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domingo, 13 de abril de 2008

RECORDAÇÕES DA CASA DA COBRA

Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na praça da Matriz


DAS IGREJAS E OUTRAS CONSTRUÇÕES - MANAUS


Outro dia, fui até o Mercado Adolpho Lisboa e na volta passei em frente à Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Gosto de igrejas. Gosto do silêncio que domina o ambiente: bom para pensar e livrar a alma do peso de preocupações. Gosto de apreciar suas arquiteturas, de estilos diferentes e antigos; mas em todos esses anos passei ao largo de algumas, o que é indesculpável, sendo Manaus rica do jeito que é destes templos sagrados... Estudei em colégio de freiras, o Preciosíssimo Sangue, mas que nem por isso administrava, graças a Deus, uma disciplina férrea. Por sinal, era bem moderno, tanto no modo de ensinar quanto no modo de corrigir os erros. Amava muito o colégio. Lembro-me que chorei quando meu pai resolveu tirar-me de lá.
No meu tempo, a igreja do colégio ficava num pedaço do terreno, bastante aprazível, cheio de árvores e bancos de pedra, onde muitos dos alunos iam sentar-se, aproveitando o frescor da sombra. Dali, alguns sumiam, explorando mais além o quintal das irmãs; fosse para roubar frutas, fosse a fazer passeios românticos.
Agora, não existem mais as árvores e acho que nem os bancos de pedra, nem os quintais. A igreja ainda está no mesmo lugar. Só não sei se por dentro ela continua a mesma. Era linda, com predominância do vermelho. Sua arquitetura me lembrava os monastérios medievais, mas com uma pincelada de sofisticação contemporânea.
O altar, de mármore branco, com piso vermelho recoberto por tapetes também vermelhos. No teto, uma cena impressionante; a pintura de um pelicano arrancando sua própria carne para alimentar os filhotes. Na minha ignorância pré-adolescente, pensava naquele sacrifício e não conseguia entender porque é que uma imagem dolorosa ficava em local tão exposto! Afinal, todo mundo olha para o teto, principalmente as crianças. Somente anos mais tarde é que pude entendê-la.
Do outro lado da rua, em frente ao colégio, havia também a igreja de São Geraldo com o inesquecível padre Henrique, à porta, toda vez que a missa terminava. Amavelmente, o jovem padre cumprimentava a todos os paroquianos, um a um, até as crianças. Há alguns anos, destruíram a velha igreja, construindo outra, em minha opinião mais feia, de linhas irregulares... mas, levem em conta, é minha opinião, uma leiga, no assunto. Na verdade não entendo nada de arquitetura...
Ao chegar em casa, decidi fazer uma pesquisa, pois a curiosidade aguçou-me as idéias. Corri para o escritório de meu pai e vasculhei suas estantes e gavetas atrás das histórias que ele não me contava. Era um grande arquivista, com mania de guardar tudo o que lhe interessava e que um dia, quem sabe, fosse precisar? Então, relendo vários livros e recortes de jornais amarelados e roídos, descobri detalhes bem interessantes, não só das igrejas, mas também de alguns prédios, que eu, mesmo achando-os belos, não me preocupara nunca em visitar, a começar pelo próprio mercado de ferro Adolpho Lisboa, construído a partir da necessidade da cidade em expansão.
As obras da “Ribeira dos Comestíveis” iniciaram-se em 2 de agosto de 1882, sendo então aprovado o contrato com Backus & Brishin (Belém)
Em 14 de julho de 1883 as obras ficaram “prontas e foram recebidas provisoriamente”, sendo o mercado inaugurado, levando-se em conta as divergências criadas em torno, no dia 15 de Julho ou segundo outros, a 15 de agosto de 1883 pelo presidente José Lustoza da Cunha Paranaguá.
O mercado de ferro, cujo teto é “sustentado por 28 colunas desse metal” é o resultado de um conjunto de construções de épocas anteriores, um prédio com “duas caras”, uma de frente para o Rio Negro e a outra voltada para a rua dos Bares.
Ao todo, o mercado é composto por quatro pavilhões, sendo o principal o maior e localizado ao centro da casa; dois laterais e um perpendicular aos outros três.
O mercado de ferro leva o nome de Adolpho Lisboa, um dos prefeitos de Manaus.
