Um corvo, um cobre

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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ENCONTRO MARCADO



          Não sabia que tinha um encontro marcado. Acordara bem cedo para chegar em tempo à entrevista de emprego na agência de um banco. Seria mais um daqueles dias tediosos, cheios de idas e vindas; correndo atrás do inalcançável, com sorrisos mecânicos, frases clichês, almoços solitários... bom, já estava acostumado, mas naquele dia, nem desconfiava, tinha um encontro marcado.
          O destino tem dessas coisas, não costuma avisar o que vai acontecer, você pensa que o tem sob controle, que pode dominá-lo consultando os astros, apostando na sorte, se benzendo, fazendo mandigas, ou, então, deixando simplesmente a vida transcorrer solta, indiferente ao resultado das ações, quase vivendo por viver... pode-se talvez, sim, conduzir a vida, o destino fazendo suposições, guiando-se pelas percepções, prestando atenção, mas, controlar mesmo, adivinhar o destino, nunca...
         O destino? O que é o destino? É o resultado de nossas escolhas cotidianas, e sendo assim que importa o fim se sempre ficamos enredados em seu núcleo, dando voltas e mais voltas, sem nunca encontrarmos o caminho, a solução?
          Na vida, só a morte é certa, é fato, entretanto, enquanto ela não chega a gente vai se preocupando, vai se endividando, vai se olvidando...
          Será que ter a doma do destino, se tal coisa for possível, é poder escolher também o modo de como se vai deixar este mundo? Dizem que nossas escolhas já foram feitas, lá, bem no principio de tudo, contudo, uma escolha, uma ação inesperada aqui na terra, tem o poder de mudar o curso inteiro de uma vida pré-estabelecida no útero do cosmo. Oximoros. Todavia, acredito que a morte não é aleatória, ela marca hora e local, nós é que nunca sabemos ou não percebemos os sinais, pois nunca estamos prontos, sempre ignorando sua aproximação. Oras, o que te faz pensar que numa manhã qualquer, seja enfim uma manhã clara de sol, num dia primaveril, você é o escolhido da dama de negro? Que sua vida, chatinha, monótona, possa te levar a um fim cotidianamente adiado? Desvia-se de buracos e balas perdidas, de pistas molhadas e engarrafadas, assaltos, discussões, tormentos e vinganças... vai ao médico, tenta se alimentar direito, se vestir decentemente, tudo isso pára, de repente, encontrar-se com quem nem estava agendado...?
           Selou sua sorte naquele momento em que o garçom lhe trouxe a conta; pagou e preparou-se para sair. Na porta um calafrio percorreu-lhe a espinha; tinha que tomar uma decisão... não pensou imediatamente na morte ou na morte imediata, mas tornou a sentir o calafrio... olhou para a direita, olhou para esquerda... demorava a se decidir... tomado de angústia resolveu ir para casa.
          Soube na manhã seguinte que a agência bancária onde ia à entrevista de emprego fora assaltada, houve tiroteio com o saldo de dois feridos e um morto. Pensou, com certa ironia, que o mal estar salvara sua vida, quem sabe se tivesse ido, não seria ele o homem estirado no chão. Se tivesse ido, será que teria havido o assalto...? Com certeza, os bandidos haviam premeditado tudo e marcado o dia numa agenda encontrada no chão, que, na fuga, um deles deixara cair. Tudo minuciosamente planejado, assim dizia o jornal... porém, algo saiu errado, não souberam precisar o quê, exatamente, mas algo saiu errado.  
          Ele deu um meio sorriso, pois pensou que apesar da desgraça acontecida e ultimamente as coisas estarem devagar, era um homem de sorte... cedo ou tarde arranjaria um emprego... só lhe preocupava o fato de ainda estar sentindo calafrios e uma dor horrível no estômago, foi deitar-se... não se sentia muito bem...
          A mulher encontrou-o morto, horas depois... Ataque cardíaco fulminante! Não sabia que tinha um encontro marcado e que já estava bastante atrasado! 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

