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terça-feira, 26 de agosto de 2008

SEMPRE O MAR



para Clarice


Eu, Clarice, em minha infância nunca morei perto do mar, nem mesmo perto de rio, embora tenha nascido e viva ainda em uma cidade banhada pela água doce. Apenas no começo da idade adulta foi que, enfim, cheguei perto de água salgada, o mar. Minha irmã mais nova estava com problemas e meu pai resolveu que seria melhor para todos mudarmos para o Rio de Janeiro e o que era para ser definitivo, acabou durando apenas três meses; três meses, diga-se de passagem, muito bem aproveitados.
Para mim, os dias passados na Cidade Maravilhosa, querida Clarice, que te foi tão familiar, foram dias inesquecíveis, em que pude conhecer melhor a cidade, (já estivera lá uma vez antes) e mais ainda a mim mesma. Como morávamos em Copacabana, o mar estava logo ali, praticamente batendo à porta de nosso apartamento, ao alcance da mão, ou dos pés, ou do pensamento...
Pela praia, costumava passear, à tarde, fizesse tempo claro ou cinzento, raras vezes indo de manhã. De manhãzinha, ainda escuro, só levantei em São Pedro da Serra, aonde fui com Vitória, uma amiga querida, e lá vi o sol nascer, quentinho, espantando o frio da noite anterior para longe. O coração, naquele tempo, sempre estava palpitante, batendo, ansioso pelas novas amizades e belos lugares, mas aos saltos mesmo só ficou ao conhecer o Marcos; mas a história com ele nem começou então... deixemos pra lá...
Eu também, como o teu pai Clarice, acredito em curas de banho de mar, mas, como não sabia nadar (ainda não sei) temia me aproximar muito da água e assim ficava, na segurança da praia, sentada na areia, lendo algum livro, olhando as pessoas ou apreciando o vaivém das ondas, vez por outra, molhando apenas os pés ou as mãos.
Entretanto, uma vez, fiquei tão hipnotizada, apreciando uma onda elevar-se que não consegui sair do lugar e levei um tremendo banho...e foi assim que tomei meu primeiro e único banho de mar.
Ao chegar ao apartamento não me lavei de imediato, pois ainda sentia o impacto da onda sobre mim e não queria tirar aquela sensação. Tinha sido bom...Acho que me curei de alguma coisa, o quê, precisamente, não o sei te dizer.
Minha irmã, o pivô da mudança, tomou muitos banhos de mar, mas, creio que o efeito ela só está sentindo agora, depois de tantos anos...Bem, "antes tarde do que nunca"...curar-se é sempre recomendável, seja lá do que for...
Adorava o pôr do sol. Tem quem não goste, acreditas? Hora mágica em que “abre-se a fresta entre os mundos”, como dizia o escritor Carlos Castañeda; ainda acredito nisso, piamente.
Por esse tempo andava muito a pé, chegando a ir, sozinha, até o Arpoador. Copacabana, para mim, era um mundo aparte, cheio de coisas e pessoas interessantes. Andava de ônibus também, mas só até o Flamengo, porém, a viagem era sempre "a viagem".
Minha vida, nesses três meses, girou em torno de uns três ou quatro bairros da Zona sul, do mar e de São Pedro da Serra. De deslumbramento me ficou somente o sonho do qual não queria acordar. O apartamento, as tardes, as viagens até São Pedro, o rock ‘n’roll e o cheiro do mar. Saiba Clarice que eu, ao contrário de você, forço a exaustão, a minha capacidade de ser feliz, que em realidade, nunca se me revelou por inteira...
Nessa aventura familiar não demoramos o bastante. Por fim, tomamos o avião e voltamos para casa. Desde então, minha casa, minha rua, minha cidade, minha vida adquiriram vários tons; tons que, em alguns contornos desse desenho que vou traçando da vida, estão tão coloridos que chegam a ferir os olhos tal a vivacidade mas, em outras partes, já se encontram desbotados ou quase apagados, lentamente desaparecendo como as pessoas, que, como tu, aqui na terra, já cumpriram o seu tempo e a sua missão.
Poucos anos depois de nosso retorno, meu pai morreu, e, agora, mais recentemente, o amor de minha vida e quase ao mesmo tempo a amiga querida , Vitória, que naqueles dias de deliciosa embriaguez recebeu-me e cuidou-me com desvelo. Ela, tão gentil, morreu num acidente de carro, na descida da mesma Serra que percorrera tantas vezes de cima abaixo.
E eu...Ainda ouço o mar. Ele está sempre aqui e não há banho de rio, de chuva ou de chuveiro que o tire de dentro de mim.
Clarice, também não sei a quem devo pedir para que em minha vida se repita a felicidade, a quem devo pedir bis? Talvez o Grande Regente dessa orquestra maravilhosa chamada vida tenha decidido que eu já recebi, servida em uma taça de prata, a minha devida dosagem e que seria muita imprudência ficar embriagada, seria muita imprudência e puro egoísmo ser por demais feliz.

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