que a vontade de mudar, realizar o novo, era um imperativo. Porém, “como é comum de acontecer entre os homens” com tudo a gente se acostuma. Acostuma-se com as presenças e com as ausências, com o claro e com o escuro... E, muitas vezes, num ato de extrema e humilhante submissão, porque estamos “acostumados”, calamos a voz, baixamos a cabeça e os braços e depomos as armas, mas se fazemos isso, com relativa facilidade é porque não estamos acostumados, ainda, a ir à luta. Entretanto, a meu ver, o ontem não é melhor do que o hoje; só que hoje podemos acabar com tudo num abrir e piscar de olhos. Temos saudade de uma época que achamos que era melhor por termos saudade, na verdade, é de nós mesmos e de nossa capacidade de se indignar, de brigar, temos saudade de pensar que poderíamos fazer a diferença e revolucionar o mundo. Fizemos diferença, sim, mudamos muita coisa sim, mas a vida é um processo ininterrupto e enquanto dormimos, enquanto comemos, enquanto nos divertimos, enquanto envelhecemos tanta coisa continua a acontecer por aí, coisas boas e ruins. 

Dizem que a desgraça e a alegria estão harmoniosamente espalhadas entre nós e assim vamos vivendo... até quando e até onde? Não sei, não sabemos... Conscientemente, o homem tem evoluído mas, às vezes me pergunto se haverá tempo para uma remissão, se haverá tempo de salvar-nos e dessa forma salvar a Terra, que, enquanto aqui estamos é o nosso lar e lar será dos que depois de nós haverão de vir, quer isto dizer que estamos todos em um mesmo barco, infelizmente, capitaneado por mentes sombrias e mesquinhas, é preciso então que nos juntemos e realizemos um motim, onde cada um possa empunhar a arma que melhor souber manejar. 

Nos tempos atuais é necessário, não só aos jovens, mas a nós, ao homem, como um todo, que possamos ir além de idealismos e estados de utopia, é preciso que possamos ir além de nós mesmos com a mesma garra e raiva com que pensamos, outrora, provocar uma revolução. Nossa meta deveria ser sempre para o alto, porém, certamente nada nos protegerá de nossa própria estupidez e estúpidos temos sido já há um longo tempo.

Creio eu que é preciso haver progressos, mudanças e nesse caminhar da raça humana, muito ainda se perderá, muito ainda ficará para trás, as coisas são como são, mas nessa caminhada podemos construir, buscar um ponto de apoio, um “porto seguro” dentro e fora de nós. 

Gosto de imaginar; acredito mesmo nisso, que a aventura humana sobre a Terra não é em vão e quando chegar a hora e tudo aqui tiver que deixarmos, depois de termos descoberto quem ou o quê; somos, e tivermos feito do melhor modo a nossa parte, iremos ter ao lugar onde todas as almas, centelhas de luz, retornam, ao lugar de origem, de volta ao Grande Sol, um sol enorme, que brilha e ilumina todo esse vasto Universo. Acredito, creio mesmo que há perdão para tudo, para todos e para todas as coisas. Acredito, creio mesmo que o sofrimento, muitas vezes desnecessário, não é inútil. Não podemos, e talvez jamais possamos entender certas coisas que nos acontecem, todavia é-nos necessário seguir e completar a jornada que nos foi confiada. Em relação a esta parte, a raiva contida dos meus tempos de adolescente tem me ajudado a sobreviver e vou tentando reter o temor e o desassossego em meu coração de um futuro incerto para que minhas filhas, e outros, em meu entorno, possam acreditar que tudo há de melhorar. E para cada criança abandonada, molestada, assassinada, haverá o dobro de crianças felizes e satisfeitas. Para cada ser perseguido, roubado, caluniado, haverá o dobro em prosperidade, confiança e justiça. Beijo minhas filhas com a esperança de que tudo isso seja possível. Que a ilusão não seja o alimento preparado e servido para os que esperam e trabalham por uma boa e nutritiva refeição.

Sobre o ato de recordar, li certa vez um artigo, cuja intenção ou propósito foge-me a memória, (perdoem-me aqueles que o conhecem se aqui cometo alguma ignorância em relação a este assunto, pois o tal artigo já o li faz tempo) em que o autor afirmava que todo saudosista é um necrofilo já que vive; nutre-se de coisas mortas. Não concordo. Recordar é preciso. Recordar nos ajuda a manter-nos sãos e vivos. Recordar ajuda-nos a lembrar de nós; de quem ou o quê somos e por que estamos aqui. Viver na recordação, fazer disso a base de sua sustentação é que não é necessário, como bem dizia o poeta Fernando Pessoa: Navegar é preciso, viver não é preciso, pois a vida não possui precisão, exatidão, muda a todo instante... O segredo é o equilíbrio. Para mim, necrofilia, morbidez é não recordar, como se isso fosse possível, e numa espécie de autofagia, digerir-se a si mesmo, culpando a Deus e o mundo por isto ter lhe acontecido. Ah, querem saber, me desculpem o palavrório... todo esse discurso só porque ouvi Ramones em versão infantil... RAMONES FOR KIDS...

segunda-feira, 31 de março de 2008

PERDAS NECESSÁRIAS?!...