PRESENTE DE NATAL

Já fazia algum tempo que ele perambulava pela rua, sem destino. O corpo franzino movia-se, indefeso, por entre transeuntes apressados e prédios altos e imponentes. Carros parados, por causa do trânsito intransitável, com seus ocupantes cada vez mais impacientes, e mendigos espalhados ao longo das ruas e avenidas, revelavam o caos moderno no qual a cidade mergulhara. Tudo isso junto lhe infundia um imenso pavor; sua cabeça não parava de girar e assustado, olhava para todos os lados. Ah, se ele adivinhasse...! Se ele adivinhasse, teria se recusado a sair de casa, teria se recusado a deixar o colo morno e protetor de sua avó. Por mais “biruta” que fosse a sua mãe, não esperava ouvir dela aquela ordem brusca e descabida, mandando-o descer, sozinho, no primeiro ponto de ônibus.
         Sim, não era segredo para ninguém que sua mãe era “biruta”; “maluca”; “doida de pedra”; “louca varrida”. Quase sempre, diziam, uma louca mansa, por isso, embora não entendesse ainda todos esses epítetos, entendia apenas que ela era sua mãe querida e que algumas vezes não se sentia bem, nada o levou a suspeitar que naquela manhã tão bonita o passeio que fariam, depois de tanto tempo, nada teria de aprazível e generoso. 
          Contente com o inesperado convite, ela lhe contou em voz baixa, como quem revela um segredo, que sairiam escondido de vovó, pois se ela soubesse certamente não deixaria os dois passearem juntos, coisa com que ele concordou e ficou de boca fechada, nada dizendo a avó e ambos, ansiosos, esperaram ela, a avó, sair, como sempre fazia todas as manhãs. 
         Assim que ouviu a porta bater, o menino foi então até o seu quarto e pegou as economias de sua latinha de moedas, pois, conforme fosse; poderiam vir a precisar. As economias seriam uma bela surpresa para sua mãe. Talvez, com elas, até lhe comprasse um presente...
         No final das contas foi ela quem acabou por lhe fazer uma surpresa, aliás, uma surpresa bem desagradável. Num instante, lá estava ele todo contente; no instante seguinte, a mãe, sem nem ao menos olhar para ele, simplesmente lhe disse, “desce.”
         A princípio o pequeno pensou que ela estivesse brincando; ainda não haviam chegado ao seu destino. Seu coração bateu descompassado; sabia que sua mãe “não batia muito bem” e que por causa disto, lhe dava pouca ou nenhuma atenção; se não fosse o amor de sua avó, estaria totalmente sozinho no mundo. Mesmo assim, gostava dela, gostava de sua mãe; gostava muito. Lembrava-se bem que em dias de completa mansidão, ela dava aquela risada prazerosa; cheia de calor; que fazia os escuros olhos amendoados se encherem de lágrimas. Não... Ela não podia enlouquecer agora.
         Fez que não ouviu... Entretanto, em poucos instantes, a palavra “desce”, pela segunda vez, ressoou em seus ouvidos, cortando as lembranças sem dó. Voltou-se para a mãe, tentando encontrar naqueles olhos um resquício de amor, porém, nas profundezas daqueles olhos escuros e amendoados não viu nada; não viu luz; não viu cor; não viu ódio; não viu amor.... Era apenas aquele olhar sem vida, de olhos opacos e estranhos, olhos de ninguém. Assim, achou melhor obedecer, então rapidamente saltou os três degraus da porta da frente do ônibus coletivo e sumiu. Sua avó, com certeza, mais cedo ou mais tarde, viria em sua busca, mas, enquanto isso teria que dar um jeito para não sentir fome, sede, medo, medo, medo.... solidão!
         Passou as duas primeiras noites, à porta da igreja de São Benedito. Como ele, havia muitas outras crianças por ali, abandonadas, exploradas, tristes... um sujeito, sujo e despenteado, não tirava os olhos dele e por conta disso, mal dormiu. Pela manhã, viu o homem mau-encarado pegar pelo braço duas das crianças e com voz ríspida, mandá-las pedir esmola no sinal, pois estava com fome e precisava tomar seu pingado. O pequeno decidiu correr dali e foi o que fez...
         Seguiu pensativo pelas ruas. Dentro de mais alguns dias, seria Natal. Procurou se distrair olhando as vitrines enfeitadas. Numa delas, um grande presépio, tão antigo quanto seu desejo de voar, mostrava um bebê Jesus gorducho e sorridente. A fome e a sede o obrigaram a se afastar da agradável cena familiar. A tarde principiava a morrer. Agonizante, o sol mostrava uma bela cor laranja. O garoto, sem saber muito bem o que fazer ou para onde ir, seguiu em direção do poente.
         Foi dar numa rua larga, calçada de pedras, conhecida como a Rua dos Comerciantes. Esta rua não mudara muito com o passar do tempo, conservando o mesmo charme que a fizeram famosa. Os casarões ainda eram uma mistura de lar e local de trabalho. Tudo o que fosse possível de se comercializar, encontrava-se na Rua dos Comerciantes. Era tanto o prestigio dessa rua, evocado pelos dias antigos, que havia até um projeto correndo na Câmara dos Deputados, visando transformá-la em patrimônio histórico.  