Agora, o Palácio da Justiça: Idealizado por Eduardo Ribeiro, um visionário atordoado 1884 em pleno apogeu da borracha, somente foi inaugurado em 1900, pelo então governador João Ramalho. A firma inglesa Moers & Morton, foi a responsável pela construção. Em mais de cem anos de história, passou por algumas reformas, mas nada que abalasse suas formas características. No início dos anos 60, construiu-se um anexo, do qual, no momento não me interessa falar.
O Palácio, de estilo eclético, é inspirado na arquitetura do Segundo Império Francês e do neoclassismo inglês - creio que a isto chama-se também ''art noveau'' - apresentando uma extravagante mistura de adereços. Na entrada, eis uma escadaria toda de mármore, enquanto sobre o pórtico principal repousa a estátua da deusa grega Têmis. Sabe-se que Têmis usa uma venda nos olhos, simbolizando a lei e a justiça, uma das quatro virtudes cardeais, que deve ser aplicada, com todo rigor, a qualquer um; não importando a classe social, a cor e o poder aquisitivo. Entretanto, curiosamente (e confesso que jamais notei), a estátua do Palácio da Justiça não tem venda e a balança que carrega na mão esquerda pende, em imperceptível desequilíbrio, mas para um lado do que para outro. Na mão direita sustenta uma espada, e, logo abaixo, um medalhão com uma palavra em latim: Lex (Lei). Li em algum lugar que em referência à execução da lei, ela é também representada com uma cabeça degolada ao colo. Aqui, um aparte, por favor. Algumas pessoas hão de concordar comigo que a deusa de olhos vendados possui - talvez a intenção real fosse mostrar imparcialidade - um sentido ambíguo. Quanto à balança queiramos ou não, nunca permanecerá em equilíbrio, ela sempre penderá mais para um lado do que para o outro. É uma questão de justiça ou injustiça, como queiram alguém saberá diferenciá-las, defini-las com precisão? Alguém importante, mas que não me lembro agora quem foi, disse certa vez que “homens bons e justos jamais precisariam pesar seus atributos” Sendo assim...
Forçoso me é dedicar ainda algumas linhas ao maior orgulho de nossa cidade, o Teatro Amazonas, pedra preciosa cravada no meio da floresta. Ele não pode passar despercebido, é necessário juntar-me ao coro de louvações. Lá estive muitas vezes e não me decepcionei. Surgido da necessidade de ampliar os espaços culturais, o Teatro levou quinze anos para ficar pronto. Todo o material utilizado em sua construção, e mais os objetos de decoração foram trazidos da Europa, aparte as madeiras das quais são feitas as cadeiras e, o piso, que vieram da Bahia. Foi inaugurado em 31 de Dezembro de 1896, com uma apresentação da Companhia Lírica Italiana. Sua cor original era rosa, mas já foi pintado de azul e cinza. Desde a última reforma, porém, está rosa outra vez.
A cúpula, uma armação de ferro, importada da França, que poderia parecer estranha e fora do lugar, é um charme a mais nessa construção neoclássica. Não sei se é o costume de vê-la ali desde menina, brilhando ao sol, singela recordação das estórias do Oriente. Conta-se que na época, acharam-na de uma extravagância sem tamanho. Possui 36.000 telhas vitrificadas de cerâmica decorada, formando os contornos da bandeira brasileira, e ao contrário do que muitos acreditam, a cúpula é fixa e não giratória.
Nem preciso dizer que, como toda construção antiga, as histórias de fantasmas correm soltas pela imaginação. Assombrado! Talvez, mas, por um tempo lírico e luxuoso que não vivemos e que mesmo assim, teimamos em manter. Embora sejam intrigantes todos esses fatos, não irei alongar-me. São tantos detalhes, tantos assuntos, tantas divagações... Voltemos às igrejas, que foram o motivo destas minhas evocações.
A Igreja de Nossa Senhora dos Remédios foi construída em cima de um cemitério indígena. Para mim não é novidade, pois era comum ouvir essa afirmação sobre quase todas as praças e prédios de Manaus. Antes, no início do século XIX, era apenas uma capela, reformada no ciclo de ouro da borracha, em estilo neoclássico com influências renascentistas, elaborada pelo italiano Felintho Santoro. É um dos templos mais antigos de Manaus.