Melancólico abril, molhado de chuva!

*

Retire-se de meu coração, estás a me perturbar. 

*

Dizem que o lar de um homem é onde está seu coração, mas onde está meu coração. Já não sei...

*

Diz um ditado que "se Mohammed não vai à montanha, a montanha vai a Mohammed". Sei que muitos não tem tempo de parar e fazer uma leitura, e, eu, por minha vez, tomo por veículo a Internet para chegar mais perto ao público leitor, mesmo que nem sempre os resultados dessa expedição sejam satisfatórios. Mas, no que depender de mim, persistirei/insistirei nesta aproximação, que, apesar dos pesares, é extremamente valiosa. Abril, melancólico e chuvoso, começa amanhã, abrindo o mês, o famigerado"dia da mentira". Quisera eu que tudo o que me aconteceu neste mês, há quase exatos dois anos, não tivesse mesmo passado de uma grande peça, uma farsa descarada do destino, aonde o choro compulsivo, de repente, se transformasse em riso... meu "Abril despedaçado"... Próximo está o aniversário de morte de alguém que muito amei e que muitos no meio musical de minha cidade conheceram... e de certa maneira, pensem o que quiserem, porém, uma das coisas que movem um escritor é justamente a tentativa de clarear suas idéias, e, assim, as idéias de outros... é também uma tentativa de entender o porquê de certas ações praticadas pelos seres humanos... talvez, tal entendimento seja impossível, mas "buscar o impossível nos ajuda a conseguir aquilo que é possível".

Vou falar de perdas... Perdas são necessárias quase sempre, sabemos disso... Estamos sempre ganhando ou perdendo algo, seria o que diriam alguns, a “lei da compensação”, se é que isso existe. 

Pra se ganhar, se deve perder... o quê?... Eis a questão, pois hão de concordar que há perdas irreparáveis... Ao longo da vida, vamos deixando/perdendo/encontrando “coisas’ pelo caminho, é incrível o que vamos deixando/perdendo/encontrando/arrastando ao longo de nossa jornada... Falo “coisas” no sentido mundano, de objetos materiais, mas, também no sentido geral, como sentimentos e pessoas, tanto no sentido figurado quanto no literal... Pois há quem, literalmente, perca até gente, ou porque foram negligentes e se esqueceram de que havia alguém seu, dependente, à espera em algum lugar, ou seja, então, porque, por um momento de desatenção, fica, a partir daí, com toda sua vida pendente, presa a um ansiado desenlace do “o que foi que aconteceu?”, ou ainda, porque alguém que saiu pra “comprar um cigarro”, um doce, um pão... e pronto... nunca mais foi visto. Há quem suma por vontade própria, há quem seja levado, sequestrado do seu ambiente familiar por alguma causa obscura, mas, seja lá de que forma for, para mim não há nada mais terrível, nem a morte, do que um súbito desaparecimento (embora coloque os suicídios, os assassinatos e os genocídios no mesmo grau de terror e incompreensão) esse deve ser o pior/maior dos castigos, sejamos nós merecedores ou não de tal punição. Não existe consolo para esse tipo de dor.

Nada acontece por acaso, dizem alguns, dizem que tudo o que nos acontece tem suas razões... Talvez... penso que sim... Achei que podia terminar este artigo sem sofrimento, mas, na verdade, não posso... faço parte de milhões de seres no planeta que passaram por este tipo de dor e constrangimento. Conto, já disse, o suicídio como um desaparecimento súbito, o meu “ente querido” não desapareceu porque quis, nem foi levado por estranhos, porém, deu cabo de si mesmo, tirou a própria vida num momento de desatino. Aos que passam por isso, aos que recebem essa cota de infelicidade que a vida traz, que tenho a dizer? Nada... achei que teria... até por mim mesma, achei que teria e poderia citar milhões de exemplos, contar centenas de causos, escrever mil e uma histórias... mas, em meio ao artigo, percebi que não adiantaria...“Nada é para sempre”...nem a dor... a frase me recorda a mandala tibetana... uma linda e imensa mandala construída com grãos de areia fina e colorida que é destruída tão logo fica pronta... Eu sei que as dores, embora parecidas, não são as mesmas e eu rezo a Deus todo dia, pedindo para que isso não mais me aconteça; rezo a Deus todo dia, pedindo consolo para os que não conseguem se consolar de suas perdas. Acho que o melhor remédio para nós e nossos males, senão a cura pelo menos um meio de amenizá-los, é nos engajarmos pra valer na vida cotidiana, indo a fundo, nos interessando pelo que está acontecendo ao nosso redor, estando no mundo, mas, sem, contudo, a ele pertencermos. Esperando e trabalhando por dias melhores que certamente virão, devolvendo à nossa longa espera a sabedoria necessária em aceitar, enfim, que não somos os únicos “desamparados” do planeta e que nossas desditas possam, ao menos, aos outros, servirem de exemplos.

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...