         Parado em frente à confeitaria, o garoto remexeu nos bolsos e encontrou suas parcas economias; algumas moedas, guardadas com muito cuidado, como se pertencessem a uma arca de tesouro. Eram poucas, mas ao menos por hoje, poderia comprar um pão ou doce. Entrou, e dirigindo-se a moça por trás do balcão pensou em pedir o maior sonho que já vira na vida, porém desistiu assim que viu o preço. Pôs as moedas em cima do balcão, então a moça, bonita como a lua, lhe sorriu, compreensiva, e estendendo o guardanapo de papel, pegou o sonho desejado servindo-o juntamente com um copo de leite.
       Durante alguns dias foi assim. A moça, amigável e bonita, fazia de tudo para amenizar a sua situação. Ela, todo dia, o alimentava e também lhe fazia muitas perguntas, tentando saber mais sobre sua família e como afinal viera parar ali. Penalizada, pensou em abrigá-lo em sua própria casa, enquanto resolvia o que fazer talvez contatar o juizado da infância ou a assistência social, mas o gênio difícil e irrequieto de seu irmão seria uma barreira quase intransponível. Economicamente, ainda dependia dele, pois o controle de tudo ficara em suas mãos, o que de maneira nenhuma era justo. Ela tentava reagir a este tipo de agressão, mas, desde que seus pais morreram o diálogo entre os dois tornou-se humanamente impossível. A alma de seu irmão parecia tomada. Algum djin invejoso apoderara-se de seu coração. Ela, apesar da boa vontade e do esforço precioso, não sabia mais como ajudá-lo. Sua fama de “homem mau” corria à rua inteira, de cima abaixo. Todos o temiam e ninguém ousava, sequer tentava enfrentá-lo. Ela tampouco faria isso. Bater de frente, nunca. Aprendera desde cedo, que para tudo existe a hora certa. Ao seu modo, fazia o que tinha que fazer. Ele de nada podia saber, pois se soubesse, imediatamente, lograva seus planos. Sua estratégia, que parecia banal, não deixava margem a discussões. Namoros e estudos ficaram esquecidos. Tinha na figura de seu irmão, não um amigo e conselheiro, mas, sim um carrasco mórbido e horripilante. Em suas orações, ela sempre pedia que acontecesse alguma coisa que pudesse tocar e aquecer os sentimentos congelados daquele ser atormentado. Agora, a vinda daquele garoto viera somar-se às suas preocupações. Seu irmão já o pusera para correr algumas vezes, xingando-o de pivete e ladrão. Meu Deus, como pode? Ele era tão pequeno...
           À noite, ela mal conseguia dormir. Apesar de ter amenizado o desconforto provocado pela falta das coisas mais simples, seu coração batia descompassado toda vez que pensava nos perigos que a escuridão podia trazer. A moça só sossegava, pela manhã, quando então ele aparecia com seu jeito tímido e trêmulo de passarinho. Será que sua família o estaria procurando? Segundo ele, só lhe resta a avó. O Natal bate a porta. Logo o tempo esfriará e o recolhimento será total.  Ó meu Deus... será que não seria melhor chamar o Juizado de Menor ou a Assistência Social? Eles teriam mais recursos e condições para promover uma busca. Mas e o menino? Ele podia se sentir traído  fugir, aí então é que ficaria difícil. A moça prometeu a si mesma que protegeria o menino, e custasse o que custasse, o devolveria, sã e salvo, a sua querida avózinha.
         O garoto foi ficando por ali. Achou refúgio num velho solar abandonado. Pensou que a casa lhe seria segura e quanto menos chamasse atenção, mais tempo teria para tomar uma direção. Fora o ogro, irmão de sua benfeitora, que, com seu gênio dos diabos, umas duas ou três vezes, o assustou bastante, ninguém ainda o havia descoberto. Em parte, para que isto não acontecesse, valeu-se de sua esperteza; e, em parte, salvou-o à presença de espírito da moça, que sempre inventava uma desculpa para aqueles fregueses mais curiosos.
          O preconceito mesmo negado ficou claro em todas as ocasiões.  Ansioso, o garoto via o tempo passar e sua avó nada de o encontrar.
         Uma semana se passara. Sabia disso, porque seu olhar assim que entrava na confeitaria, era primeiro para o calendário. Suas roupas, que não eram novas, estavam descoloridas e puídas e sua sandália, gasta e prestes a arrebentar. Se não fosse pela bondade da moça, que lhe trouxe algumas mudas e uma sandália nova, isso já teria acontecido ou, coisa pior, teria virado um menino de rua, pedindo esmolas no trânsito caótico, até cair nas mãos de algum tratante. Será que a avó o procurava? Estaria preocupada? E sua mãe, pobrezinha, como estaria? Na certa, pior do que antes. Sempre que ela lembrava de algo errado que havia feito, ficava num estado de dar dó. Sua mãe era como uma princesa prisioneira, acorrentada na parede, sem a mínima chance de escapar, presa pelos pés e pelas mãos. Para ela não havia príncipe encantado nem reino por herança.  Ao contrário da moça da confeitaria, outra princesa, bela como a lua, que embora morando na casa de um ogro, vai fazendo, devagar, o desenho de sua vida. Ela prometera lhe ajudar e ele confiava nela. Ela dissera que até o Natal tudo estaria resolvido, mas o Natal era amanhã!  O que o menino não sabia é que a moça, em sua persistência, boa vontade e intenção, conseguira finalmente localizar sua avó e esta surpresa seria seu presente de Natal!  