Outro magnífico monumento deste período lendário é a Igreja de São Sebastião. É a que mais aprecio. Quis lá batizar minha filha, porém desisti ao constatar que a humildade de São Francisco estava um tanto quanto esquecida. Bem, este é um outro assunto. De estilo neoclássico, ela pertence aos padres capuchinhos desde 1888, época de sua fundação. Possui um belíssimo interior com pinturas que cobrem a cúpula, o teto inteiro e as paredes, importadas da Itália e que, por sorte, continuam intactas. Merece destaque a pintura do teto logo à entrada, feita por Ballerini, mostrando o martírio de São Sebastião. É uma pena que, ao longo do tempo, a igreja tenha perdido diversos objetos, tais como vasos sacros de porcelana e ouro. A igreja também não possui uma das torres que, dizem alguns, perdeu-se no mar, durante um naufrágio quando de sua vinda para cá.
Da igreja da Matriz, há muito o quê dizer. Construída de frente para o rio Negro, em 1685, pelos missionários carmelitas, era no começo, apenas um casebre de aparência rústica. Em 1850, destruída por um incêndio, ressurgiu gloriosamente numa Manaus enriquecida com a exploração da borracha. É considerada a primeira grande obra da cidade, de estilo neoclássico, com linhas retas, imponente em sua austeridade sem ostentação.
No ano de 1875, instalaram-se os sinos, que hoje estão para serem restaurados. Ao todo eles eram oito, mas agora são sete, porque um deles está rachado e não há como o recuperar, vindos de Portugal, mas a igreja, do jeito como se mostra atualmente, foi inaugurada em 1888. Nesta ultima reforma, começada em Agosto de 2001, fizerem várias descobertas interessantes, dentre elas está uma garrafa de vinho não totalmente vazia, pois dentro dela há um bilhete com dois testemunhos deixados à posteridade por um mestre de obras e um frade. Ambos portugueses; ambos com o mesmo nome, Francisco. O verso e o reverso de uma mesma folha de papel. O verso e o reverso de homens diferentes? Dois homens, dos quais pouco se sabe; dois homens que, talvez, tivessem se conhecido dois homens que, talvez, houvessem sido amigos; ou então, não! Largarei de fazer suposições. Vai ver, fossem apenas dois homens unidos pela vontade em comum de deixar por escrito, mesmo que em poucas linhas a lembrança de suas existências, assim, tomando de uma folha de papel ofício, Francisco Conejo escreveu o seguinte.
“O Francisco Conejo foi quem edificou esta matriz veio no ano de 1859, 08 de outubro officio de pedreiro em laminado, nas cinco ordem de arquitetura e arte na décima ordem Filho de Caxias, esta foi com minha mão própria”.
No papel, Francisco colocou ainda a sua idade, 44 anos, acrescentando sobre sua assinatura a palavra “difunto”; em seguida, foi a vez do frade, que no reverso da folha, deixou também impressa a sua mensagem.
“Pelo décimo quarto frade Francisco Ferreira Marques, português, frade 13 anos em 5 de fevereiro de 1862, fiz esta às 3 ½ da tarde
2
”.
A garrafa aguardou 140 anos, até que alguém a encontrasse. Ela fora posta de propósito, mas com todo cuidado, entre as pedras que impediam a passagem para uma das portas que fora fechada em reformas anteriores. Um belo e romântico registro.
À Igreja da Matriz fui uma vez com mamãe na procissão de Nosso Senhor Morto. Até hoje não gosto de pensar no corpo da estátua de Cristo, coberto de chagas, com os olhos fechados e o coração sangrando, ficava muito impressionada. Sempre que íamos lá, mamãe fazia questão de sentar-se na praça à espera da missa começar. Levantava-se somente ao toque das duas primeiras badaladas, então mandava que parássemos de brincar e tomando-nos pela mão, subíamos os lanços da escadaria.
A entrada na igreja era silenciosa, com uma respeitosa genuflexão, em seguida, escolhido o banco certo, punha-se a desfiar o seu rosário de aflições (Sim! Porque aflita, minha mãe sempre foi). Enquanto ela rezava, ficávamos a olhar as paredes, contentes do seu esquecimento momentâneo.
Eis que chego a uma igreja que conheço de “ouvir falar”; a Igreja do Pobre Diabo. Oficialmente é a Igreja de Santo Antônio e somente no dia do Santo é que ela tem suas portas abertas, para que os devotos possam fazer pedidos e pagarem suas promessas. Diz-se que um comerciante português, Antônio José da Costa, encomendou uma tabuleta a um sujeito andrajoso, a qual, depois de pronta, afixou à porta de sua quitanda. Na tabuleta estava escrito: Ao Pobre Diabo...
