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quarta-feira, 28 de maio de 2008

SALVADOR DE SI MESMO



Ao reler certo dia o livro SEIS PROPOSTAS PARA O PRÓXIMO MILÊNIO, de Ítalo Calvino Companhia das Letras, 1993, tradução, Ivo Barroso) no artigo sobre LEVEZA, não pude deixar de pensar na comparação que ele faz do mundo transformado em pedra. Sim, para ele, o mundo inteiro às vezes, parecia transformado em pedra, “mais ou menos avançadas segundo as pessoas e os lugares”, tal petrificação, ainda segundo ele, embora lenta, “não poupava nenhum aspecto da vida, como se ninguém pudesse escapar do olhar inexorável da horrenda Medusa”.
Relembremos o mito: Perseu, o herói grego (não preciso, creio, dar aqui nenhuma definição da palavra herói, mas escreverei uma frase de Joseph Campbell que diz que um herói é o homem da submissão autoconquistada e se quiserem saber mais, tipo a quem ou a quê deve ele, o herói, submissão terão de ler mais o dito autor) era filho de Zeus e da mortal Dânae, filha de Acrísio, rei de Argos, que um dia, temendo ver cumprida a previsão de um oráculo, que lhe predisse que Dânae teria um filho que lhe usurparia a vida e o trono, mandou encerrá-la numa torre. Mas, para Zeus, o que é impossível? Assim, em forma de uma chuva de ouro, Ele caiu sobre Dânae, engravidando-a .
Acrísio, desesperado, pegou mãe e filho e após colocá-los dentro de uma arca abandonou-os, à deriva, ao mar. Porém, a correnteza, em vez de virar a embarcação e afogar mãe e filho, concretizando enfim, o desejo de Acrísio, levou-a até a ilha de Sérifo, aonde o rei Polidectes, apaixonou-se pela bela Dânae.
Polidectes, com o passar do tempo, por ciúmes, quis afastar Perseu de sua jovem mãe e, assim, encarregou-o de uma missão; se diga, porém, missão esta primeiramente sugerida pelo próprio Perseu e cobrada em seguida pelo rei tirano, que era trazer a cabeça da Medusa, a Górgona mortal, mas, cujo olhar fulminante era capaz de petrificar; feito que ele consegue, graças a ajuda dos deuses Hermes, Atena e Hades.
O herói Perseu, mata a Górgona e carrega a cabeça consigo, dentro de uma sacola presa a cintura e nos momentos de perigo, para sua proteção é capaz de usá-la de maneira sábia, evitando, de olhá-la diretamente, seguindo sempre o enunciado dos deuses. Seu escudo de bronze é o seu espelho, empunhado por Atena, a deusa da divina sabedoria, e é por ele que é capaz de encarar o terror. Perseu é capaz de entrar e sair do mundo sombrio, sem maiores danos, trazendo consigo valiosos, belos e úteis presentes, inclusive Pégaso, o cavalo alado, benquisto das musas, que nasce do sangue da Górgona abatida, o animal é filho da maldita. Porém, Perseu o domina e, cavalgando-o vai além das nuvens. Claro que tais ações não são facilmente praticáveis e por isso Perseu é um herói.
Bem, Ítalo Calvino se absteve de interpretar o mito, coisa que aconselha todo bom contador de histórias, ele queria apenas fazer uma relação alegórica do poeta com o mundo e o processo de continuar escrevendo.
Eu, por outro lado, vejo também uma relação, de certa maneira proposta pelo próprio Calvino, ao ver o mundo em vários estágios de petrificação. Nos tempos atuais, aos poucos, vamos sendo petrificados, as pessoas de um modo geral, vão tomando a forma da Górgona ou das estátuas, mudas, petrificadas, em maior ou menor grau. Ficamos alheios e estranhos ao nosso mundo ou ao que está acontecendo ao nosso lado. Desistimos da roupa de herói, quase não a vestimos mais, pois a roupa encolheu e agora cabe em muito poucos. Sobra-nos o papel da Medusa ou de meras estátuas. Seres humanos frágeis, fracos, e das tarefas que nos impomos ou das que nos são impostas, não damos conta, e, incrédulos, renunciamos aos conselhos dos deuses... Quando olhamos no espelho a imagem que nos aparece, distorcida, é a do monstro. Como fugir? Como escapar disso? Dessa infame e vil transformação operada por nós mesmos? O herói deve nascer; crescer em seu heroísmo e ser ultrapassado... Temos capacidade de voar muito alto, em um cavalo alado. Mas, por onde começar? Minha sugestão é que comecemos por onde começou Perseu, abandonando um mundo pronto e protegido, mas cheio de armadilhas e ilusões, para partir em busca do seu próprio, da construção de seu mundo, não ideal, mas, real. Na jornada necessária que precisamos empreender, temos que mergulhar, “encarar” e se possível sobrepujar o sombrio, um dever para com nós mesmos e para com os que nos cercam.