            A moça, na manhã seguinte, nem bem o sol havia nascido, apareceu no abandonado solar. Apertou-se-lhe o coração, vê-lo tão miudinho, encolhidinho, encostado aos velhos panos que ela lhe dera por lençol. Ele ainda dormia, talvez sonhando agradáveis sonhos. A moça olhou ao redor, e era como se visse tudo pela primeira vez. As paredes, rachadas e umedecidas, ainda apresentavam os vestígios de uma elegante cor azul. Uma porta, semi-arrancada de seus gonzos, dava para um diminuto pátio descoberto, onde o sussurro macio de uma fonte não cessara. Várias flores, entre elas, rosa, flor-de-maracujá e amor perfeito; flores símbolos do amor se abriam para receber os primeiros beijos do sol. Um lugar em ruínas, mas com uma beleza diferente e antiga. Ela não conhecera os seus moradores. Soube apenas, que fora o lar de duas pessoas que muito se amaram e que, infelizmente, fato do qual muito se ressentiram não tinham deixado herdeiros. Quando a mulher morreu, o marido enlouqueceu de dor. E por muito tempo, errou pela cidade. Andando sem parar, até o fim de seus dias. Foi encontrado morto em cima da sepultura de sua esposa. Dizem que em seu rosto, uma beleza serena resplandecia. Finalmente, havia encontrado a paz.
          Os parentes distantes que haviam recebido o solar por herança o venderam imediatamente, e, em breve, um edifício sofisticado se erguerá ali. Os protestos contra a destruição total do solar impediram o prosseguimento das obras, mas logo será o fim, pois, nada dura eternamente há não ser talvez, as grandes histórias.
          As reminiscências evocadas pelo lugar só faziam ressaltar a fragilidade e a tristeza do abandono. A solidão, como uma concha, envolvia todo o ambiente. Ela, como um ser à parte, também estava envolvida por uma concha de solidão. A casa só; o menino só; a moça só... Por um momento, a moça o contemplou naquele descanso angelical. Depois, decidiu acordá-lo, sacudindo-o carinhosamente. O menino se espantou ao vê-la ali tão cedo, mas logo imaginou que sua presença só poderia significar boas notícias. Afinal, era Natal. A moça, sorrindo, estendeu-lhe a mão. O menino sentiu segurança naquele gesto e também lhe estendeu a mão. Os dois saíram do solar e foram para a casa da moça. Ela lhe dissera que nada havia para temer. Seu terrível irmão saíra e iria demorar, portanto, o pequeno que aproveitasse e tomasse um bom banho.
           O menino fez o que moça lhe mandara. No banheiro, para sua surpresa, ele encontrou toalhas limpas, um sapato e uma muda de roupa nova. Dentro do sapato, havia um cartão de Natal com as frases de costume, mas além dos desejos de felicidade estava a promessa cumprida. Iria ao encontro de sua querida avó e de sua pobre mãezinha. A ansiedade, apesar da água deliciosamente morna, não deixou que se alongasse muito no banho. Enxugou-se e trocou de roupa, mas assim que desceu as escadas, teve outra surpresa; uma mesa caprichosamente arrumada com pães, doces, bolos e café com leite. No centro desta mesa, já por si mesma tão bela e aconchegante, reluzia sob o sol um fino vaso de cristal, de onde saltitavam faíscas coloridas e brilhantes. Aquilo encantou o menino e lhe deu uma idéia. Iria apanhar as flores no pátio do solar para enfeitar o vaso. Elas seriam seu presente de Natal para a moça. 
          Animado, dirigiu-se à porta, mas ao abri-la, deparou-se com o carrancudo irmão da moça que imediatamente o agarrou pelos ombros.          
           “Que viste fazer aqui, moleque endiabrado! Aproveitaste que não havia ninguém e entraste pra roubar?”
          O menino, pobrezinho, assustadíssimo, mal podia falar: “N-n-nãoo... sua irmã deixou-me entrar...”
          Um vizinho que estava à janela, ao presenciar a cena, abriu a porta para observar melhor e logo depois dele, veio outro e mais outro... num instante uma pequena multidão, aguardava em suspense.
         O homem estava suado, parecia transtornado, mas sua carranca foi se tornando cada vez mais suave... neste momento, a moça chegou, trazendo pelos braços a avó do garoto, assustaram-se ambas e soltaram um gemido, porém, nem o menino, nem o homem desviaram a atenção.
         De repente, o homem que era zangado, triste, acabrunhado, abriu um sorriso iluminado e carregou no colo o menino abandonado e com voz embargada falou-lhe assim: “Menino, ouso agora pedir perdão pelos meus modos. Não posso mais te fazer qualquer mal... minha irmã, um anjo de bondade, contigo compartilhou o tanto que temos. Portanto, de hoje em diante, serás como um filho, um irmão, serás bem-vindo a esta casa, que estará para ti e para todos os teus, para sempre, de portas abertas!”
         Um galo cantou mostrando estar de acordo com o dito e com o céu agora enfeitado de estrelas! O que ninguém viu, nem ouviu foi a revoada de anjos passar cantando e afastar pra longe as nuvens pesadas e cinzentas que não mais desabariam ali!    