Quando o senhor Antônio morreu, sua viúva, dona Carolina Rosa de Viterbo, em homenagem a ele e ao santo, mandou construir uma capela. Isso foi pelo ano de 1897. Ninguém nunca a chamou pelo nome do Santo, era sempre a Capela do Pobre Diabo. É tombada como patrimônio histórico pelo Governo do Estado desde 1965.
Para finalizar, como última apreciação, farei, em rápidas linhas, uma visita ao Cemitério de São João Batista, fiel depositário de meus receios juvenis. Ainda posso ver o sol, passeando sobre as mangueiras, no inicio das manhãs, as mangas maduras, cobiça e regalo da meninada, caídas no chão. Estas mangas eram as mais famosas, e também as mais rejeitadas, da cidade. Lembro-me bem de meu irmão mais velho e um amigo, nosso vizinho em suas andanças, à cata de aventuras, aparecerem suados e sorridentes, com sacos carregados dos deliciosos frutos. A alegria era imensa e, então, todos acorriam, alvoroçados, prontos a porem as mãos nos deliciosos frutos. Momento ansiosamente esperado por meu irmão, que num olhar de cumplicidade com o amigo, acabava rapidamente com a festa, ao revelar que as mangas eram do cemitério e como tal propriedade dos mortos, portanto, ai de quem comesse, pois de noite eles viriam para assombrar aqueles que as tivessem comido. No mesmo instante, as mangas eram deixadas de lado e, calmamente, os dois endiabrados, às gargalhadas, comiam-nas até se cansarem.
É no cemitério São João Batista que repousam os restos mortais de Eduardo Ribeiro, Álvaro Maia, Adriano Jorge e por aí vai! A jovem violinista, Ária Ramos, assassinada num baile de carnaval em 1915, também lá descansa, tendo, inclusive, uma estátua para perpetuar sua memória. (O cemitério está cheio delas; verdadeiras obras de arte, importadas da Inglaterra ou da Itália, para enfeitar os túmulos dos mais ilustres). Mas, o cemitério São João Batista, não é privilégio de gente importante ou rica, é também o lugar, como todo cemitério, de gente pobre e comum, esteja ele morto ou vivo, assim como eu... Digo isso porque era por dentro dele que passava sempre que necessário para atalhar caminho. Diante de seus portões, parava um segundo, olhava pra cima e lia a frase inscrita em latim Laborum Meta (Fim do Trabalho), frase esta que eu incansavelmente repetia como uma mantra, e ao repeti-la, sentia uma estranha sensação, mistura de angústia e libertação, uma espécie de morte, antes mesmo da verdadeira morte. Assim, rapidamente acostumei-me à quietude de suas sepulturas e por lá ficava horas a fio, sentada naqueles bancos feios e antigos, lendo, pensando, ou então, apreciando a beleza de alguns rostos pintados à mão, delicadamente, sobre finas porcelanas, contando as histórias de toda uma vida. Quanto mais velho era o túmulo, mais me despertava a atenção.
Ah! Doce e seguro (e mórbido, complementarão outros) refúgio, dos arroubos de juventude! Excentricidade de uma idade, onde os sentimentos e os problemas ganham exageradas proporções. Hoje, já não faço mais isso. Levei alguns sustos, provocados pela dama de negro e um enorme vazio quase me sufocou. Perdi meu pai, meu marido e uma boa lista de parentes, amigos e conhecidos, e, desde então, não voltei mais a por os pés em nenhuma cidade dos mortos. Nós, os tais seres racionais, membros da “grandiosa comunidade humana”, somos realmente muito complicados. O terreno do cemitério pertencia a um senhor conhecido por Mocó e foi com este apelido que o bairro e o reservatório de água que existiam no local se tornaram conhecidos.
É...! Não foi exatamente um passeio turístico, mas serviu para aumentar minha admiração. O período áureo da borracha é um tempo que me assombra... Saber que tanta riqueza já reinou por aqui, me deixa maravilhada, e agora que começo a envelhecer, tenho a certeza de que jamais serei uma cidadã da Manaus Moderna. Sou, antes, a cidadã da Manaus morena, cidade sorriso, coberta de ouro, cheirando a pupunha e tucumã cidadã do lugar fabuloso de meu pai, onde se ouve o canto mágico do uirapuru, e onde, no fundo das águas escurecidas, dorme a cobra-grande. Vive, dentro de mim, a Paris das selvas, eterna, com suas ruas e sua gente! Eu sei quem sou...! Demônio feminino do inferno verde, huri do paraíso amazônico.



2 Jornal A Critica, Edição de 19 de Julho de 2002


Do livro MORONETÁ; Crônicas Manauaras; Editora Valer

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