No caso do herói, tirar a cabeça da Medusa da sacola e mostrar o próprio horror só em casos extremos, realmente necessários. A minha dor, ou a minha vitória, ou ainda a dimensão do meu horror, não precisam petrificar a ninguém, gratuitamente, já que isso elas mesmas já fazem por si, pois ao dar maiores dimensões aos seus desejos, medos e dramas; correm elas o risco de se metamorfosearem na terrível Medusa, isolando-se, vivendo a parte e, ao contrário do herói, que escolhe a quem petrificar, acabam por transformar a qualquer um em pedra, ao menor sinal de aproximação. Há quem queira esse fardo...
Ítalo Calvino remete-nos também em seu artigo, a leveza do ser, do pensar, do elevar-se além das precárias condições humanas e a partir das observações de Milan Kundera mostrar como a leveza pode se tornar insustentável tal o peso que ela demonstra ter com o passar do tempo. Um peso de pedra. Mas, lembrem-se que Calvino falava de literatura, eu estou a ponderar sobre as situações humanas, mas, no final, ambas nem diferem tanto assim uma da outra. Com o passar do tempo quase tudo se petrifica ou perde a leveza de ser; o mundo, as pessoas, a sabedoria e as relações... e ficamos a espera de um herói que nos salve, de alguém que, em vez de pedras, mos mostre um jardim, cheio de flores, belas, coloridas e leves já que não somos capazes de cultivar e manter o nosso próprio jardim; fugimos das aulas de jardinagem. O mestre ficou sozinho no quintal vazio e em lugar das flores vamos colocando grandes, feias e pesadas estátuas de pedras.
Farid-ud-din-Attar, em seu livro O Parlamento dos Pássaros (Attar Editorial), conta-nos que no alto de uma montanha, na China, vive um homem velho que chora sem parar. Entretanto, mal suas lágrimas tocam o chão, convertem-se em pedras que ele torna a recolher. A verdade nua e crua, porém é que nem todos nós podemos ser que nem Perseu, herói imbuído de generosidade e delicadeza para com todos os seres mesmo para com os monstros, como diz Calvino, e nem todos conseguimos ser hábeis jardineiros; fazemos o que podemos, vamos até onde nos compete chegar nossa frágil paciência/resistência/competência. Algumas vezes, incapazes de matarmos nossos monstros, destruímos nosso jardim, pisoteamos nossas flores, acabando com o pouco que nos resta, pois a impotência nos tira a vontade de seguir adiante. O sentimento de confusão, nulidade, exclusão, faz com que abandonemos o mundo em que se precisa viver sem a ele pertencer, e, afastados de qualquer convívio humano, por fim, morremos... esquecidos, longe da piedade de qualquer bom samaritano. Antes disso, entretanto, acontecer, será que nos perguntamos o que podíamos ter feito com nossa confusão? Como nos livraríamos dela? Tentamos, de verdade, encontrar ou saber sua causa e dar-lhe uma solução? O porquê de ter surgido e permanecido? Se a reposta é sim, deveríamos ter decidido logo o que poderíamos ter feito a respeito, pois só os equivocados criam e sustentam sua própria confusão, embora façam crer a todos que tentam desesperadamente dela escapar. Uma pessoa confusa é, antes de tudo, alguém que não presta a devida atenção a si mesmo, a confusão se dá porque tal pessoa não obteve o que queria, temos o costume de não percebermos que somos postos à prova a todo instante, tanto pelo que queremos quanto pelo que não queremos, paciência para com um, paciência para com o outro estado de coisas, querer /não querer... Como dizia o grande Bayazid (morto em 875 d.C.) “deves sentir teu próprio nada”.
Tais sentimentos e estados já citados deveriam ser pensados antes como formas de proteção e usados como escudo, como faz Perseu. Todavia, vamos parar por aqui. De repente, eu é que me verei metida em confusão por não saber mais o que dizer. Parece que tenho toda a sabedoria do mundo a disposição. Tenho, tenho sim, mas não posso passá-la adiante e nem sei ainda direito como usá-la em meu próprio proveito, não sou mestra de nada, nem do ABC, e cada um tem que buscar em si os meios de empreender e chegar ao fim de sua viagem, sentindo que cumpriu, com efeito, a sua missão. Busque a sua compreensão naquilo que diz respeito a você e sua busca por auto-conhecimento. É possível escapar do olhar aterrador da Medusa; é possível escapar de nos transformarmos no monstro de olhar aterrador;um olhar humano, condescendente, mas atento, sobre tudo, principalmente sobre nós mesmo já é um começo, e que começo...!

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