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

PONTO DE CONVERGÊNCIA


Um ponto de convergência

Um ponto de paciência

Abre-se pleno, misterioso, milagroso

No olho da consciência!

No meio da testa

A história da terra

Certezas/incertezas

Fortalezas e fraquezas

Misturadas na incansável busca

De um sonho singular

Vejo o que vejo

O que não vejo

Eu ouço

Os mistérios

Se completam

No maravilhoso abstrato

Um jovem cantor

Canta um blues

No fim do arco-íris

A alma reza

Se aquieta

Desanca a dor

Que desaparece

numa trilha de estrelas


sábado, 18 de dezembro de 2010

OS POMBOS



No telhado da igreja, 
arrulham os pombos 
(Virgínia Allan)


***

Os Pombos 
(Raphael Alves)


Quase um soneto sobre o que não se soube dizer
Preciso de um verbete... apenas um
que tenha algo a falar 
ou que ao menos sirva para completar 
seja simples como um ‘oi’, ou um verbo incomum 
Preciso de uma palavra para quebrar esse jejum
com a qual eu cansaria de dialogar 
e também de alugar 
sem chegar a lugar algum 
Só preciso de uma palavra...
Uma palavrinha qualquer... 
ou de um dicionário inteiro! 
Uma que ilustre o que é
ser desta falta de palavras prisioneiro 



terça-feira, 14 de dezembro de 2010

DELIRIOS


Tenho febre
Mas meus delírios
São conscientes
E impenitentes

Guardo no passado
Pequenos mistérios
Que não faço mais questão
de desvendar

Ruídos na calçada
Passos na escada
Porém, não são fantasmas
É a chuva
É o vento
É o tempo
É o tormento

Inventam-se situações
Para evitar-se o abandono e a solidão
Marca-se o gado
Rouba-se no baralho
Ás de espada escondido na manga
É faca de dois gumes

Tenho pressa
Inimiga da perfeição
Por não ter opção

Caminhos cruzados
Escolhas malfeitas
Contas insuspeitas
Quanto você deve afinal?

Não tenho troco
Não tenho dinheiro
Não tenho sossego
Tenho febre e por isso escrevo

Percebo o sentido
Através do absurdo de ser
Do não ser

Lua, céu, mar não saem do lugar
Mas parecem me acompanhar
Caminham
Bem mais do que
Na direção do vento
Sem contratempo

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MAPINGUARI


Mapinguari
Velho pajé
Sorrir no reboar do tempo
Ao relento
Palavras jogadas ao vento
Engolidas por sua boca monstruosa
Não é louco
Não é louca
Nem macho
Nem fêmea
Mas gera um poema
As palavras engolidas
São devolvidas sem muitas rimas
Não faz seu gênero
Bancar a intelectual irritante
Não faz mal
Mapinguari
Ao natural
Pra todos os gostos
Um bicho grande
Bicho do mato
Meio gente
Meio macaco
Ou como dizem uns/alguns
Bicho-preguiça mais que grande
Verdadeiro gigante
Voz atordoante de trovão
Que se ouve longe
Um ser desordenado
Desencontrado
Tem pés arredondados e virados
Longos pêlos embaraçados
Feio de dar dó
Não toma banho
Fede pra danar
Pior que gambá
Não respeita feriado
Nem dia santo
E domingo
Dia de descanso
Para ele é um dia
“Em que também se come” 
Mapinguari
Garras afiadas
Devorador de homens
“Pega, mata e come”
É pior que carcará
Não morre nunca
Saiba já
Mas tem ponto fraco
É no umbigo
A parte sensível  
Ou que tal uma baita
Certeira
Paulada na cabeça
Mas quem se anima
A tal proeza?
Alto lá!
É melhor não duvidar
Quê que há!
Mapinguari
Sabe se cuidar
O sujeito que for tentar
Irá fatalmente se arrepender
Pois nem terá tempo de correr
Que dirá se benzer
Fazer aos céus uma oração
Por obra de magia
O corajoso dito cujo
Esquecer-se-á de tudo
Ficará tonto
Ficará mudo
Verá a noite crescer em pleno dia
Há de esquecer-se de Deus
E da Virgem Maria

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

PIRAMIDAL


Sob o sol escaldante do deserto
Encerradas em silêncio sepulcral
Pirâmides velhas, arcaicas como o mundo

O tempo não conta por aqui
Nem os antigos reis
Que descansam no vale

Ó múmias dos poderosos faraós
O que foi feito de vós? Acordai!
Levantai dos sarcófagos! E soprai para longe o mofo
de vossas ataduras

Pr’além dos quadros
Pr’além dos desertos  

sábado, 20 de novembro de 2010

ATOS IMPENSADOS





Mais um dos meus exercícios de resposta à escritora Clarice Lispector: Escrevendo para ela, tenho aprendido muito!   
                             

Impulsiva, no sentido real da palavra, eu não sou. Apenas muito raramente ajo assim, sem pensar. Agir por impulso, por instinto, nos remete a uma questão de sobrevivência. Um olhar dado a nossa volta a um contexto exterior.  Por intuição, sim, ajo quase sempre. De qualquer forma o resultado de tudo isso, para mim, não é reconfortante, e é quase mesmo desesperador, seja eu pensando demoradamente sobre a situação, seja agindo por intuição ou por impulso. Sob qualquer uma das formas, lá vou eu, ladeira abaixo, quebrando a cara, arranhando a pele, arrependida, até os últimos botões. Acertei pouquíssimas das centenas de milhares de idéias que já tive, portanto, posso afirmar, com toda segurança e razão, que há perigo em “quase” tudo: há perigo em se pensar demais, há perigo ao agir por impulso, só não há perigo ao seguir a intuição, isso se, no caso, intuição, não for confundida com infantilidade. Dizem que há oportunidade no perigo, ou vice-versa, por intuição, nunca soube o que isso significava, já que nunca vivi um perigo tão alarmante ou iminente a ponto de perceber, ter ou receber uma maravilhosa oportunidade. As melhores oportunidades que eu tive na vida eu mesma as criei e as me dei de presente, correndo apenas leves riscos; mas nada que lembrasse uma situação vivamente (ou morbidamente) perigosa. Eu estou tentando, melhorar, crescer como ser humano. Agir impulsivamente quer nos dizer que ainda estamos no âmbito animal da questão, agir assim, pro mal ou pro bem, é totalmente irrelevante para a remissão espiritual e, muitas vezes, catastrófico para o bem estar físico e mental. Conter o impulso, dependendo da ocasião, dá-nos uma sensação de força interna, como tu bem o dizes, Clarice, outras vezes, contê-lo causa-nos frustração, inquietude e tristeza.... e por que isso acontece? O impulso é um agir sem pensar, mas pensar não significa se desprover das emoções. A existência é dar-se conta de si é saber o que ser quer e fazer acontecer. Nós podemos abraçar e beijar alguém por impulso ou por querer, plenamente consciente desse querer, então, Clarice, o que é preferível. Sem essa de auto-controle para esconder os sentimentos. Acertar ou errar só funciona quando não sabemos o que estamos fazendo, e como somos falhos, imperfeitos, ainda não acertamos o caminho, e continuaremos, por um longo tempo, a acertar e a errar, aceitando, ou tendo que aceitar a partir daí os resultados, nem sempre agradáveis, de nossas ações. Por enquanto é o que se há de fazer. Atos impensados são brincadeiras de criança, um joguinho infantil de quem se recusa a crescer. É um prazer, uma alegria, que um dia perderá o encanto. Não quero mais pensar nesse assunto. Encerramos aqui. Acho que cresci, Clarice. Mas, não nos preocupemos; sem querer te desanimar, te digo que mais cedo ou mais tarde, chega-nos a maturidade e um dia, querida, todos nós, de um modo ou de outro, seremos adultos... isso, claro, se tivermos sorte!                              

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

TRANSCENDENTE


Irei lembrar-me
De todos os detalhes
De momentos inteiros
De vidas entrelaçadas no tempo
Ocultas dentro do ser
Todas as ausências
Todas as presenças
Lanço ao vento minha oração
E as minhas pseudos-verdades
Soam como blasfêmias
Na boca de um santo
Mas digo amém a cada frase dita
Submissa a uma vontade maior
Limito-me a buscar o ilimitado
Vasculhando o alfabeto do cosmo
Do alfa ao ômega
A identidade de Deus
Se revela então numa estrela
Transcendente mistério
Que se cala em minh’ alma
O imenso espelho polido
Mostra agora todas as cores do Universo

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

COMO O DIABO FOI PARAR NA ENCRUZILHADA



EXU, O MENSAGEIRO – ENTRE A SOMBRA E A LUZ

O temido demônio dos cristãos e afins, perde o horror e a feiura quando visto pelo lado mitológico das raízes africanas.

Segundo a mitologia ioruba, Exu Legba Eleguá Bará era um dos mensageiros que fazia a ligação entre o mundo dos homens e dos deuses, buscando solucionar problemas que afligiam tanto a um quanto a outro, sem distinção.

Reza um mito ioruba, que, certa feita, vagando Exu por terras d¢África, ia ele de aldeia em aldeia, catando remédios e soluções para grandes e terríveis aperreios que atormentavam a todos naquele tempo.
Os deuses aconselharam Exu que ouvisse tudo o que se relacionasse aos homens, coisas e animais que vivessem aqui na terra; suas queixas, dramas e histórias, enfim, que ouvisse tudo, que nada lhe escapasse, mesmo aquilo que, aparentemente, não tivesse qualquer importância.
E assim foi! Assim ele fez!
Cumprida a missão, Exu, o mensageiro, viu-se detentor de um abrangente conhecimento, capaz de resolver os mais intrigantes mistérios que iam desde a origem e o governo do mundo; dos homens à natureza.  
Tanta sabedoria foi repartida com um sábio adivinho chamado Orumilá ou Ifá, que, por sua vez, transmitiu esses segredos aos seus discípulos, os denominados babalaôs, que quer dizer, pais do segredos
Os cultos aos outros orixás, só é possível com a presença de Exu, pois ele é o mensageiro, àquele que faz a intermediação entre deuses e homens. Sem a presença de Exu nada acontece. Sem a presença de Exu a vida pára.
Como foi comum de acontecer às diversas culturas com quem os cristãos tiveram contacto, Exu acabou rebaixado à categoria de demônio, ou seja, o próprio diabo.   

Conta-se que Exu era pobre, não possuía nada, nadinha, nem um vintém, nem um grão de farinha. Vagava pelo mundo feito um vagabundo, sem eira nem beira.
Um dia, resolveu ir à casa de Oxalá e assim passou a fazer todos os dias, pois lá passava horas distraído, vendo o velho orixá criar os seres humanos.  
Muita gente ia à casa de Oxalá, visitá-lo e ali ficavam por alguns dias, mas não aprendiam. Chegavam trazendo presentes, oferendas para o Deus, admirando a perfeição de sua arte.
Exu passou um longo tempo na casa de Oxalá, exatamente dezesseis anos passou Exu, prestando atenção em tudo que fazia Oxalá, como ele modelava os seres humanos, aprendeu direitinho. Exu estava pronto a ajudar Oxalá. Então, o velho deus mandou que Exu fosse se postar na encruzilhada do caminho que levava à sua casa, pra que ele não deixasse passar quem não lhe levasse oferendas. Oxalá estava muito ocupado na confecção de mais e mais seres humanos e não tinha tempo a perder recolhendo presentes; aliás, nem tempo pras visitas ele tinha...
Exu foi e postou-se na encruzilhada, a recolher os ebós que depois entregava a Oxalá. Tudo correu tão bem, tão ao gosto de Oxalá que ele resolveu recompensá-lo e decretou que quem fosse à sua casa teria que levar alguma coisa também a Exu e quem estivesse voltando, deveria fazer o mesmo. 
Exu tornou-se guardião da casa e dos mistérios de Oxalá. Tendo somente um ogó, uma espécie de porrete poderoso, afastava as pessoas nefastas e castigava a quem tentava enganá-lo e passar desse modo pela sua vigilância.
Exu trabalhava em tempo integral e na encruzilhada montou sua casa. Ninguém mais podia passar por ali sem deixar-lhe alguma coisa e foi assim que Exu ficou rico e muito poderoso. 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010




Dijo el profeta de Allah

Quien ayuda a las viudas y a los huerfanos
es como si hiciera el yihad por la causa de Allah
o como si ayunara todo el dia
y estuviera despierto adorando a Allah toda la noche

(Sahih al Bujari)


Disse o profeta de Allah:
Aquele que ajuda as viúvas e os órfãos
É como se, todo dia, pela causa de Allah, travasse uma guerra santa
Ou é como, se, todo dia, praticasse o jejum
E assim, desperto, estivesse por toda noite, em adoração! 




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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

GRANDE E SILENTE MISTÉRIO





Vontade imensa de chorar
Vontade de gritar “pára o mundo que eu quero descer”
Mas, quando olho para os lados
Pra frente ou para trás
Percebo que não posso
E murmúrios de anjos mandam-me continuar
Ainda resta uma longa estrada
Não sei se deserta até o fim... por enquanto sim
No momento
Não há nenhum passante
Nenhum discreto, sereno viajante
Que possa me acompanhar
À estalagem mais próxima
De qualquer forma
A viagem é perigosa
Há lobos e bandidos ao longo do caminho
A morte sempre à espreita
Poucos abrigos
Poucos amigos
Poucas esperanças
Confesso
Tenho medo
São muitos os receios
Acalmo o coração
E acomodo-me ao tronco da palmeira
Que cresce no Oasis distante, meu refúgio
Que, para o meu alivio
Conheço bem o destino
Lá, o sol é tolerante
A água refrescante
O vento faz seu discurso delirante
E a lua me reanima
Com seus segredos
Penetra-me com sua luz
E embala-me na rede do crescente
Durmo tranqüila entre as nuvens
Povoadas de sonhos
A realidade então não me parece mais tão brutal, tão cruel,
tão importante, tão caprichosa...
E apreendo, por curtas horas que equivalem à eternidade
A natureza íntima, a essência única e divina do grande e silente mistério




segunda-feira, 1 de novembro de 2010

REVERSO

Não me incomodavam teus arroubos de impaciência
Nem teus modos impossíveis ao falar
Fechava-me em copas
Agarrando-me aos poucos sonhos que
ainda guardava dentro de mim
Tempestade que logo amainava
Na absoluta quietude da paz de um entardecer
Agora, displicente, a vida passa, com a certeza
De que não irei mais encontrar-te em meio a tantos rostos estranhos
Roda desesperança... sobe e desce
De anseios/devaneios 
Taças de tristezas misturadas a gotas de alegrias
Nunca secam o meu pranto
Universos paralelos... onde estás?
À distância, tudo parece tão romântico, tão diferente
Foste um dia, como um príncipe encantado de um conto de fadas
À lutar pela mulher bem amada
Sofrendo, porem,  na seqüência
Pela dura lida de um viver apreensivo
Partiste, enfim, em uma longa jornada
Pra não mais voltar
Levando quase tudo contigo   
E na história inacabada
Sobrou apenas o encanto de duas jóias raras
Duas princesas abandonadas
A mercê de ogros, lobos e vampiros 

Cantilena do Corvo

EE-SE BLUE HAVEN

Ee-se encontrou Ahemed na saída de Hus. Dirigia-se ela aos campos de refugiados, nos arredores de Palmira, enquanto Ahemed seguia com seu pa...